Cinco pontos para entender o processo contra Jair Bolsonaro no TSE
Tribunal começa a votar nesta quinta-feira (22) ação que pode levar ex-presidente a perder os direitos políticos
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começa a julgar nesta quinta-feira (22) ação que pode resultar na inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Esta é uma das 16 ações que tramitam na Corte contra o ex-presidente.
O julgamento pode durar até três sessões - agendadas para esta quinta e para os dias 27 e 29 de junho. Além disso, também é possível que haja adiamento, em caso de pedido de vistas por um dos ministros do Tribunal.
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A representação foi ajuizada pelo PDT e alega que houve abuso de poder político e uso indevidos de meio de comunicação por parte do então presidente da República, durante a pré-campanha eleitoral. O candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto, também é alvo do processo.
O Diário do Nordeste separou cinco pontos para entender melhor o processo que pode levar o ex-presidente Jair Bolsonaro à inelegibilidade:
1. Reunião com embaixadores estrangeiros
O processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro trata de episódio que ocorreu em julho de 2022. Na ocasião, ele reuniu, no Palácio da Alvorada, embaixadores de países estrangeiros, quando voltou a atacar, sem provas, o sistema eleitoral brasileiro.
"Foi literalmente afirmado pelo primeiro investigado (Bolsonaro), entre outras informações falsas, que, em 2018, as urnas trocaram o dígito 7 pelo 3, transformando o voto no '17' (número de Jair Bolsonaro) em '13'; que o sistema brasileiro de votação é 'inauditável'; que a apuração é realizada por empresa terceirizada e não pode ser acompanhada; que o TSE teria admitido que, em 2018, 'invasores puderam [...] trocar votos entre candidatos'".
Todas as afirmações citadas acima já tinham sido ditas por Bolsonaro em outras ocasiões, em todas elas sem nenhuma comprovação das denúncias. Desde a implementação das urnas eletrônicas, em 1996, nunca foi comprovada fraude no sistema de votação.
Bolsonaro citou um inquérito aberto pela Polícia Federal em 2018, com autorização do STF, sobre suposta invasão de um hacker ao sistema do TSE durante as eleições daquele ano - a Corte já afirmou que o acesso foi bloqueado e não houve qualquer interferência ou resultado do ato criminoso.
Durante a reunião com embaixadores, o então presidente também fez ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inclusive ao então presidente do TSE, Edson Fachin - argumentando, inclusive, que este teria "simpatia" por Lula (PT).
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O encontro - chamado de "Encontro com chefes de Missão Diplomática" - contou apenas com a fala de Bolsonaro. Antes do início do discurso, foram exibidas imagens das motociatas realizadas pelo ex-presidente. Na época, toda a fala foi transmitida ao vivo pela TV Brasil, alcançando, até a apresentação da denúncia à Justiça Eleitoral, "aproximadamente 589.000 e 587.000 visualizações (respectivamente, no Facebook e no Instagram)".
O vídeo da TV Brasil com o discurso completo do ex-presidente Jair Bolsonaro nesta reunião foi retirado do ar pelo Youtube por violar "a política de integridade eleitoral" da plataforma, que "proíbe conteúdo com informações falsas sobre fraude generalizada, erros ou problemas técnicos que supostamente tenham alterado o resultado de eleições anteriores, após os resultados já terem sido oficialmente confirmados".
As declarações do ex-presidente também repercutiram entre os então candidatos ao Palácio do Planalto, que criticaram as informações falsas e acusações sem provas proferidas por Bolsonaro contra as urnas eletrônicas. O TSE também emitiu nota rebatendo os pontos levantados durante a fala.
2. Abuso de poder e uso indevido de meios de comunicação
A denúncia feita pelo PDT pede a inelegibilidade de Bolsonaro e do então candidato a vice-presidente Walter Souza Braga Netto por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto explica o enquadramento pedido no processo "pelo uso da Presidência com a convocação de embaixadores (função institucional) para reunião, em prédio público (Palácio Governamental), transmitida por rede televisiva estatal, para fins eleitoral".
Ele cita que a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2022 teve, como uma das temáticas, a descredibilização do sistema eleitoral brasileiro e das urnas eletrônicas, apesar de não ter apresentado provas das acusações feitas.
"A propagação 'institucional' das fake news sobre as urnas, configuraria, desta forma, violação à legitimidade e normalidade das eleições vedada constitucionalmente, agravada pelo uso de recursos públicos e meios públicos de divulgação, porquanto, abuso do poder político e dos meios de comunicação".
Especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Pablo Bismack concorda e diz que houve "desvirtuamento" do objeto da reunião. "O Chefe da nação convoca autoridades para uma reunião para discutir uma pauta institucional, mas o discurso é totalmente outro. (Ele) usou-se da autoridade, usou-se da máquina pública para uma finalidade diversa do que deveria ser de fato", diz.
Ele relembra a cassação do ex-deputado federal Fernando Francischini (União), em 2021, por propagação de informações falsas por meio de live, na qual afirmou, sem provas, que urnas teriam sido fraudadas. Ele foi condenado por uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político e de autoridade - semelhante às acusações que pesam contra Bolsonaro.
