Ceará tem alta na taxa de transmissão da Covid; especialistas apontam possibilidade de segunda onda

Relatório aponta um risco epidêmico de transmissão entre 1,01 e 1,50, quando uma pessoa infectada pode transmitir o vírus para mais de um indivíduo

Escrito por Bárbara Câmara /Cinthia Freitas/Theyse Viana , metro@svm.com.br
Legenda: Especialistas apontam relaxamento exagerado nas medidas de prevenção por parte da população como impulsionador de uma nova fase de alta incidência
Foto: José Leomar

O Ceará pode estar prestes a vivenciar uma nova onda de casos da Covid-19, conforme aponta análise feita pelo Comitê Científico do Consórcio Nordeste publicada ontem (23). O boletim alerta para o risco epidêmico de transmissão entre 1,01 e 1,50, ou seja, indica que uma pessoa pode transmitir o vírus para mais de um indivíduo, dado considerado um importante sinalizador para nova fase de grande incidência.

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O Comitê cita o número de reprodução do novo coronavírus – simbolizado pelo R(t) – para embasar a previsão. “R(t) maior que 1 é consistente, segundo modelo Mosaic-UFRN, com uma nova onda, ou uma mudança na metodologia de distribuição dos dados”, diz o parecer. O modelo em questão trata-se de um sistema matemático de análise de dados, de acordo com o neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador da entidade. 

“A tabela do número de reprodução está em 1,50, e é uma média de sete dias. Esse é um modelo muito preciso, ele tem sido muito bom até agora. Em boletins anteriores, o resultado das nossas previsões foi comprovado na vasta maioria das vezes”, destaca o médico. Esse índice esteve em queda até o fim de agosto. Já na primeira semana de setembro, o número de reprodução havia se estabilizado em 0,7.

 

Os gráficos apresentados no boletim indicam, ainda, que embora o pico da doença já tenha ocorrido no Estado, há uma retomada de crescimento de casos. Com relação às hospitalizações, os registros são de que houve um pico no mês de junho e que há uma tendência de queda para as próximas semanas.

Na análise de óbitos decorrentes da doença, o Comitê Científico avalia que também já houve o pico e há uma tendência de decaimento diário para as próximas semanas.

O relatório destaca a testagem da população no Ceará como um ponto positivo nas medidas de combate à pandemia do novo coronavírus, tendo um aumento significativo no último mês. “Os modelos mostram números consistentes entre indivíduos testados e previstos”, acrescenta o boletim da entidade.

O Ceará concentrava, até a tarde de ontem (23), 269.255 casos confirmados de Covid-19 e 9.245 mortes em decorrência da enfermidade. Os dados são da plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), atualizada às 16h55. O número de pessoas recuperadas chega a 230.203.

Causas

O Comitê responsabiliza o acomodamento da sociedade e a realização das campanhas eleitorais como impulsionadores do aumento de casos. “Certamente, um dos fatores que mais contribuem para esses aumentos é a campanha eleitoral, que vem gerando inúmeras aglomerações em todos locais, onde pessoas desprezam todas as normas sanitárias indicadas pela Organização Mundial de Saúde e outras consideram que o uso de máscara é segurança total contra a transmissão da Covid-19”. 

Os cientistas destacam que “invariavelmente, nas aglomerações o risco desse tipo de contaminação aumenta consideravelmente, gerando a expectativa de que, no período pós-eleição, possa ocorrer uma segunda onda da epidemia”, diz a publicação.

A virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel, compartilha análise semelhante do cenário de formação de uma nova onda da doença pandêmica no Ceará. Além das aglomerações no período eleitoral, ela observa que o relaxamento nas medidas sanitárias pessoais também contribui para o cenário negativo no Estado.

“Houve uma acomodação quanto aos cuidados com a própria saúde e com a saúde coletiva. É muito comum agora vermos pessoas sem uso de máscara, se aglomerando em espaços pequenos, com ar-condicionado. E isso vai fazer com que o vírus circule cada vez mais”, reitera.

