Ressignificar bagagem pedagógica para a educação remota
Atual formato de ensino, vigente no Ceará desde o mês de março, desafiou professores a remodelar o cronograma de aulas e aprender um novo jeito de lecionar. Em meio às dificuldades da adaptação, potencializadas pela Covid-19, eles dizem que o amor pela profissão não os deixou desistir

Planeja. Expõe conteúdo. Tira dúvidas. Avalia. Conversa. Incentiva. Vibra? As múltiplas competências de um professor, sejam elas técnicas ou humanas, não findam aí. Além do esforço intelectual, já atrelado ao exercício da profissão, a pandemia de Covid-19 também exigiu dos docentes a capacidade de reinventar-se para o trabalho remoto, até então desconhecido por uma extensa parte da categoria. Incluir novas ferramentas pedagógicas, superar limites físico-emocionais e, sobretudo, estar presente ainda que longe. Tudo isso sem tempo suficiente de treinamento e diante do novo coronavírus, que trouxe à baila medos, incertezas, lutos e superações.
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Com a crise sanitária em escala global, a sala de aula passou a ser na varanda de casa e até no quarto, que serviram de fundo para a gravação de vídeos e correção de tarefas das turmas, todas elas em processo de adaptação. Afinal de contas, aprender pela tela do celular, antes usado apenas para jogos ou redes sociais, era novidade. Por trás da nova rotina, porém, havia receio. O ensino à distância, em substituição ao modelo presencial, trouxe uma série de implicações na dinâmica da comunidade escolar, muito mais que unidades de portas fechadas.
O vai e vem frenético dos estudantes deu lugar a corredores vazios, ao silêncio. Tem sido assim desde março último, quando o Ceará atestou as primeiras contaminações pelo novo coronavírus. Por meio de decreto assinado pelo governador Camilo Santana, no dia 19 daquele mês, apenas serviços essenciais de saúde tiveram autorização para funcionar. As escolas, então, adotaram o ensino residencial, logo no início da reclusão domiciliar. Em tempo, exatamente seis meses depois, creches da rede particular da Capital puderam retornar ao cronograma presencial atrelado ao modelo híbrido no dia 1º de setembro. As demais etapas da educação básica ainda aguardam autorização, enquanto na rede pública, não há previsão de reabertura.
Distância
Se antes manter o controle, envolver e despertar o interesse de 49 alunos in loco já era um desafio diário, à distância foi um estímulo dobrado para o professor Helon Bezerra, que "não tinha nenhuma experiência em ensino remoto", enfatiza. "Pedagogicamente falando, foi o momento mais desafiador. Nunca tinha encontrado tanta dificuldade para realizar o meu trabalho como agora". O entrave principal, revela, estava no volume virtual de demandas somado à organização das atividades e devolutivas à turma.
"Primeiro, eu fiquei imaginando se ia dar conta. Logo, eu percebi que não adiantava criar expectativas, porque não tem como substituir o ensino presencial, não só por falta de formação de professor, mas porque esse formato tem suas limitações, especialmente nas séries iniciais", opina Helon.

Nessas circunstâncias, ele optou por diminuir o ritmo das aulas. "A grosso modo, 25% do que eu faria presencialmente, eu estou fazendo via remoto. Mesmo se houvesse uma participação maior dos alunos ou um preparo maior nosso, virtualmente, não tem como dar conta de todas as competências que a gente precisa desenvolver neles", conta o professor, que antes de entender a nova dinâmica, se sentia "frustrado por não conseguir desenvolver o mesmo cronograma presencial no ensino remoto.
"A lição, agora que já estamos mais adaptados, é que o ensino presencial é indispensável. O contato do professor, o olho no olho com os alunos é importantíssimo nos primeiros anos. Isso ficou muito claro pra mim, não só como profissional, mas também como pai de aluna da rede particular", afirma. Abandonar a travessia, contudo, nunca foi uma opção. Ao contrário, o "amor pelo ofício" o motivou a seguir. "Jamais eu pensei em desistir. A gente lamenta, se estressa no começo, mas os nossos alunos precisam da gente, mesmo não estando pertos fisicamente", reflete o educador, diante dos desafios.
Replanejamento
Segundo o professor Dávillo Lima, que leciona no 3º ano do EF da rede pública, a carga horária foi remodelada. "Alterou muito a rotina. A gente tinha hora para começar, mas não para terminar", lamenta. Além disso, o pedagogo precisou repensar planos de aulas que não sobrecarregassem os alunos e os seus responsáveis, sempre em consonância com a realidade socioeconômica de cada um. "A gente fazia tudo com muita sensibilidade. Muitos dos pais não sabem ler, outros são analfabetos funcionais e a gente sabe que eles ficaram com uma responsabilidade grande também de estar ali dando suporte aos filhos".

Este processo, ainda em curso porque as unidades de ensino estão com funcionamento restrito, é cercado de descobertas e aprendizados, garante Dávillo. Lidar com a ausência das crianças é um deles. "Está sendo um período de muita saudade, da minha sala de aula e dos meus alunos. A gente aprende muito com eles durante essa vivência diária e perdeu um pouco disso fisicamente. Mas, daqui, a gente está se descobrindo e redescobrindo outra metodologia de ensino com eles".
As transformações que vieram na esteira da pandemia do novo coronavírus, contudo, não se limitam apenas à didática. "A gente acaba se reinventando como ser humano também", diz Dávillo, que vem direcionando um olhar mais atento às vulnerabilidades dos alunos e familiares. "Por ora, a gente era psicólogo de alguns pais, mães e alunos, que relatam as dificuldades desse momento. Por ora, a gente acaba tendo um vínculo mais afetivo com essas crianças, porque a distância faz isso ter um valor maior", pontua o pedagogo concursado há cinco anos.
Vivências
A chegada de uma nova doença viral chacoalhou não só o mundo, como também provocou dilemas no bem-estar individual. É o caso da professora Valdísia Vieira. Ao mesmo tempo em que se adaptava aos novos ritos pedagógicos, ela foi diagnosticada com Covid-19, no pico na pandemia, um susto para quem já estava atribulada com a atual rotina. "Eu senti muito medo de morrer, mas a minha fé em Deus me fortaleceu, tanto para vencer essa doença quanto para ter sabedoria para esse novo momento de aulas remotas".

Além do Divino, Valdísia buscou apoio nas colegas de trabalho. E encontrou. "Dar um ombro amigo", a qual ela considera como "uma das maiores lições da pandemia", serviu de combustível para vencer as inquietudes que surgiram no período. Foi quando o trabalho colaborativo ganhou ainda mais força. "Eu, que tenho mais familiaridade com internet, já ficava com a parte de tecnologia ou então da edição das atividades. Quando adoeci, outra colega assumiu essa função e assim foi, pegamos uma na mão da outra. Com isso, aprendi que a gente deve se abrir para as novidades e não pode se fechar no problema".