Por que surto de gripe se antecipou de janeiro para dezembro no Ceará? Veja análise de especialistas

Baixa cobertura vacinal e relaxamento das medidas de prevenção podem estar relacionadas ao aumento de síndromes gripais no Estado.

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Legenda: Com redução nos casos de Covid-19, vírus da influenza voltaram a ganhar relevância no cenário epidemiológico.
Foto: José Leomar

Tosse, espirro, dores no corpo. Os sintomas de influenza, que podem se assemelhar aos da Covid-19, têm acometido um grande número de cearenses em dezembro, contrariando as expectativas de especialistas de um aumento comum apenas no mês de janeiro. Mas o que pode explicar esse crescimento antes da época esperada?

Antes mesmo de acabar, dezembro já é o mês com a maior quantidade de atendimentos de síndromes gripais nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Fortaleza desde junho, de acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Em relação a dezembro do ano passado, o crescimento já chega a 45%.

Um dos fatores apontados por especialistas é a introdução de uma nova cepa do vírus influenza A H3N2, identificada primeiramente na Austrália. No Ceará, a Sesa já contabilizou pelo menos 40 casos da variante.

No início deste mês, o boletim Infogripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), havia alertado para o avanço de casos de influenza A no Rio de Janeiro, que poderia “vir a se reproduzir nos demais estados” pela  grande quantidade de pessoas que diariamente se deslocam da capital fluminense para outros centros urbanos do país.

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Para pesquisadores da área de infectologia e de doenças respiratórias, há uma combinação de vários fatores. Entre os principais, estão a baixa circulação dos vírus da influenza no período da pandemia, quando o coronavírus teve mais relevância, e a baixa adesão à vacina contra a doença, em 2021.

A Sesa alertou que, neste ano, o Ceará teve a menor cobertura vacinal contra a gripe dos últimos 23 anos, desde quando o imunizante foi incluído no calendário de rotina. Apenas 76% do público-alvo se protegeram, quando a meta era de 90%.

“Talvez tenha chegado um pouco mais cedo e de forma mais abrupta porque tivemos dois anos sem muita gripe. A doença pela influenza reduziu muito nessa fase da Covid e talvez agora tenha chegado um pouco mais intensa”, explica Keny Colares, consultor de infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE).

Segundo o médico, é tradicionalmente no fim do ano que as doenças respiratórias começam a ficar mais comuns, por causa do início do período chuvoso. Porém, os incrementos só costumam ser percebidos em janeiro e fevereiro. 

O biomédico e microbiologista Samuel Pereira confirma que a influenza e outros vírus respiratórios passam a circular mais no início de cada ano, mas podem ter crescido pela lacuna deixada pela redução dos casos de Covid-19. Isso porque, sendo agentes de infecção respiratória, eles competem pelos mesmos organismos.

“As medidas preventivas do coronavírus também previnem esses outros agentes. Talvez o aumento dessas outras infecções esteja relacionado ao relaxamento dessas medidas, já que elas têm a mesma forma de transmissão”, avalia Pereira.

A secretária-executiva de Vigilância e Regulação da Sesa, Richristi Gonçalves, reconhece o aumento das síndromes gripais “muito antes do esperado” e pondera que alguns casos podem evoluir com gravidade. Por isso, deve haver atenção redobrada com públicos mais vulneráveis, como crianças, idosos e gestantes. 

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“Falhas” no sistema de defesa

A Fiocruz reforça que o grande número de pessoas infectadas com o vírus da gripe num período considerado atípico é resultado da combinação de uma circulação reduzida do vírus influenza em 2020 com a baixa adesão à campanha de vacinação deste ano.

Ou seja, como a gripe ficou “afastada” por um período considerável, o sistema imunológico não relembrou como combater corretamente a doença, como ilustra Fernando Motta, pesquisador do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

“Essa baixa adesão possivelmente fez com que os vírus continuassem circulando mesmo de maneira pequena, fora do radar das vigilâncias epidemiológicas”, percebe.

O especialista lembra que a vacina distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS), neste ano, não produz uma resposta adequada contra a nova cepa da influenza A H3N2, mas pode ajudar contra outras infecções.

Diz ainda que o Ministério da Saúde já recomendou a inclusão do combate a essa variante na resposta imunológica produzida pelas vacinas aplicadas a partir de 2022. A previsão inicial é que elas estejam disponíveis em março.

Prevenção deve ser constante

Para se proteger contra a influenza, não há segredo: devem ser seguidos os mesmos protocolos adotados durante a pandemia, contra o coronavírus ou qualquer outro vírus respiratório. O pacote de medidas inclui:

  • manter o distanciamento social
  • utilizar máscaras e álcool em gel
  • buscar ambientes abertos e ventilados
  • higienizar constantemente as mãos e punhos

O infectologista Keny Colares percebe como “inevitável” as reuniões de pessoas para o Réveillon, mas recomenda que os participantes mantenham a proteção da melhor forma possível para evitar futuros transtornos.

Além disso, orienta à procura dos serviços de saúde quando se notarem sintomas febris, respiratórios e dores no corpo, diferenciando: a gripe costuma chegar mais forte nos primeiros dias, enquanto a Covid tende a piorar durante a primeira semana.

Quais são os sintomas da influenza A H3N2? 

Segundo a Fiocruz, os sintomas dela são os clássicos de uma gripe:

  • febre alta com início agudo
  • dor de cabeça
  • dores articulares
  • constipação nasal
  • inflamação de garganta
  • tosse

Em alguns casos, pode haver vômito e diarreia, sendo estas manifestações pouco frequentes e mais comuns em crianças. O H3N2 é considerado sazonal e bem conhecido ao redor do mundo desde que ocorreu uma pandemia em 1968 (gripe de Hong Kong).

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