Mulheres no cordel: conheça 6 poetas cujo trabalho tem diversificado o gênero literário
A partir de diferentes temáticas e formas de atuação, elas quebram barreiras numa seara ainda notadamente marcada pela presença masculina
“Alfabetizar, decerto,/ É missão do professor./ E eu semeio esses versos/ Querendo que virem flor./ Toda arte é um lenitivo/ Se ofertada com amor”: quem criou essa estrofe não fui eu, mas a médica, professora, escritora e cordelista Paola Tôrres. Com “Leucemia sem segredo: Uma cartilha em cordel” – onde podem ser encontradas as referidas linhas – a artista confere um poderoso vislumbre do quanto a criação em rimas feita por mulheres pode ir longe.
Tôrres, não sem motivo, é a atual presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) – primeira mulher a ocupar o cargo em 32 anos de fundação da entidade. Junto a ela, inúmeras poetas vêm quebrando maciças barreiras num segmento ainda notadamente marcado pela presença masculina, imprimindo força e pluralidade aos trabalhos.
De raiz portuguesa, a Literatura de Cordel foi introduzida no Brasil no fim do século XVIII. Em território europeu, a manifestação começou a aparecer no século XII, popularizando-se no período do Renascimento. De lá para cá, o gênero – cujas principais características são a oralidade e a valorização de elementos da cultura popular – tem ganhado cada vez mais praças, ampliando o alcance de uma poética ímpar.
A seguir, você conhece o trabalho de seis mulheres cordelistas cuja reinvenção pela palavra tem pautado diferentes temáticas e formas de atuação na área. Sob sua assinatura, os folhetos de cordel traçam novas cartografias de sentimentos e debates, alicerçando uma miríade de horizontes e projetos. Veja:
Jarid Arraes
Festejado nome da literatura brasileira contemporânea, a cearense Jarid Arraes – natural de Juazeiro do Norte, região do Cariri – tem uma profícua produção no gênero literário de vertente popular. São mais de 70 títulos de cordéis assinados por ela, todos abarcando importantes questões sociais, sobretudo no que diz respeito à autoria negra e feminina.
Algumas das coleções são dedicadas, por exemplo, a apresentar lendas africanas. Outras, por sua vez, mergulham em personalidades distantes do farol hegemônico – embora nem por isso destituídas de vigor e relevância. É o caso da coleção “Heroínas Negras”, na qual Jarid celebra, em formato de cordel, a memória de quinze mulheres negras de nossa História.
São elas: Antonieta de Barros, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Dandara, Esperança Garcia, Eva Maria do Bonsucesso, Laudelina de Campos, Luisa Mahin, Maria Felipa, Maria Firmina, Mariana Crioula, Na Agontimé, Tereza de Benguela, Tia Ciata e Zacimba Gaba.
Figuras que lutaram pela liberdade e por seus direitos, reivindicando espaço na política e nas artes, indo contra a maré de opressão. Na edição publicada pelo selo Seguinte, da Companhia das Letras, intitulada “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis”, as histórias são ilustradas por Gabriela Pires.
Os demais folhetos de cordel de Jarid Arraes podem ser encomendados diretamente com a autora por meio de seu site, ou por meio da loja disponível na mesma plataforma. Ela também está presente nas redes sociais.
Paola Tôrres
Apresentada no início desta matéria, a cordelista Paola Tôrres encontra, na interdisciplinaridade de sua atuação profissional, uma forma de reunir elementos e referências em prol da difusão de uma literatura de cordel atenta a discussões sempre atuais e pungentes.
São versos que ecoam saberes da medicina, da música, das tradições populares e, claro, do ser mulher no século XXI, com todas as complexidades e desafios intrínsecos a esse panorama. Um ofício também de reconhecimento pelo trabalho das que vieram antes dela.
Prova disso é a Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel, equipamento da Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição da qual Paola é professora. O espaço, idealizado pela poeta popular, foi inaugurado em agosto de 2019 e nasceu do sonho de homenagear a primeira mulher a escrever cordel no Brasil.
