Demanda de UTIs Covid em março cresceu quase 6 vezes em relação a janeiro no Ceará

Só até a quarta-feira (17), foram mais de 1.800 novas solicitações de leitos de alta complexidade para tratar coronavírus em todo o Estado; pedidos de enfermarias mais que quadruplicaram em dois meses

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Hospital Leonardo Da Vinci
Legenda: Solicitações de leitos de UTI e enfermaria aumentam substancialmente em março de 2021
Foto: Helene Santos

Na tarde desta quinta-feira (18), 444 pessoas com Covid esperam por um leito de UTI no Ceará. Outras 358 enfrentam o coronavírus enquanto aguardam uma vaga de enfermaria. Até 13h09 de hoje, o total de 802 pedidos de leitos estava pendente na rede pública, segundo a plataforma Integra SUS, da Secretaria da Saúde (Sesa).

A demanda é crescente, quase seis vezes maior se comparada ao início do ano. Em março, até essa quarta-feira (17), o Ceará registrou 1.811 novas solicitações de leitos de UTI, uma média de 106 por dia. No mesmo período de janeiro, foram 322 pedidos – cerca de 22 por dia.

Os números incluem pessoas que estão em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) à espera de vaga, que aguardam transferência a um hospital, que já estão em algum hospital e precisam ser deslocadas de enfermaria para UTI (ou vice-versa), entre outras situações que chegam à Central de Regulação Estadual Covid-19.

Um dos pedidos na pilha de solicitações ainda não atendidas era o de José Ayres de Lima, 81, que aguardava um leito de terapia intensiva desde domingo (14), na UPA do Itaperi, em Fortaleza. Segundo a filha, Helvia Lima, 42, o idoso nem era considerado paciente de risco quando chegou à unidade.

“Mas ele teve uma piora significativa muito rápido, não conseguiam controlar a oxigenação. No mesmo dia, domingo, já pediram leito de UTI, e desde então estamos nesse desespero. Ele é hipertenso, tem problema de próstata e no pulmão, mas é leve. E meu pai é ativo!”, frisa.

Helvia relata que a família “não faz ideia” de como José Ayres contraiu a doença, já que morava sozinho com a esposa e “não via ninguém além da família”, que “sempre faz testes” para descartar o contágio. A mãe dela também foi infectada, mas não desenvolveu quadro grave. O casal de idosos tomaria a segunda dose da vacina AstraZeneca contra a Covid no dia 26 de abril.

“Todo dia vamos à UPA, os médicos não conseguem sair de lá pra dar notícia, porque tá muito lotado. A gente fica nessa aflição. Queria saber qual é o critério pra transferir um paciente, porque meu pai é idoso, tá grave e tem comorbidade. Meu pai vai morrer a míngua”, exclama Helvia, que entrou com ação judicial solicitando leito imediato.

No intervalo de algumas horas, os verbos desta reportagem precisaram ser reescritos, do presente ao passado. Entre a entrevista com Helvia e a publicação deste texto, José Ayres faleceu.

Solicitações não atendidas

De acordo com o Integra SUS, atualizado às 15h03 de hoje (18), o Ceará tem 913 leitos de UTI ativos pelo SUS, dos quais 847 estão ocupados. As enfermarias somam 2.197 vagas, 1.712 com pacientes internados.

Além de leitos intensivos, a necessidade de enfermarias também é alarmante, quase cinco vezes maior do que dois meses atrás. Neste mês, nos 17 primeiros dias, foram 2.847 novos pedidos de vagas Covid, média de 167 diários. No mesmo intervalo de janeiro, a soma era de 601 novas solicitações, 38 por dia.

Os pedidos começaram a aumentar expressivamente na segunda quinzena de fevereiro, arrastados pela crescente de novos casos de Covid no Ceará – e mesmo com a ampliação do número de leitos pelo Estado, a oferta não consegue acompanhar a demanda.

Na última quarta (17), por exemplo, das 133 solicitações de UTI que chegaram à Central de Regulação, só pouco mais da metade (68) foram atendidas. Quanto às enfermarias, dos 211 pedidos, 146 (69%) tiveram o leito disponibilizado.

Num balanço geral, janeiro deste ano registrou 1.893 solicitações de leitos de UTI e de enfermaria, das quais 561 (30%) não foram atendidas; em fevereiro, dos 3.629 pedidos, 1.205 (33%) não foram concedidos; e em março, até dia 17, 4.658 novas solicitações de vagas foram registradas, e 1.917 (41%) não atendidas.

Rede de assistência colapsada

Leito de UTI
Foto: Tatiana Fortes/Escola de Saúde Pública do Ceará

A Central de Regulação do Estado, como explica a Sesa, “funciona de maneira integrada com todos os municípios cearenses, recebendo e direcionando as demandas em tempo real”, de acordo com a disponibilidade de leitos e serviços do Sistema único de Saúde (SUS).

A disponibilidade, contudo, não existe mais. Em entrevista ao Diário do Nordeste sobre o sufocamento das UPAs cearenses, a epidemiologista e virologista Caroline Gurgel alertou que “não há mais como escoar a quantidade de pessoas que procuram atendimento”, e que “os hospitais não estão mais conseguindo atender”.

O colapso da rede de leitos de UTI no Ceará já foi constatado, inclusive, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estudo divulgado neste mês apontou que a situação é a pior desde julho, mês que já apresentava risco médio de colapso. A estabilidade, com risco baixo de ocupação, só foi alcançada pelo Estado uma vez, no início de setembro, e logo piorou. Hoje, é crítica.

A reportagem solicitou entrevista com um representante da Secretaria Estadual da Saúde para comentar e avaliar o cenário de aumento exponencial da demanda de leitos de UTI e enfermaria, mas não houve retorno.

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