Edifício Andrea: Um ano depois, engenheiros e pedreiro ainda não sabem pelo que serão julgados
Enquanto a Polícia Civil indiciou os três por homicídio culposo, o MP pediu que eles fossem julgados pelo Tribunal do Júri. Recurso da defesa deve ser apreciado nos próximos dias. Relembre as etapas do caso
Dez horas, vinte e oito minutos, trinta e dois segundos de uma terça-feira. Dia 15 de outubro de 2019. O tempo se esticou ao máximo no número 2405 da Rua Tibúrcio Cavalcante. Naquele momento, as câmeras do circuito interno do Edifício Andrea pararam de funcionar. A areia que parecia firmar um prédio adulto, de 39 anos, espalhou-se pelo bairro Dionísio Torres como pó.
Antes, os engenheiros José Andreson Gonzaga dos Santos e Carlos Alberto Loss de Oliveira e o pedreiro Amauri Pereira de Souza trabalhavam na recuperação predial do condomínio, já deteriorado pelo meio ambiente e pelo tempo. Depois, tendo escapado da tragédia, os três se encaminharam, no fim da tarde, para o 4º Distrito Policial (DP), no bairro Pio XII. Ali, começava a investigação de um dos casos criminais cearenses de maior repercussão dos últimos anos.
Apesar de já ter se passado um ano desde que o Edifício Andrea veio abaixo, ainda não está definido como os suspeitos do caso responderão: se por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), se por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar). A Polícia Civil os indiciou pelo primeiro; contudo, o Ministério Público do Ceará (MPCE) entendeu de forma distinta e mudou o rumo do processo.
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"A gente passou um mês estudando e viu que os engenheiros e o pedreiro não tiveram o cuidado devido quando iniciaram a obra. Quando eles foram descascar os pilares sem os escoramentos. Então, com esse ato, eles assumiram o risco de que aquele desabamento ocorresse”, afirma a promotora Ana Cláudia de Morais. Em tese, a 93ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, a qual ela integra, deveria acompanhar o caso, mas, em 5 de março deste ano, Ana Cláudia protocolou o pedido de declínio de competência. Desta forma, a promotora entende que os indiciados devem ser julgados pelo Tribunal do Júri.
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O declínio de competência já foi aprovado pela 14ª Vara Criminal de Fortaleza, na 1ª instância. Mas a defesa dos engenheiros e do pedreiro aplicou recurso, o qual deve ser analisado pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) tão logo seja pautado em sessão do colegiado.
Em nota, o Tribunal de Justiça informou que “os autos estão tendo tramitação regular no Judiciário e que, em apenas seis meses, já teve várias movimentações, obedecendo sempre os prazos processuais e os procedimentos necessários”. Segundo o Tribunal, “o maior objetivo do TJCE é julgar os processos de forma célere e dar resposta rápida ao cidadão”.
A perícia
Nas mais de 1.200 páginas do processo, o principal documento que deve ser visto com lupa por advogados, promotores e juízes é o Laudo de Exame em Local de Desabamento, elaborado pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce). Na análise feita, há uma série de dúvidas que haviam na investigação e foram sanadas pelos peritos, como as causas do sinistro, erros apontados e até quando foram iniciadas as intervenções nos pilares.
Já não se têm mais dúvidas: as atividades da empresa de engenharia foram iniciadas às 13h53 do dia anterior ao desabamento. Embora engenheiros e pedreiro tenham negado isto, imagens mostram as atividades e o ataque a, pelo menos, quatro dos 21 pilares da estrutura da edificação, sem qualquer escoramento. A perícia aponta que três desses pilares estavam abaixo justamente da sobrecarga do 8º andar, construído irregularmente ainda na década de 1980.
O documento aponta 10 principais conclusões tiradas a partir de uma série de informações colhidas em documentos, vídeos, depoimentos e análises laboratoriais. Primeiro, que a empresa cometeu erro na execução ao não utilizar escoramentos e não apresentar plano de reforma detalhado. Segundo, que a Alpha Engenharia falhou em não seguir procedimentos mínimos para garantir ou não o colapso ou a evacuação da edificação.
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Alinhados a esses dois pontos estão: as reformas inadequadas feitas anteriormente, a negligência de responsáveis do prédio sobre obras corretivas, a existência do 8º andar do condomínio e a ausência de manutenções preventivas ao longo dos seus quase 40 anos de vida útil.
"Foi uma ocorrência que eu diria a mais difícil, a mais complexa já atendida pelo Núcleo. Eu diria até que foi uma ocorrência das mais complexas já então atendidas. Tanto pelo contingente, o aparato de perícia necessária para essa análise, como também de todo o envolvimento de outras instituições necessárias”, avalia o perito Fernando Viana, supervisor do Núcleo de engenharia da Pefoce. Ele acrescenta que a atividade pericial não busca mostrar culpabilidade, mas “trazer a verdade através da materialidade das provas”.
O inquérito
Para o delegado José Munguba Neto, que presidiu o inquérito sobre o Edifício Andrea, na Polícia Civil, a perícia “fez um trabalho muito bom” e fundamental para o procedimento. “O trabalho de campo também, os testemunhos das vítimas, das pessoas que estavam presentes… Tudo colaborou para que nós pudéssemos chegar à conclusão”. Ao todo, 35 depoimentos constam nos autos do processo encaminhado à Justiça.
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E o pior de tudo, conforme o delegado Munguba, é que o desabamento poderia ter sido evitado.
“Se tivessem, por exemplo, na hora que estavam fazendo, quebrando as colunas do edifício, se tivesse as escoras, aquilo ali não tinha, com certeza, acontecido”, lamenta.
Os advogados dos engenheiros e do pedreiro foram procurados pelo Diário do Nordeste, mas não se pronunciaram até o fechamento desta reportagem. Contudo, a linha de defesa apresentada é de que o prédio já estava bastante deteriorado e não houve intenção dos engenheiros e do pedreiro em causar o desabamento. Além disso, os advogados argumentam que só souberam “nos próprios autos” das várias intervenções feitas “de maneiras equivocadas” no Andrea e do “acréscimo no pavimento do 8º andar”.
Os advogados também acrescentaram que não se sabia dos recentes reparos realizados nos pilares e que a edificação não teve “a devida manutenção” ao longo do tempo. Com relação à ausência de escoramento, os advogados afirmam que os serviços pelos quais a Alpha Engenharia foi contratada era de “recuperação predial, em que não há obrigatoriedade legal de escoramento”. Contudo, no contrato de prestação de serviço firmado para a obra, há a previsão de “escoramento de vigamento principal e secundário”, no valor de R$ 950.