O acervo da Cordelteca possui textos de poetas consagrados, a exemplo de Leandro Gomes de Barros (1865-1918), Arievaldo Viana (1967-2020), Stélio Torquato, criações da própria Paola Tôrres, dentre outros.
À frente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) desde abril deste ano, a artista pretende fomentar a presença do cordel nas salas de aula e prospectar essa arte como Patrimônio Imaterial da Humanidade frente à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), um projeto já iniciado.
Além disso, entre as mais relevantes iniciativas que deseja tocar, está a valorização e o incentivo da presença e do papel da mulher na seara em questão, inspirando outras que desejam caminhar junto em meio às rimas.
Para conhecer mais sobre o trabalho de Paola Tôrres, acesse o site e as redes sociais da poeta.
Auritha Tabajara
Destaque na primeira edição do Festival Nacional de Contadores de Histórias no Ciberespaço, realizado em março deste ano, a indígena cearense Auritha Tabajara – natural do município de Ipueiras, distante 300 km de Fortaleza – aprendeu a ler e a escrever com cerca de seis anos de idade.
De lá para cá, mediante constantes atravessamentos no universo das palavras, desenvolveu um gosto singular pela Literatura de Cordel, tendo escrito o seu primeiro folheto com apenas nove anos. A predisposição para ingressar nessa arte deu-se exatamente devido à observação da ausência de representação de seus anseios e particularidades nos versos de matriz popular.
Em 2007, ela publicou o livro “Magistério Indígena em versos e poesia”, o qual foi adotado como leitura obrigatória nas escolas públicas pela Secretaria de Educação do Ceará. Onze anos depois, veio a público a obra autobiográfica “Coração na aldeia, pés no mundo”, via selo U’KA Editorial – pertencente ao escritor indígena Daniel Munduruku.
Sempre com esmerada reverência aos antepassados, sobretudo a avó – a parteira Francisca Gomes de Matos, 92 anos –, e enfrentando as investidas do machismo e da homofobia, conforme destacado em reportagem do Diário do Nordeste, Auritha Tabajara dedica-se ao mapeamento de outras colegas indígenas cordelistas, uma vez que ainda não há registros nos grupos nacionais dos quais ela integra.
“Pois eu sou é nordestina/ tenho orgulho de dizer/ Sou Tabajara, ando vestida/ como o que for pra comer/ Uso celular e internet/ porque trabalhei pra ter”, expressa a poeta em uma de suas criações, quebrando a visão arbitrária e discriminatória sobre o modo de viver indígena.
É possível acompanhar o trabalho de Auritha Tabajara nas redes sociais e em seu canal, no YouTube.
Izabel Nascimento
Cordelista, escritora, pedagoga, poeta e radialista sergipana, Izabel Nascimento tem suas raízes totalmente fincadas na arte do cordel, tendo nascido e crescido entre a poética impressa nos folhetos, dita em voz alta pelos cantadores.
Graduada em Pedagogia em 1998, ela passou mais de 10 anos atuando em sala de aula, tendo como um dos principais motes exatamente o ensino do cordel. Foi assim que nasceu, por exemplo, o projeto “Literatura de Cordel em Sala de Aula”, ministrado em escolas da zona rural do município de Maruim (SE).
Tocando ainda uma série de outras iniciativas no segmento – como os projetos “Cordel de Quinta”, primando por diálogos da poeta com pessoas apreciadoras da arte em versos; e “Saúde Mental em Cordel”, com a função de alertar sobre as doenças mentais que mais ocorrem no Brasil – a artista é também pioneira do Movimento Nacional das Mulheres Cordelistas em Combate ao Machismo.
A iniciativa surgiu em julho do ano passado, ocupando as redes sociais com a hashtag “#cordelsemmachismo’’, lutando em prol de igualdade e respeito no segmento. “Quando uma mulher escreve/ Assina o nome na lista/ De quem paga um alto preço/ Pelo seu ponto de vista/ Nesta sociedade falha/ Cada verso, uma batalha/ Todo passo, uma conquista”, brada em um de seus poemas.