Transporte coletivo

A “culpa”, porém, não pode ser atribuída exclusivamente a comportamentos individuais. “A recomendação é continuar usando máscara, e se possível ficar em casa, mas também que as empresas melhorem a qualidade de vida do trabalhador quanto ao transporte coletivo. Não é somente preocupar-se em lotar shopping ou praia, mas o veículo em que a pessoa está se deslocando. Não adianta manter o distanciamento social na fila, e dentro do ônibus ficar um ao lado do outro”, pondera a virologista.

Luciano Pamplona, epidemiologista e professor do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, descarta que o crescimento recente do número de casos de Covid em alguns pontos do Ceará seja causado pela flexibilização de atividades econômicas: para ele, a alta está diretamente ligada ao início das campanhas. 

“A implantação dos comitês e o corpo a corpo que o período exige, principalmente em eleição para vereador e prefeito, certamente contribuíram para esse aumento importante. Flexibilizamos 95% da economia, há cerca de cinco meses, sem nenhum aumento”, afirma.

Pamplona analisa, contudo, que “o aumento ainda é percentualmente pequeno e precisa ser acompanhado por mais tempo para ser classificado como uma tendência” de segunda onda – mas é enfático sobre a cautela que é necessária para evitar um novo pico de casos e mortes em decorrência do novo coronavírus.

“Temos que ter a clareza de que o vírus continua no nosso ambiente: o que mudou foi o nosso comportamento. Não estamos na crise vivida em maio, mas também não podemos dizer que estamos livres. O desafio é comunicar às pessoas que é preciso manter o distanciamento, que é necessário o uso de máscara. Se não fizermos isso, vamos ter de retroceder”, adverte.

Caso o Ceará se encontre, de fato, submerso em uma segunda onda da pandemia, os efeitos não devem ser tão graves quantos os vistos entre abril e junho.

“Na Europa, onde está tendo segunda onda, houve um aumento de casos, mas isso não se converteu em mortalidade, principalmente porque o serviço de saúde aprendeu a manejar os pacientes de forma precoce. Um aumento de internação até temos visto aqui, mas com certeza não vai se repercutir em relação ao número de óbitos”, prevê.

Restrições

Um arrocho e um retrocesso maiores nas medidas restritivas do Governo do Estado, considera o médico, dependem do comportamento da população. “Diferentemente daquele primeiro momento, não precisamos voltar a ter isolamento social, esse discurso nem cabe mais. Mas o distanciamento físico é necessário. Se precisa trabalhar, vá. Se precisa ir pra escola, vá. Mas faça isso tentando manter a distância mínima, utilizando máscara. O grande aprendizado dessa pandemia foi a importância da máscara como uma barreira física para conter o risco de transmissão. Se a gente conseguisse fazer isso, voltaria às atividades com mais segurança”, finaliza.

Para prevenir uma nova onda de infecção da Covid-19, o Comitê Cietífico do Consórcio Nordeste recomenda aos governos estaduais que sejam tomadas medidas de implantação de estandes sanitários nos aeroportos e obrigatoriedade de quarentena de 14 dias para os turistas que não apresentem atestados.

Sesa rebate

Em comunicado na manhã desta sábado (24), a Sesa informou que ainda n]ao é possível afirmar a possibilidade de uma segunda onda da Covid-19 no Ceará. A pasta ainda declarou que vem acompanhando diariamente a evolução dos casos e observa uma flutuação geográfica das estatísticas. 

"Há pequenos surtos localizados, seguidos por uma queda nos registros, a exemplo do que aconteceu recentemente em áreas como o Cariri e Crateús. Mas há também aumento de casos em outras regiões, a exemplo da Região da Saúde de Fortaleza, onde na semana passada foram registrados 743 novos casos (crescimento de 72% em relação à semana anterior) nos 44 municípios da área, uma média de 106 por dia", diz a Sesa em nota.

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