Legislativo Judiciário Executivo

Após desgastes e investigações, qual a situação dos Consórcios de Saúde do Ceará

A discussão sobre mudança do modelo de compartilhamento de gestão entre Estado e municípios ganhou os holofotes em 2019, mas, desde então, pouco avançou

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
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Legenda: Policlínicas estão entre equipamentos administrados por Consórcios de Saúde no Ceará
Foto: Natinho Rodrigues

O comando do Consórcio Público de Saúde do Maciço de Baturité foi tema de discurso do deputado Felipe Mota (União) na Assembleia Legislativa do Ceará, na última semana de abril. O parlamentar citou que estaria ocorrendo um "cabo de guerra" para definir a presidência de um dos grupos - responsável pela administração de policlínicas e de Centros de Especialidade Odontológicas.

A disputa - que supostamente estaria ocorrendo entre o prefeito de Aracoiaba, Thiago Campelo, e o de Baturité, Herberlh Mota - foi negada. Campelo ressaltou que a eleição, realizada na última quarta-feira (26) foi decidida por "unanimidade".

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A presidência do consórcio, que reúne oito municípios da região e o Governo do Ceará, será dividida para o próximo biênio: neste primeiro ano, Campelo será o presidente e, em 2024, o comando passa para Herberlh Mota. "Foi unânime essa decisão", disse Campelo.

Essa não é a primeira vez que a disputa pelo comando dos Consórcios Públicos de Saúde é foco de discussão na Assembleia Legislativa do Ceará.

Em 2019, os embates sobre o tema iniciados por deputados estaduais chegaram a órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas do Ceará (TCE) e o Ministério Público do Ceará (MPCE). Além disso, o Governo do Ceará iniciou discussão sobre a possibilidade de remodelação dos consórcios no Estado.

Quatro anos depois, no entanto, poucas ações foram efetivadas. Dentre as auditorias previstas em três dos 21 Consórcios de Saúde do Ceará, apenas uma foi realizada.

Já no âmbito administrativo, foi revogada portaria que estabelecia indicadores de mortalidade infantil e materna como critérios para o voto do Governo do Ceará para a escolha da presidência dos consórcios. A revogação ocorreu ainda no primeiro mês da gestão do governador Elmano de Freitas (PT).

O que é um Consórcio de Saúde?

Os Consórcios de Saúde no Ceará foram criados nos anos de 2009 e 2010 com o objetivo de fortalecer e aprimorar a gestão nessa área, a partir da cooperação entre municípios e Estado.

No total, são 21 consórcios no Ceará, com objetivo de administrar policlínicas e de Centros de Especialidade Odontológicas (CEOs) que atendem regiões específicas do Estado.

A presidência do colegiado é ocupada, em mandatos de dois anos, por um dos prefeitos das cidades que integram o consórcio - escolhido pelos gestores municipais e pelo Governo do Ceará.    

A intensificação das disputas para definição do comando destes consórcios foi mostrada pelo Diário do Nordeste, em março de 2019. O presidente do consórcio é responsável, por exemplo, pela indicação de cargos diretivos com salários de cerca de R$ 10 mil.

Na época, os embates iniciaram focados em dois pontos: a falta de critérios técnicos para a escolha de quem iria presidir o consórcio e a forma como eram feitas as indicações de cargos comissionados.

Contudo, também foram percebidos outros aspectos relevantes para o debate público, como a falta de transparência na prestação de contas dos consórcios públicos.  

Ausência de transparência e indícios de irregularidades

Em 2018, por exemplo, nenhum consórcio disponibilizou documentos de prestação de contas no site, segundo o TCE.

O Tribunal também identificou uma deficiência nos relatórios apresentados pelo Governo Camilo Santana (PT), entre os anos de 2014 e 2018, quanto aos repasses feitos pelo Estado.

Nesse período de tempo, foram repassados R$ 554,7 milhões pela gestão estadual, segundo dados do Portal da Transparência do Governo do Ceará. O número não inclui os recursos que são disponibilizados pelos municípios, já que o Estado é responsável por 40% do custeio das unidades de saúde gerenciadas pelos consórcios.

