Aeroporto e Portos devem tomar medidas para conter variante indiana no Ceará, dizem especialistas

Pesquisadores alertam que, embora não haja muitas informações sobre o real impacto da nova cepa, protocolos individuais podem frear contágio se forem seguidos corretamente.

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Oferta de voos domésticos cresce no Aeroporto de Fortaleza
Foto: Kid Júnior

O Ceará investiga um caso suspeito da variante indiana do coronavírus, após um homem vindo do país asiático testar positivo para a doença ao chegar em Fortaleza, no dia 9 de maio. Mesmo sem confirmação do tipo do agente infeccioso, especialistas alertam para a necessidade de monitorar fronteiras e divisas para frear uma possível chegada do novo vírus ao Ceará.

No dia 10 de maio, a variante B.1.617 foi classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma "preocupação global" por apresentar capacidade de transmissão maior do que a cepa original do vírus.

Segundo Mário Oliveira, biomédico e virologista, essa variante da Índia já circula há muito tempo no mundo, mas, somente agora, conseguiu sofrer mutações aceleradas e se adaptar melhor, além de se replicar e transmitir mais.

Os coronavírus são os vírus mais mutáveis da natureza. Quanto mais se replicam, mais mutações podem ocorrer. Já vimos a prova real em Manaus e na Índia”
Mário Oliveira
Virologista

Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Lígia Kerr avalia que a introdução de novas cepas na população é um problema “extremamente grave”, sobretudo porque ainda não se sabe o real impacto da variante.

“Muitas dessas cepas escapam à imunidade anterior das pessoas. Esse monitoramento depende do teste, isolamento e da genotipagem. Se a transmissão está no comecinho, você tem que fazer muito teste, ou não vai pegar isso”, recomenda.

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Há uma semana, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) emitiu um alerta orientando que viajantes de áreas com a variante indiana cumpram autoquarentena de 14 dias e façam testes de Covid-19 antes de se deslocarem dentro do Ceará. O objetivo é evitar a propagação da doença no Estado. 

A Secretaria também considera que, “a curto-médio prazo, a vacinação irá provavelmente contribuir para a resposta”, ou seja, atrasar a introdução de novas variantes. Até quinta-feira, 1,55 milhão de pessoas - cerca de 17% da população do Estado - receberam, pelo menos, a primeira dose do imunizante.

Contudo, o imunologista e professor da UFC, Edson Teixeira, também analisa que os esquemas vacinais podem precisar de revisão à medida que mais cepas sejam transmitidas.

“Será necessário, no futuro, muito provavelmente, atualizar essas vacinas para novas mutações, para que a eficácia continue acima dos 50%. Importante lembrar que a demora na vacinação aumenta a probabilidade de aparecer novas variantes”, avalia.

Legenda: Fraport Fortaleza afirmou que não recebe voos dos países restringidos pela portaria do Governo Federal.
Foto: Helene Santos

Restrição nas entradas

Segundo a secretária-executiva de Vigilância e Regulação da Sesa, Magda Almeida, o homem infectado que chegou ao Ceará com suspeita da cepa veio por via aérea, seguindo o itinerário Índia-Catar-São Paulo-Fortaleza.

A epidemiologista Lígia Kerr critica a demora na tomada de decisões quanto a restrições na entrada de estrangeiros no Brasil.

“Há muito tempo se sabe dessa nova cepa na Índia. Tinha que se fazer barreiras nos portos, nos aeroportos, nas estradas, mas isso nem sempre depende dos Estados porque há questões do nível federal”, aborda.

No dia 14 de maio, o Governo Federal publicou uma portaria que proíbe, por 14 dias, a entrada no País de passageiros estrangeiros de voos com origem ou passagem pela Índia, Reino Unido, Irlanda do Norte e África do Sul. O documento também restringe a entrada de estrangeiros, de qualquer nacionalidade, por fronteiras terrestres e aquaviárias.

Em nota, a Fraport Brasil – Fortaleza informou que o Aeroporto de Fortaleza não possui voos diretos para estes destinos/origens, e que “não haverá alteração de procedimentos no aeroporto”. A empresa ressaltou que segue, desde o início da pandemia, “todas as recomendações das autoridades de saúde”.

Entre as medidas, estão a disponibilização de álcool em gel nas áreas de maior circulação, sinalização sobre o uso de máscaras e distanciamento, avisos sonoros e em vídeo sobre prevenção, bloqueio de assentos e medição de temperatura automatizada antes do embarque doméstico.

Protocolos de atraque

Além da preocupação pelo ar, também há alerta nas águas. No Estado vizinho do Maranhão, seis tripulantes de um navio ancorado tiveram confirmação para a variante B.1.617.2. Foram os primeiros registros da cepa no Brasil.

No Ceará, o Complexo do Pecém (CIPP S/A), responsável pela gestão do Porto do Pecém, informou que “segue rigorosamente” todas as orientações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Toda embarcação é obrigada a informar o estado de saúde da tripulação a bordo antes de ser ou não autorizada a atracar no terminal.

“Além disso, todos os desembarques de tripulação estrangeira são permitidos apenas após a realização de teste RT-PCR e posterior autorização da Anvisa”, completa.

A Companhia Docas do Ceará (CDC), que administra o Porto do Mucuripe, em Fortaleza, também informou que as medidas de prevenção e controle sanitário em embarcações são realizadas pela Anvisa, que avalia a situação de saúde dos tripulantes para autorizar ou não a atracação.

É mais grave?

O virologista Mário Oliveira esclarece que as novas cepas do coronavírus não estão sendo mais letais, mas têm maior capacidade de replicação e transmissão. Logo, a carga viral mais alta pode levar a casos mais graves.

“Quando uma pessoa que seria menos suscetível recebe uma carga maior, a doença é mais rápida e mais severa. Infelizmente, algumas pessoas têm imunologia mais fraca e não se adaptam, vão a óbito”, alerta.

No caso da cepa indiana, o especialista acredita que, se ela chegar ao Ceará, não deve ocorrer um aumento expressivo de casos por dois motivos:

  1. O Estado e o Brasil viveram uma grande onda recente de contaminação. “Muita gente foi contaminada e se curou, e há estudos dizendo que essa imunidade perdura por três, quatro, cinco meses. Implica em dizer que parte da população está imune por algum tempo”, diz;
  2. Há também uma parcela da população cearense com o esquema vacinal completo, ou seja, já desenvolveu anticorpos. De acordo com o vacinômetro estadual, mais de 942 mil pessoas receberam as duas doses do imunizante até quinta (20).

Porém, independente da gravidade, Oliveira destaca a necessidade de um combo básico: uso de álcool em gel e de máscara. “A cepa está vindo e pode ser nova, mas se eu estou usando máscara corretamente e seguindo o isolamento, ela pode chegar, contaminar e rapidamente passar por estarmos seguindo essas regras”.

Legenda: Para Sesa e pesquisadores, vacinação pode minimizar o impacto da cepa caso ela chegue ao Ceará.
Foto: Fabiane de Paula

No Ceará, além da quarentena aos viajantes, as orientações da Sesa para monitorar a possível variante são: 

  • realizar sequenciamento direcionado e representativo de casos comunitários para detectá-la precocemente;
  • aumentar o monitoramento e os testes de pessoas com relação epidemiológica com as áreas de incidência mais elevada;
  • rastrear contatos direcionados e isolar casos suspeitos e confirmados da variante;
  • recomendar que se evitem viagens não essenciais, em particular para áreas mais incidentes;
  • notificar possíveis casos de infecção de forma imediata.

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