Na corrida contra o tempo, atuação da ciência no dia a dia salva vidas

Mesmo que ainda não haja resposta definitiva sobre tratamento e imunização à Covid, a aplicação da ciência altera o fazer habitual da população. No Ceará, são 6 meses de árduas pesquisas para livrar a coletividade dos males do vírus

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
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Legenda: A ciência garante proteção à vida e à dignidade humana, ressalta a pesquisadora Lisandra Serra
Foto: Thiago Gadelha

Era noite do dia 15 de março. O Ceará registrou os primeiros casos de Covid. Internacionalmente já havia milhares de contaminados e mortos. Realidade acompanhando rotinas mundo afora. Antes desta data, a busca por soluções já era árdua. Desse dia em diante, começou a corrida local contra o tempo. Salvar vidas. Controlar o fatídico rumo do vírus que se propaga indiferente à condição humana.

Apesar dos medos, um caminho já era conhecido e certamente era inevitável: a ciência. Naquele momento, não sabíamos a potência do uso das máscaras e da simples lavagem das mãos, nem tínhamos dimensão da identidade do vírus ou qual método de tratamento tentar. Hoje, já existem algumas seguranças e as respostas provêm deste percurso. Em seis meses, a pandemia reafirmou, ao menos, uma certeza: mais do que nunca é preciso fazer ciência.

Neste tempo, mais de 8,6 mil cearenses perderam a vida. São lutos e dores particulares, mas também coletivas. Revés para cientistas que desde o início da triste saga de rápida transmissão do novo vírus batalham por si e por desconhecidos nas linhas de frentes laboratoriais, na alimentação de sistemas automatizados de cálculo, nas testagens e leitura de material genético, na revisão de achados sobre doenças semelhantes, na comparação de dados, no monitoramento de pacientes, na análise de medicação, dentre tantas rotinas.

Dada a dimensão da pandemia, para ciência, cada morte, adoecimento ou internação, passa a ser material de análise, objeto de estudo, provável evidência, na tentativa de que mais à frente, as numerosas tragédias anônimas se revertam, ao menos, em fonte de conhecimento para que seja possível interferir não apenas em histórias particulares, mas alcançar a cura e a proteção generalizada.

Nesses seis meses, a ciência compartilha saberes, apesar de tantas vezes ser vista com certa distância, por parte da população, que ainda não compreende os códigos deste fazer. A ideia do uso da máscara, assim como a lavagem das mãos e o isolamento para reduzir a transmissão do vírus, são exemplos reais da aplicação no cotidiano do conhecimento científico, histórico e universal. É válido nos 184 municípios do Ceará e também em milhares de outras cidades do mundo. Achados da ciência de outros tempos repercutindo no hoje. Assim como as descobertas do agora irão preservar vidas amanhã.

Relevância

"A ciência é imprescindível para nos livrar de doenças porque é ela que mostra o caminho para fazer medicamentos e vacinas. A ciência, nesse caso específico da Covid, ainda não conseguiu produzir uma vacina eficaz, segura, sem efeitos colaterais e também não conseguiu produzir um medicamento novo específico para essa doença, mas, de qualquer maneira, uma das razões pelas quais o número de óbitos hoje é menor no mundo e no Brasil é porque gradualmente houve formas de tratamento dos doentes com medicamentos que já existem", defende um dos coordenadores do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus no Nordeste e professor titular emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sérgio Machado Rezende.

Desde o início da pandemia, ele, junto a outros cientistas, tem atuado na formulação de pareceres técnicos sobre a Covid para aconselhamento dos governadores dos estados nordestinos. Dentre os possíveis legados de um tempo sem prazo para término, Sérgio aponta: "acredito que as gripes, depois dessa pandemia, vão ser um pouco menor aqui no Brasil porque aprendemos a usar álcool gel, máscara, lavarmos as mãos. Há uma preocupação maior com a higiene".

É ciente dessa ausência de data definitiva para o fim dos tormentos da Covid-19, mas atenta ao caminho percorrido, que a médica infectologista do Hospital São José e professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, Lisandra Serra Damasceno, defende que "nunca, em tão pouco tempo, se obteve tanto conhecimento a respeito de um microrganismo, seu mecanismo de infecção, suas manifestações clínicas e medidas de prevenção. O conhecimento prévio sobre outros coronavírus que atingiram o mundo nos possibilitou entender, bem precocemente, o modo de transmissão da doença, o alto poder de transmissibilidade do vírus; o potencial de causar doenças graves e o desenvolvimento de testes diagnósticos".

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Legenda: Lisandra é infectologista do HSJ e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC
Foto: Thiago Gadelha

No futuro, reforça Lisandra, "novos patógenos surgirão e outras pandemias atingirão a humanidade, só não sabemos quando e como. A ação desastrosa do ser humano no meio ambiente tem proporcionado, cada vez mais, o surgimento de microrganismos modificados, com potencial de nos atingir de forma drástica".

A resposta, diz, é que "o momento pede lucidez e atitudes embasadas pelas evidências científicas, pois, a ciência é fundamental para garantir a proteção à vida, à dignidade humana; a autonomia, o desenvolvimento e o progresso das populações, e precisa ser divulgada, respeitada e valorizada pela sociedade".

Futuro

Os tempos, felizmente, são outros. Quando se pensa em descobertas científicas, na área da saúde, centenas de lacunas de antes, hoje, a partir de métodos rigorosos, já têm soluções. É o resultado que se espera no Ceará diante da Covid. "A pandemia surgiu em um momento de intenso desenvolvimento científico e isso tem permitido uma resposta relativamente rápida de profissionais e pesquisadores em todo mundo, que têm desenvolvido protocolos de pesquisas na busca de medicamentos específicos e de manejo de pacientes críticos, vacinas, equipamentos de suporte ventilatório e de proteção individual, dentre outros", reforça a médica e diretora de pós-graduação em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará, Olívia Bessa.

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Legenda: Para Olívia Bessa, intensidade da pandemia tem permitido uma resposta científica "relativamente" rápida
Foto: Thiago Gadelha

Paradoxalmente, conta ela, nesse mesmo cenário, "vemos surgir movimentos que negam de forma explícita evidências científicas fundamentais, como movimento antivacina e de uso de fármacos ou de "kits" terapêuticos sem comprovação científica, ou pior, com fortes evidências de efeitos prejudiciais ou ineficientes". Um lamento diante de tantas graves e sérias preocupações.

Hoje é 16 de setembro. O Ceará já ultrapassou os 227 mil contaminados. Internacionalmente, seguimos com milhares de infectados e mortos. Realidade que não sabemos até quando nos acompanhará. Na corrida contra o tempo, os hospitais do Ceará já desenvolveram, pelo menos, 52 pesquisas científicas relacionadas à Covid, um cearense participou do estudo que sequenciou o genoma do coronavírus, soluções foram criadas para auxiliar na respiração dos pacientes, dentre tantos resultados. Hoje, temos algumas seguranças geradas pelo contínuo trabalho científico. Reconhecida ou não, a ciência continua sendo feita no Ceará porque mais do que nunca é preciso fazê-la.

 

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