Covid-19: Como fica a vacinação de crianças e adolescentes? Veja entrevista com especialista

Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) da Regional Ceará, a médica Jocileide Sales Campos explica sobre os processos que envolvem essa imunização

Escrito por Redação ,
Legenda: A demanda por leitos de UTI Infantil aponta para uma maior frequência de casos graves da Covid-19 entre crianças
Foto: Natinho Rodrigues

A vacinação contra a Covid-19 caminha a passos lentos no Brasil, enquanto a curva de casos e óbitos cresce a cada dia. Até agora, apenas 3,29% da população brasileira recebeu a primeira dose da vacina, de acordo com dados do Ministério da Saúde disponibilizados neste domingo (28), quarenta dias após o início da campanha nacional.

No Ceará, essa porcentagem é de 3,06%, levando em conta o vacinômetro da Secretaria de Saúde da última sexta-feira (26). Se a previsão é difícil para os grupos prioritários, o que dizer das crianças e adolescentes?

A faixa etária de 0 a 19 anos contabiliza 55 óbitos no Ceará desde o registro dos primeiros casos de Covid-19 no Estado, de acordo com a plataforma IntegraSUS. São 26 mortes entre crianças de 0 a 4 anos; três mortes, de 5 a 9 anos; mais três mortes, de 10 a 14 anos; e 23 óbitos, de 15 a 19.

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Ainda que o número seja uma pequena parte dos 11.284 óbitos acumulados desde o início da pandemia no Estado, são vidas que se foram. E a vacina para esse público ainda deve demorar, tanto pela pouca oferta de imunizantes nesse momento como pelos estudos e testes ainda em execução.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) da Regional Ceará, a médica Jocileide Sales Campos, expõe os desafios desse cenário.

Confira a entrevista:

1) Qual a avaliação que você faz dos casos de Covid-19 em crianças e adolescentes cearenses ao longo deste primeiro ano de pandemia no Estado? A nova variante em circulação comunitária tem afetado de forma diferente esse público?

De um modo geral, o que a gente tem observado é que as crianças têm sido pouco atingidas, pelo menos de forma grave. Elas não apresentam sintomatologia e não apresentam formas graves, registrando menos óbitos. Entretanto, desde meados do ano passado, são observados alguns casos mais severos, que surgem após a recuperação da Covid.

As crianças se recuperam da doença e, alguns dias após, aparecem com sintomatologias severas de dores no corpo, aquela moleza, dor de garganta, dores abdominais, sintomas gastrointestinais, e algumas delas se tornam graves. Isso é extremamente preocupante, inclusive o Ministério da Saúde vem monitorando esses casos, desde julho do ano passado, que é realmente essa Síndrome Inflamatória Multissistêmica que algumas crianças apresentam, principalmente aquelas crianças que têm comorbidades, por exemplo crianças com câncer, linfomas, problemas nefrológicos, crianças que estão fazendo tratamento de doenças renais.

2) Por que a estratégia do Plano de Vacinação nacional não contempla crianças e adolescentes nesse primeiro momento?

A população de maior risco identificada realmente se encontra entre idosos. São aqueles que adoecem mais gravemente, que mais frequentemente vão a óbito, e portanto deve ser o alvo de atenção especial, como propósito de evitar e reduzir esse grande número de óbitos.

E por isso, são os grupos principais, são os grupos alvo para a vacinação, porque essa vacinação busca o quê? Essas pessoas mais atingidas para quebrar essa cadeia epidemiológica de propagação do vírus e redução dos casos mais graves, das internações e dos óbitos.

Geralmente, os mais graves são os idosos, por isso a vacinação começa com os idosos e com os profissionais da saúde, aqueles que lidam diretamente com os pacientes, sobretudo, mas também a população acima de 18 anos que é a população que adoece muito mais entre todos. 

3) Ainda que estejam numa faixa etária com baixos índices de óbitos e sintomas graves, como as crianças e adolescentes que têm doenças crônicas são avaliadas neste contexto de vacinação? O que pode ser feito para prevenir o pior até haver imunizante disponível para elas?

