'É preciso que se diga que nem morrer nos torna iguais', diz obstetra sobre contexto social da Covid

Relato da profissional faz parte do livro “Rebento: Vivências de uma pandemia”, obra com escritos de outros 34 médicos cearenses que será lançada quinta-feira (13)

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Obstetra atua na linha de frente da Covid
Legenda: A médica Liduína Rocha atua na linha de frente da Covid-19 e integra o Coletivo Rebento
Foto: Divulgação/Silvania de Deus

Ela trabalhava em um parto quando começou a sentir uma sensação de náusea. "Respirei buscando a consciência de sentir o ar entrar nos pulmões e no corpo, e me concentrei em ajudar a concluir a cesárea que estava auxiliando". A vivência é da médica obstetra Liduína Rocha, coordenadora do Programa Nascer no Ceará, que contraiu a Covid-19 no ano passado. 

A médica atua na linha de frente de enfretamento ao novo coronavírus e, junto a outros 34 profissionais, escreveu sobre o cenário da Covid no livro “Rebento: Vivências de uma pandemia”. O lançamento vai ocorrer nesta quinta-feira (13), durante live transmitida pelo Coletivo Rebento/Médicos em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS, do qual ela faz parte. 

No livro, a médica conta que passou grande parte dos dias de infecção refletindo sobre a morte, mas escreveu também sobre a assistência hospitalar no Brasil e o quanto grande parte do que se vive é reflexo das políticas públicas.

"É preciso que se diga que nem morrer nos torna iguais, como pode parecer. É necessário refletir sobre o fato de que quase metade das gestantes e puérperas que morreram pela Covid sequer foram intubadas. Morreram esperando a assistência que não houve, porque o sistema de saúde havia chegado ao seu limite e lutava para não ser desmontado", escreveu Liduína ao ponderar que muitas pessoas no Brasil morreram em condições diferentes, cada uma.

Ao Diário do Nordeste, em entrevista, a obstetra também falou sobre vida e morte e das iniciativas sociais necessárias no contexto da pandemia. “O momento em que eu estive com Covid me trazia a perspectiva da possibilidade da morte e de como isso vai redefinindo toda a nossa trajetória”, pontuou.  

Mais que compartilhar a sensação provocada pelo vírus em seu corpo, Liduína Rocha destaca que o livro vem revelar profundas consequências sociais da pandemia. Ao mesmo tempo em que se constitui como a “tentativa de uma construção de memória” do Coletivo Rebento, que celebra um ano de atividades.  

Políticas públicas para mudar realidades 

Além do trabalho com as gestantes, Liduína e os colegas de profissão se empenharam, por exemplo, para que as mulheres grávidas fossem enquadradas nos grupos prioritários da vacinação.  

“Ao longo desse ano, a grande questão pra mim junto com outros profissionais foi fazer a população e quem constrói política pública entender que gestante e puérpera é grupo de risco. E que era preciso políticas públicas específicas para esse grupo”, reforça a médica, comemorando o início da imunização dessas mulheres em Fortaleza, no último domingo (9), Dia das Mães. 

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Coordenadora do Comitê de Prevenção à Mortalidade Materna, Infantil e Fetal no Estado do Ceará, a obstetra revela que a Covid impactou significativamente nos índices de mortes maternas no Estado, a ponto de haver retrocessos não vistos há mais de uma década. 

"É uma doença que matou gestantes, puérperas, que matou crianças que estavam sendo gestadas ainda, e é esse olhar que faz com que a gente compreenda como é importante a gente se implicar com a mudança dessa realidade”, ressalta. 

Coletivo é criado no contexto da pandemia 

Para a médica, um ano do coletivo que culminou no livro não se trata de uma data comemorativa, mas de um “momento político” no qual é necessário “insistir” no dever ético da profissão.  

Liduína Rocha afirma que o atual contexto de pandemia demandou uma organização dos médicos cearenses co-autores do livro. Por meio do Coletivo Rebento, 178 médicos vêm desenvolvendo um trabalho a favor da informação cientificamente comprovada e da ampla vacinação da população.

O coletivo, inclusive, surgiu de um episódio de enfrentamento à “fake news”, quando médicos do Estado foram acusados de forjar atestados de morte por Covid-19, para elevar os números da doença. 

Legenda: Membros do Coletivo Rebento em manifestação no Parque do Cocó, cobrando por mais investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS)
Foto: Fabiane de Paula

Sobre o livro   

Com 156 páginas, “Rebento: Vivências de uma pandemia” reúne textos de 35 médicos e médicas, além de 10 convidados de outras áreas.  Tem projeto gráfico de Rubenio Lima e fotografias de Marília Quinderé, Jean dos Anjos e Rubenio Lima. Ilustrações de Arthur Queiroz Pinheiro, Bárbara Garcês, Elodie Hyppolito, Levi Alcântara, Levi Banida, Levi Mota Muniz, Manuella Pinto, Pixabay, Rafael Limaverde e Vitor Hugo Paiva de Sousa.  

O Coletivo Rebento reúne, hoje, 178 médicos e se organiza em grupos de trabalho, a partir dos quais atua e desenvolve ações de assistência social. O grupo já realizou manifestações em espaços públicos de Fortaleza, quando o País atingiu as marcas de 100 mil, 200 mil e 300 mil mortos por Covid-19. 

O lançamento do livro "Rebento - Vivências de uma Pandemia" vai ocorrer nesta quinta-feira (13), às 20h, em live transmitida no Facebook, Instagram e canal do Youtube do Coletivo Rebento.

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