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"Já existe um precedente nesse sentido, o que pode levar adiante os fatos, tendo em vista a similitude dos casos, a um julgamento acompanhando o entendimento que existe, o precedente que já foi firmado", explica Bismack. Fernandes Neto acrescenta que, "a seguir o precedente, a condenação do ex-presidente na inelegibilidade é possível e até previsível".
3. Inclusão de documentos sobre atos golpistas
Algo incomum que ocorreu na tramitação deste processo foi a autorização para a inclusão de novos documentos após a apresentação da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije).
Em janeiro deste ano, o PDT pediu que a 'minuta do golpe' encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do Governo Bolsonaro, Anderson Torres, fosse incluída no rol de provas do processo contra Bolsonaro.
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O documento encontrado era uma proposta de decreto para que o ex-presidente instaurasse Estado de Defesa na sede do TSE. Ele foi encontrado em operação da Polícia Federal como parte do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga os atos golpistas cometidos no dia 8 de janeiro na Praça dos Poderes.
Segundo o relatório, o pedido foi aceito devido entendimento de que existe "correlação do discurso com a eleição e (com) o aspecto quantitativo da gravidade". Em entendimento anterior, firmado em julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer em 2017, o entendimento do Tribunal tinha sido contrário ao adotado no processo contra Bolsonaro.
Na época, por maioria, o TSE decidiu não aceitar novas provas - que apresentavam suspeita de caixa dois, por exemplo - após a fase processual de produção de provas.
A respeito disso, tanto Fernandes Neto como Pablo Bismack lembram que a composição do pleno do TSE neste ano - e os julgadores do processo contra Bolsonaro - são completamente diferentes daqueles que estavam na Corte em 2017. "A composição do TSE é uma composição que muda bastante, de alta rotatividade", diz Bismack.
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Ele disse que o fato de existir um entendimento anterior - pela não inclusão de novas provas - está sendo usado pela defesa de Bolsonaro, mas que, com a nova composição, nada impede um novo entendimento.
"Não acredito que a 'minuta do golpe' será determinante para o julgamento como prova material, apesar de ser inegável que a repercussão social da não aceitação do resultado eleitoral, tanto pela minuta, quanto pelos atos de 8 de janeiros – fatos públicos e notórios – concretizam a fake news da fraude às urnas eletrônicas", completa Fernandes Neto.
4. O que diz a defesa do ex-presidente Bolsonaro?
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro alega que a reunião realizada com os embaixadores de países estrangeiros foi um "ato de governo" e não teve relação com as eleições. "Não se pediu votos! Não houve ataque a oponentes! E não houve a apresentação comparativa de candidaturas!", diz a defesa no processo.
Foi ressaltado, por exemplo, que os participantes da reunião com Bolsonaro "sequer detinham cidadania e capacidade ativa de sufrágio". O argumento central é de que o discurso de Bolsonaro tinha como objetivo estabelecer "diálogo público continuado para o aprimoramento permanente e progressivo do sistema eleitoral e das instituições republicanas".
São citadas iniciativas da própria Justiça Eleitoral e também do Tribunal de Contas da União para o aprimoramento e garantia da segurança das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral brasileiro. A defesa atribui as críticas feitas aos ataques contra as urnas ditas por Bolsonaro a uma "má-fé de determinados setores da imprensa".
"O evento constou de agenda oficial, previamente publicizada, sendo inclusive expedido convite para o então Presidente do TSE, Ministro Edson Fachin, não sendo crível que o primeiro investigado (Bolsonaro) convidasse destacado membro da própria Justiça Especializada para testemunhar evento de conotação eleitoral".
A defesa do ex-presidente também afirma que não há comprovação de que as declarações feitas pelo presidente durante a reunião trouxeram "prejuízo ao processo eleitoral" e que "o debate público foi completo" já que o TSE emitiu nota para rebater as declarações de Bolsonaro.
"Qualquer possibilidade – ainda que remota e inventiva – de lesão à legitimidade das eleições foi prontamente estancada pela Justiça Eleitoral", descreveu a defesa.
5. Como será o julgamento no TSE?
O julgamento inicia nesta quinta-feira, dia 22 de junho, mas outras duas datas estão separadas para a continuidade: dias 27 e 29 deste mês.
Na sessão inicial, o relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, deve fazer a leitura do relatório da ação, que contém o resumo da tramitação, além das alegações das partes do processo, diligências solicitadas e depoimentos colhidos.
Após isso, os advogados de acusação e os de defesa devem fazer a sustentação oral - com tempo de 15 minutos -, assim como o representante do Ministério Público Eleitoral deve emitir parecer sobre o processo.
Apenas após isso, o ministro e relator da ação, Benedito Gonçalves, irá apresentar o voto. Na sequência, votam os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, a vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, o ministro Nunes Marques e, por último, o presidente do Tribunal, ministro Alexandre de Moraes.
Apesar das três datas agendadas para o julgamento, todos os ministros do TSE têm a prerrogativa de pedir vista do processo. Caso isso ocorra, o magistrado terá prazo de 30 dias (que podem ser renovados por mais 30) para devolver o processo e assim ser retomado o julgamento.