Foi muito importante uma live realizada agora no dia 23 passado, coordenado pela SOCEP (Sociedade Cearense de Pediatria) e o Hospital Infantil Albert Sabin. Houve até uma apresentação de casos clínicos, discussão, orientação e a direção clínica do Hospital apresentou uma síntese da evolução dos casos de Covid nas crianças desde março, tendo sido criada naquela época uma enfermaria com 12 leitos, porque foi percebido que as crianças estavam aumentando em relação à gravidade pós-Covid, e também leitos na UTI respiratória.

E ela referiu assim que observou picos, que no Brasil também foi observado, com aumento de casos em julho, em dezembro, sobretudo em crianças de 7 a 10 anos, com essa Síndrome Inflamatória Multissistêmica. E no caso, além daqueles sintomas que já falei, elas também apresentam aquelas manchas avermelhadas no corpo. E muitas vezes vindo a óbito essas crianças, principalmente as crianças com comorbidade, como foi um dos casos citados, de uma criança com linfoma. Essas reações mais graves em criança estão sendo mais frequentes na Europa, nos EUA, e entre 5 e 7% desses casos elas têm ido a óbito.

Agora em 2021, já foi observado até casos em recém-nascidos. A gente tinha casos de mulheres gestantes que tiveram a doença e que os filhos nasceram com anticorpos, mas aqui a gente já tem caso de criança recém-nascida apresentando a doença. O aumento bem mais expressivo foi em fevereiro. Ou seja, até janeiro houve esse aumento, dezembro, janeiro. E nessa primeira quinzena de fevereiro, já houve praticamente o dobro de casos que chegaram ao Hospital Infantil Albert Sabin.

Em relação às medidas de prevenção, na verdade o que é recomendado são aquelas clássicas já recomendadas e reconhecidas que muitas pessoas não aderem e por isso é tão ruim, que é o distanciamento, o isolamento social, a higienização das mãos e objetos com álcool em gel ou mesmo com água e sabão, uso de máscaras em adultos e também em crianças maiores de 2 anos. A recomendação nesse caso específico às crianças de não levarem muito as mãos ao rosto - olhos, nariz, boca - porque muitas vezes a mão está levando o vírus, aumentando essa cadeia de transmissão.

4) Como estão os estudos referentes à aplicação de vacinas na faixa etária pediátrica neste momento? 

R - Já foram iniciados estudos para vacinação de crianças, especialmente crianças maiores de 7 anos voluntárias. Algumas farmacêuticas como a Pfizer, a Moderna, a Sinovac... Aliás, a Sinovac, o estudo dela é com crianças e adolescentes de 3 a 17 anos. É porque é preciso conhecer, identificar a resposta do sistema imunológico das crianças, observar a dosagem necessária para estimular essa resposta, a dosar a produção de anticorpos, o número de doses necessário, porque o sistema imunológico da criança responde de uma forma diferente do sistema imunológico do adulto. 

5) A chamada “vacinação de rebanho” do público adulto e idoso traz alguma segurança para crianças e adolescentes não vacinados?

R - A vacinação de rebanho ocorre quando você tem mais de 70% da população vacinada - idealmente, 90 a 95% da população geral. As crianças poderiam estar formando uma corte não vacinada, representada por um grupo de mais vulneráveis.

Portanto, na situação atual a gente pode pensar que as crianças ficam realmente mais vulneráveis, principalmente se elas estão agora apresentando situações diferentes do início da pandemia, no qual você tem alguma reação mais grave, inclusive possibilidade de óbito.

Porém, as crianças que ficam em residência, cercadas de todos os outros já vacinados, podem estar mais protegidas, menos vulneráveis.

6) O Brasil enfrenta uma polaridade política que vem influenciando algumas medidas de contenção da pandemia. Há inclusive uma divisão de quem é pró ou contra a vacinação. Qual o perigo de não vacinar as crianças e adolescentes com argumentos que negam sua eficácia?

