Consórcios de Saúde enfrentam incertezas e trocas de comando

Transformados em redutos políticos, consórcios são alvos de denúncias de irregularidades e insatisfação de gestores. Mudanças anunciadas para modernização das estratégias de gestão estão suspensas devido à pandemia

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Abril foi o mês com maior redução de atendimentos: de 31.339 em 2019 para 1.801 neste ano
Legenda: Policlínicas fazem parte da gestão dos consórcios de saúde
Foto: Natinho Rodrigues

Territórios administrativos almejados por lideranças locais, os consórcios de saúde enfrentam turbulências há mais de um ano, com denúncias de irregularidades, disputas políticas e insatisfação dos gestores. O Governo do Ceará tem planos para reformular as entidades e amenizar os interesses políticos nas gestões. 

Contudo, em um ano no qual a gerência da saúde ganhou novos contornos, o processo seletivo para cargos executivos, até então comissionados, está parado há 10 meses e mais da metade dos consórcios terá seus líderes (prefeitos) deixando os cargos no próximo dia 31 de janeiro. 

Criado há mais de dez anos com o objetivo de fortalecer a descentralização da saúde e promover a interiorização dos serviços, os consórcios sempre deram aos prefeitos à frente dos equipamentos poder político, financeiro e gerência regional, um ambiente que acabou se tornando reduto de políticos. Quem comanda alguma das 21 áreas também pode escolher a gestão de policlínicas e Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs).

“Quando foram criados, a ideia era que juntassem gestores e construíssem algo coletivo. A figura do presidente sempre esteve ligada a um papel de liderança local, de organização e gestão para a região”, explica Bruno Eloy, especialista em regulação de saúde.

Eleições

Com a liderança dos consórcios exercida por prefeitos, 12 grupos de municípios terão seu líder deixando o cargo no fim deste ano, já que tais políticos não foram reeleitos – ou encerraram dois mandatos consecutivos em 2020. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), nesses casos, a administração não fica desassistida. O cargo de liderança é repassado ao vice-presidente até que uma nova eleição entre os consorciados seja convocada – a previsão é para o início do ano, mas depende de cada consórcio. A escolha ocorre em assembleia realizada entre prefeitos e representantes do Estado. 

Arnon Bezerra (PTB), por exemplo, é prefeito de Juazeiro do Norte e presidente regional do consórcio que inclui o município. Ele foi derrotado nas urnas por Glêdson Bezerra (Podemos).

“Agora, os novos prefeitos eleitos que vão decidir quem irá liderar”, afirma o atual presidente. 

O cenário de mudanças no próximo ano deve reacender os debates sobre o formato de gestão desses consórcios, a transparência e o nível de influência dos presidentes.

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Turbulência

Em 2019, o conflito envolvendo os gestores teve um ápice quando a disputa chegou à Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), com denúncias de irregularidades levadas por deputados. A situação despertou o alerta no Tribunal de Contas do Estado (TCE), que identificou valores vultosos em verbas públicas encaminhados às organizações, sem prestações de contas claras.

Para se ter uma ideia da movimentação financeira dos equipamentos geridos pelos consórcios, o custeio de uma policlínica é, em média, de R$ 629,1 mil, com contrapartida mínima do Estado de 40%. Já os CEOs custam, em média, R$ 227 mil, com financiamento semelhante do Estado, além de verba federal. 

A ofensiva dos fiscais resultou em um relatório publicado no segundo semestre pelo TCE, apontando irregularidades no consórcio de Camocim, o único inspecionado dos 21 em atividade no Estado. O plano inicial era que todos fossem avaliados. “As fiscalizações in loco estavam programadas para o primeiro semestre. Devido à pandemia, as auditorias precisaram ser adiadas para 2021”, diz o TCE.

Entre os problemas identificados, estavam dispensa de licitações, falta de transparência e superfaturamento. Na lista de recomendações, os conselheiros do Tribunal incluíram a realização de concursos e seleções públicas para gerência das entidades.

Seleção pública

Paralelamente, em agosto do ano passado, o Governo do Ceará agiu para tentar minimizar as influências políticas na gestão da saúde, definindo mudanças na estrutura organizacional, na avaliação de desempenho e na nomeação de dirigentes. As mudanças criaram insatisfações entre os prefeitos, principalmente no que dizia respeito à seleção pública para cargos executivos.

Ainda assim, o Estado publicou, em janeiro deste ano, edital para a disputa pública dos cargos de secretário executivo e diretores de CEOs e Policlínicas. A seleção chegou a ser questionada pelo TCE, mas a Sesa manteve o processo até abril. Segundo a Pasta, a seleção está “temporariamente suspensa por conta da pandemia, mas encontra-se em fase de finalização”. A data de reabertura não foi informada.

“Essas mudanças anunciadas estão totalmente paradas. E como vai haver mudança nas gestões municipais, a previsão (para tratar o assunto) é só para o ano que vem”, afirma Nilson Diniz, presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece). “Vamos precisar sentar juntos novamente, conversar e resolver”, ressalta.

Mesmo com processo seletivo vigente, Arnon Bezerra é um dos que defendem revisão da proposta. “O presidente é que tem de decidir, porque ele quem vai responder posteriormente pelas escolhas da equipe. O Estado tem que dar apenas o suporte, como vem fazendo”, afirma.

Governo do Estado

A Sesa defende a continuidade das mudanças promovidas até agora. “É de fundamental importância, nesse novo desenho regional, para sustentabilidade do sistema e maior eficiência, que ele seja norteado por cooperação solidária entre os entes”, aponta. 

Segundo a Pasta, é mais “oneroso” o trabalho de forma isolada. “A reformulação de gestão contempla incluir a gestão consorcial no modelo regional, onde as unidades consorciadas deverão estar em consonância com os objetivos e necessidades da região de saúde e portanto pactuados no processo de Planejamento de Saúde Regional”, conclui em nota. 

A prefeita de Granja, Amanda Aldigueri (PDT), presidente do consórcio de Camocim, foi procurada para comentar sobre as situações apontadas no relatório do TCE, mas não foi localizada.