Entre os títulos de folhetos que ela já publicou, estão “Cordel de Pai e Filha” (2008), “A História do Soldado que bateu na Professora e virou jumento” (2012), “A História da Umbanda em Cordel” (2018), “Relato de Verso e Voz” (2018) e “Receita da Boa Mulher” (2018).
Para conhecer mais sobre o trabalho de Izabel Nascimento, acesse as redes sociais da poeta e seu canal no YouTube.
Julie Oliveira
Outro nome cearense na lista, Julie Oliveira fundou o coletivo e selo editorial Cordel de Mulher, voltado para o fomento, valorização e reconhecimento da produção de mulheres cordelistas em todo o Brasil.
Com grande parte de seus livros distribuídos nacionalmente em programas de educação, a escritora, poeta cordelista, pedagoga, produtora cultural e editora lançou, em 2019, o cordel “Mulher de Luta e História”, que já está na 3ª tiragem e é um dos mais vendidos da autora.
Julie também realiza uma série de ações junto ao pai, o também cordelista Rouxinol do Rinaré, e participa de iniciativas envolvendo uma variedade de colegas no segmento. Durante esta pandemia, por exemplo, ela integrou o time de “Cordel contra a Covid-19”, produção coletiva e digital organizada pelo professor e pesquisador Gilmar de Carvalho (1949-2021).
No último mês de junho, a convite do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), ela escreveu “Valorize o Essencial - Cordel em Homenagem aos Profissionais da Saúde”, apresentado também em formato de vídeo. O trabalho teve como proposta homenagear todos aqueles atuantes na linha de frente do combate à transmissão do novo coronavírus.
Além disso, Julie é presença frequente em eventos que discutem a presença e a força da produção de mulheres não apenas no cordel, mas no mercado editorial como um todo. Sua atuação frente à Ganesha Edições – que publica poesia e outros gêneros, e investe em assessoria de projetos editoriais e culturais – chancela a relevância de seus vários ofícios.
É possível acompanhar o trabalho de Julie Oliveira por meio das redes sociais da poeta e o canal do YouTube da Ganesha Edições e Produções Culturais.
Ivonete Morais
Descrevendo a si própria como “cordelista dos temas urgentes”, a poeta popular cearense é filha das canções do Rei do Baião, uma vez que, desde a infância, ouvia os versos entoados pelo mestre Luiz Gonzaga (1912-1989) e, dali, tirava substrato para imaginar outras linhas na mente e no papel.
A formação no gênero literário se deu em 2004, por meio de um curso na Casa do Cantador – localizada no bairro Carlito Pamplona, em Fortaleza. A partir daí, os frutos na seara vieram cedo. O primeiro cordel de sua autoria, por exemplo, “O amor de A a Z”, venceu um concurso voltado para poetas e funcionários públicos do Estado.
A conquista abriu as portas para que, anos depois, também fosse contemplada com o título de Mulher Poesia, pelo Grupo Chocalho; com o certificado de reconhecimento como cordelista, conferido pelo Governo do Estado do Ceará; e um certificado da Caixa Cultural, pela IV Feira do Cordel Brasileiro, entre outras condecorações.
Com vários cordéis publicados, Ivonete escreve para eventos como casamentos, aniversários e bodas de prata. Igualmente ministra palestras em hospitais e associações de mastectomizadas, sobre sua experiência de luta e cura de um câncer. Vencer a enfermidade, por sinal, foi inspiração para o cordel “Sou mastectomizada”, pelo qual é mais conhecida.
Neste ano, envolvida com a energia do fenômeno Juliette Freire, vencedora do Big Brother Brasil 21, a cordelista publicou o cordel “Juliette no BBB 21 – A força e a resistência do Nordeste”, pela Rouxinol do Rinaré Edições. O trabalho, por meio de 32 versos, atravessa as principais características da personalidade da advogada, ao mesmo tempo que coroa a região nordestina como detentora de uma vitalidade única.
Acompanhe o trabalho de Ivonete Morais por meio das redes sociais da cordelista.