R - Pessoas contra a vacinação não conseguem perceber o grande benefício advindo do uso das vacinas, com redução e até mesmo erradicação de doenças transmissíveis, como já foi o caso da varíola, da poliomielite; como nós temos o absoluto controle de tétano, rubéola, principalmente a rubéola congênita, que havia deixado muitas crianças com sequelas graves, como cegueira, perda de audição, doenças cardíacas; assim também o sarampo, controlado quando você tem cobertura de vacinação alta.

Eu até lembraria aqui a importância de se manter a vacinação de rotina dessas crianças em dia. Quer dizer, vacinar na época certa todas as crianças, porque se a gente não vacinar, além da Covid, a gente vai se deparar com aumento de casos das doenças que são prevenidas por essas vacinas.

Quanto à vacinação das crianças (contra a Covid-19), estão sendo executados esses estudos, porque a gente não pode simplesmente começar a vacinar criança sem ter o estudo nessa faixa etária. É preciso a gente conhecer a ação das vacinas nessa faixa etária para que possamos ter segurança na sua indicação protetora.

7) Diante desse contexto sanitário, que desafios o ambiente escolar ainda deve enfrentar até a imunização da faixa etária em questão?

R - É muito difícil manter o ambiente adequado, livre de transmissão de Covid. Às vezes eu assisto aulas on-line aqui com a minha neta e observo as professoras recomendando “fulaninho, bote a máscara no nariz” ou “não tire a máscara” e coisas semelhantes, o que significa que as crianças realmente não conseguem se controlar Naquele período todo, 4 horas de aula, às vezes 4 horas de manhã e 4 horas de tarde. Para elas, é muito difícil. Para nós também é, né?

Não sei te dizer com muita convicção, mas me preocupo muito com a saúde mental dessas crianças, verdadeiramente aprisionadas, porém meu receio é que elas se infectem, adoeçam ou transmitam essa Covid a familiares.

Isso é muito forte, essa possibilidade é muito severa e faz indispensável a vacinação em massa das pessoas. Eu fico muito preocupada quando aglomera. Eu sei que a escola está se programando para ter um distanciamento, mas as crianças não são robôs, elas não são capazes de obedecer esse distanciamento. Muitas delas se abraçam e vão mexer nos cabelos da outra, vão olhar a máscara, às vezes trocam de máscara para ver como é que fica mais bonitinho. Então tudo isso é muito complicado, é preciso muita fiscalização da escola também, né? 

8) Como pais e responsáveis podem dialogar com crianças e adolescentes sobre a conscientização de medidas preventivas enquanto a vacina não chega para eles?

R - O diálogo dos pais com as crianças é sempre no sentido de informá-las, de orientá-las, sem apavorá-las quanto a essas medidas de higienização. Até mesmo explicar porque deve haver essa higienização maior, o distanciamento, mas também procurar historinhas, participar sempre que possível de jogos, brincadeiras em família, conversas. E muita esperança, muita fé em Deus para vencermos e voltarmos à normalidade. Quem sabe uma normalidade diferente daquela que a gente viveu até 2019, mais segura, mais saudável, quem sabe?

E eu gostaria de finalizar recomendando veementemente: não perca nenhuma dose de vacina quando você já puder ser vacinado. E vamos aguardar um pouco os estudos sobre a vacinação das crianças para que a gente possa realmente indicar a vacina, e cuidar também de observar a questão da organização dos serviços de saúde para o atendimento dessas crianças, tanto a questão de leito de enfermaria como leitos de UTI, quando necessários. Seguir os protocolos recomendados, para que a gente possa também ter mais segurança, mais qualidade no tratamento das crianças e a possibilidade de evitar perdas de vida. Tantas mortes no Brasil, tantas mortes no mundo, e o que nós queremos mesmo é evitar que essa pandemia prossiga com tanta força, com tanto prejuízo na vida das pessoas.

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