Nos 31 anos do ECA, saiba quais direitos das crianças e adolescentes foram mais afetados na pandemia
Educação, segurança alimentar, saúde, lazer, proteção e convívio social foram as principais garantias afetadas, segundo especialistas
Educação, segurança alimentar, saúde, lazer, proteção social, convivência familiar e em comunidade. Por causa da Covid-19, uma série de garantias fundamentais de crianças e adolescentes foi prejudicada — e, até mesmo, negada — no último um ano e meio.
Nesta terça-feira (13) que marca os 31 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), principal instrumento normativo sobre os direitos dessa população no Brasil, especialistas consultados pelo Diário do Nordeste destacam as garantias mais afetadas e, consequentemente, mais urgentes de solução por governos e sociedade civil.
O advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente no Ceará (Cedeca), Renan Santos, explica que os impactos devem ser vistos em conjunto. “São ‘direitos ao desenvolvimento progressivo’. De crescer e de se desenvolver com a garantia de receber afeto, de ter uma vida digna, com segurança alimentar, estudar numa boa escola”, pontua.
No entanto, o jurista ressalta que a pandemia tem afetado especialmente a segurança alimentar e a saúde mental dos jovens. Tanto devido ao isolamento social quanto ao cenário de crise social, desemprego estrutural e extrema pobreza que o País enfrenta.
“Houve uma negligência por parte do poder público que já era histórica, mas que se aprofundou com a pandemia. Temos um Governo Federal completamente descompromissado com a sociedade como um todo e isso atinge diretamente as crianças e os adolescentes das famílias brasileiras”.
Nesse contexto, segundo a defensora pública Julliana Andrade, supervisora do Núcleo de Atendimento à Infância e Juventude (Nadij), a pobreza também provocou o aumento da quantidade de crianças em cruzamentos pedindo trocados a quem está no trânsito. “A gente vê, infelizmente, muitas crianças nos sinais porque não têm com quem ficar em casa, não tem com quem os pais deixarem, e uma coisa acaba levando à outra...”, analisa.
A integrante da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Isabel Sousa, acrescenta que a conjuntura nacional não somente potencializa a condição de vulnerabilidade social dos jovens como nega a eles direitos constitucionais à integridade, ao respeito e à dignidade.
“A gente viu aumentar casos de violência familiar comunitária a partir do momento em que essas crianças e esses adolescentes foram para fora de espaços de proteção como as escolas e espaços com assistentes sociais, que foram fechados num primeiro momento”.
Além disso, ela reforça os prejuízos à saúde mental e o aumento dos índices de violência digital, consequência de mais tempo de exposição à Internet — nesse último caso, ela lembrou do #ExposedFortal, quando jovens relataram episódios de assédio.
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Lazer e socialização
O brincar, prática intrínseca à infância, também foi prejudicado pela pandemia. À parte as creches e escolas, na impossibilidade de acessar praças e parques e de interagir livremente com outras crianças, o desenvolvimento integral de muitas ficou comprometido.
Em 2021, diz Isabel, "a gente completou cinco anos do Marco Legal da Primeira Infância, que trata especificamente dos direitos de crianças até seis anos de idade. E um dos principais direitos delas é voltado ao desenvolvimento integral. O brincar, o lazer, a convivência familiar saudável”, cita.
Luto e saúde mental
Coordenadora do Mestrado Profissional em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a professora Ana Valeska Siebra e Silva observa que a pandemia prejudicou o acesso à saúde, à educação e à proteção, previstas no ECA. Paralelamente, elevou demandas, sobretudo de cuidados à saúde mental das crianças e adolescentes, mais vulneráveis aos desafios impostos pelo novo momento.
“[Na pandemia], a criança passou a vivenciar o luto, perdas. Então, com a perda de parentes, de pessoas próximas, ela se viu nessa vulnerabilidade e passou a desenvolver ansiedade. É uma ansiedade pós trauma, que é reversível, se for bem cuidada. Mas será que todo mundo tem acesso a um psiquiatra?”
A indagação da docente acompanha a constatação de que o sofrimento psíquico é um dos fatores prejudiciais ao desenvolvimento infantil.
Além da distância dos professores e dos colegas, Ana Valeska diz que a dificuldade de adaptação às aulas remotas, o trabalho infantil, a fome e a violência doméstica estão entre os elementos que tornaram as crianças mais “limitadas” na pandemia. E, para os mais pobres, a situação é ainda mais crítica.
“As crianças pobres continuam em processo de alta vulnerabilidade. As que estão em estado de pobreza absoluta tinham que percorrer [as ruas] com os pais, em busca de comida. E, com o isolamento social, a criança passou a ter uma convivência, inclusive, com pessoas que ela não convivia antes, que eram os próprios pais”.
Como crianças e adolescentes não “têm resiliência para superar as adversidades”, pontua, é importante que haja maior disponibilidade, inclusive por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), de serviços de saúde mental para crianças e adolescentes, com profissionais capacitados para atendê-las.
“Precisamos ter nossas etapas bem vividas pra que a gente se torne um adulto completo, com o mínimo de faltas. Na primeira infância, o brincar, o afago, o carinho, a proteção ajudam nessa construção do alicerce, na plasticidade cerebral. Então, o alicerce é formado como uma casa. Se nós não tivermos um bom alicerce na casa, na primeira ventania ela cai”.
Reabertura de escolas
Para todos os especialistas, voltar às escolas presencialmente, de forma segura, deve ser prioridade do debate público agora.
“A educação, sem sombra de dúvida, é um instrumento de muito potencial pra proteção social de crianças e adolescentes, com efeitos na segurança alimentar e na proteção como um todo, pelo apoio socio pedagógico que as escolas públicas conseguem garantir”, opina Renan Santos, do Cedeca.
“Precisa olhar pra essas crianças e adolescentes, precisa de políticas públicas pra acolher, direcionar a família, [gerar] renda básica, emprego. Se não olhar agora, podemos ter esses impactos futuramente bem mais negativos e talvez até irreversíveis. O impacto na educação é muito grande", reforça a defensora pública Julliana Andrade.
Muito porque, segundo a advogada Isabel Sousa, as intervenções feitas até agora focaram em condições estruturais e negligenciaram “impactos secundários” como, ela repete, o respeito “à dignidade e à convivência familiar saudável e comunitária”. Por isso, reforça a jurista, “mais do que nunca, é importante conhecer o ECA e o defender em todos os espaços”.
Saiba como denunciar casos violações dos direitos de crianças e adolescentes no Ceará:
Plantão do Conselho Tutelar - Tels.: (85) 98970.5479 ou (85) 3238.1828.
Disque Denúncia de Violência Contra Crianças e Adolescentes (Estadual) - Coordenado pelo Núcleo de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescente, da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) – Tel.: 08002851407
Disque Denúncia de Violência Contra Crianças e Adolescentes (Municipal) – As denúncias podem ser feitas pelo número do Fala Fortaleza – Tel.: 0800-285-0880 (tecle 8)
Disque Direitos Humanos (Nacional): 100. A ligação do Disque 100 é gratuita, anônima e com atendimento 24 horas, todos os dias da semana.