Em 2019, a própria Secretaria de Saúde do Estado enviou informações ao Tribunal de Contas do Estado e ao Ministério Público do Ceará para abertura de investigações sobre eventuais irregularidades na administração de equipamentos.

Então coordenadora da Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública (Procap), a procuradora Vanja Fontenele deu entrada em procedimento preliminar para averiguar possíveis ilícitos nos consórcios, tanto em âmbito civil, como administrativo e penal.

O Diário do Nordeste entrou em contato, na última quarta-feira (26), com o Ministério Público, ao qual a Procap é vinculada, para saber quais os resultados da apuração do órgão. Contudo, até a publicação desta reportagem, não houve resposta.

Falta de continuidade na fiscalização

O Tribunal de Contas também iniciou, em 2019, um processo de auditoria dos consórcios de saúde no Estado. Na época, as fiscalizações iniciariam pelos equipamentos dos consórcios de Camocim, Iguatu e Vale do Curu.

No caso dos dois primeiros, a auditoria foi motivada por requerimentos aprovados na Assembleia Legislativa. Em alguns deles, a autoria do pedido era de deputados adversários a quem estava na gestão dos consórcios naquele momento.

No caso do consórcio do Vale do Curu, a escolha foi feita pelo próprio TCE. Existia ainda a intenção de ampliar a fiscalização para os demais consórcios do estado. As auditorias seriam realizadas em conjunto pelo Tribunal e pela Controladoria Geral do Estado (CGE), órgão vinculado ao Executivo estadual. Porém, apenas uma foi realizada.

O Consórcio de Saúde da Microrregião de Camocim foi o único auditado, durante o ano de 2019. Por causa da pandemia de Covid-19, o outros dois foram, inicialmente, adiados para 2021. Com a continuidade da crise sanitária, eles acabaram suspensos.

Assessor Executivo da Secretaria Executiva de Fiscalização do TCE Ceará, Cássio de Melo Castro explica que existe uma avaliação sendo feita, de acordo com as "diretrizes e capacidade operacional" do Tribunal de retomar a fiscalização, mas que não há nenhuma previsão de retomada.

Além disso, devido às mudanças realizadas nos consórcios, será necessário fazer modificações nos pontos a serem fiscalizados, em caso de auditoria. Ele diz que uma nova parceria com a CGE está sob avaliação, mas "a gente não sabe como está a disponibilidade" do órgão.  

Quanto à auditoria realizada em Camocim, ele explica que a intenção deste tipo de processo não é "sancionar ou punir o gestor". Embora possa ocorrer, a depender das irregularidades ou da gravidade das falhas identificadas, não é esta a principal meta.

No caso de Camocim, prossegue, "não ocorreram (punições) decorrentes desse trabalho". O que houve, foi a identificação de "falhas que deveriam ser corrigidas" e a notificação dos órgãos competentes, como a presidência do consórcio e também a Secretaria de Saúde do Estado, além do envio de recomendações a estes órgãos.

O Diário do Nordeste indagou à CGE sobre as auditorias anunciadas em 2019, em parceria com o TCE e se está previsto algum calendário para a continuidade das fiscalizações, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.  

Mudanças no Governo do Ceará

Além do envio de informações a respeito de inadequações encontradas durante diagnóstico sobre a situação dos consórcios, a Secretaria de Saúde do Estado iniciou, em 2019, uma discussão sobre mudanças a serem implementadas no modelo de gestão compartilhada entre Estados e municípios.

O então secretário de Saúde, Dr. Cabeto, queria estabelecer critérios técnicos para as definições feitas nos consórcios.

"É preciso aperfeiçoar os processos de contratação, para que houvesse transparência, o processo de garantir a demanda de cada município consorciado e a prestação de contas do uso do dinheiro público", disse em entrevista ao Diário do Nordeste em abril de 2019.

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No entanto, as ações apresentadas pelo ex-secretário durante a gestão da pasta, da qual saiu em agosto de 2021, tiveram dificuldades na implementação, por resistência, principalmente de prefeitos, que reclamaram da 'falta de diálogo'.

Algumas das propostas implementadas, acabaram não tendo continuidade ou sendo revogadas. É o caso da portaria, de 2019, que estabeleceu dois critérios para definir qual gestão apoiar para a presidência dos consórcios: os indicadores de mortalidade infantil e os de mortalidade materna.

Segundo nova portaria, assinada pela secretária de Saúde, Tânia Mara Coelho, e publicada no dia 12 de janeiro de 2023, é preciso considerar "a necessidade de realização de estudos que se destinem a análise de novos pré-requisitos técnicos para a escolha dos Presidentes dos Consórcios Públicos de Saúde".

O Diário do Nordeste indagou a assessoria da pasta se houve a definição de novos critérios e aguarda resposta.

Indicação de cargos diretivos

Outra alteração no modelo de consórcios de Saúde proposto foi a abertura de seleção pública para cargos executivos dentro dos equipamentos, cuja ocupação era feita por indicação do prefeito que estivesse como presidente.

Essas indicações eram apontadas como o principal motivo para as disputas políticas em torno dos consórcios, devido ao número de cargos e ao salário de alguns destes, que chegam a R$ 10 mil.

A seleção pública para cargos de gestão dos consórcios públicos - incluindo postos como secretário executivo e diretor administrativo financeiro - foi incluída como regra para o Estado integrar os consórcios, por meio de decreto no final de 2019.

Contudo, o processo sofreu diversas prorrogações, causadas pela insatisfação de prefeitos, mas também pela crise sanitária ocasionada pela pandemia de Covid-19. O processo acabou finalizado apenas no segundo semestre de 2021.

Informações da Secretaria de Saúde, após questionamentos do Diário do Nordeste, apontam que as indicações voltaram a ficar a cargo dos presidentes dos consórcios. Em nota, a pasta informou que a "intenção do Governo do Estado continua sendo apresentar um quadro de profissionais competentes para cumprir os desafios da gestão".

"Cabe, no entanto, à assembleia composta por todos os entes (que integram o consórcio) avaliar quais profissionais têm o melhor perfil para estar à frente das unidades. Há o consentimento por parte dos entes dos consórcios de que os gestores devem ter competências necessárias para garantir as entregas dos contratos de programa", completa o texto.

A reportagem reforçou a pergunta sobre se os cargos continuavam a ser feitos por indicação ou se por meio de seleção pública, mas não houve resposta.

A Secretaria informou ainda a criação, pela nova gestão estadual, da Coordenadoria de Apoio à Gestão dos Consórcios, ligada à Sesa. Contudo, não forneceu mais detalhes sobre como funciona o órgão, dizendo apenas que visa "o aprimoramento dos processos".

Medidas em diferentes áreas do Governo

Outras propostas, na Saúde, chegaram a ser colocadas na mesa para tentar resolver os impasses em torno dos consórcios. Uma delas é que o Governo reassumisse, sozinho, a gestão dos equipamentos de saúde, dissolvendo assim o modelo de administração compartilhada.

A proposta, feita no início de 2021, já era considerada de difícil implementação, já que o então governador Camilo Santana (PT) havia reforçado a meta de regionalização da Saúde.

Objetivo este que se mantém no Governo Elmano, conforme nota da Sesa, que ressalta que a pasta "trabalha para fortalecer a Regionalização nas Áreas Descentralizadas de Saúde (ADS) e Regiões de Saúde no Ceará de forma colaborativa, considerando as premissas do Sistema Único de Saúde (SUS)".

A outra era a de fazer uma adequação passando a gestão para o Estado e criando um conselho consultivo dos prefeitos, que participariam sem o comando. Ao invés de serem presidentes dos consórcios, os prefeitos seriam presidentes do conselho consultivo. Contudo, essa também não chegou a ser implementada.

Outras pastas também chegaram a anunciar o estudo e futura implementação de medidas sobre o tema. É o caso da Secretaria da Fazenda, que, em 2019, disse que iriam adotar medidas para melhorar a prestação de informações relacionadas aos equipamentos de saúde.

O Diário do Nordeste também indagou à Sefaz quais medidas foram implementadas. Quando houver resposta, a matéria será atualizada.

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