Procura por assistência jurídica sobre burocracias pós-morte cresce 39,7% da Defensoria do Ceará

Dados da Defensoria Pública do Ceará comparam registros de atendimento na primeira e na segunda onda da pandemia de Covid-19

Legenda: Na maior parte dos casos, segundo a Defensoria Pública, a causa mortis dos falecidos foi Covid-19.
Foto: Thiago Gadelha

Em praticamente um ano e meio, a pandemia de Covid-19matou mais de 540 mil pessoas no Brasil. E a dura estatística, consequentemente, impulsiona a demanda pela abertura de uma série de burocracias para lidar com o pós-morte, como alvarás e inventários para a transferência de bens e dinheiro e para a resolução de pendências financeiras deixadas por quem faleceu. 

Só na Defensoria Pública do Ceará (DPCE), que oferece o serviço jurídico gratuitamente à população, a quantidade de procedimentos registrada no primeiro semestre deste ano (5.465) já é 39,73% maior que em igual período de 2020 (3.911), quando houve a primeira onda da pandemia. 

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“Há uma prevalência de mortes mais de homens do que de mulheres, então, estatisticamente, a procura maior é de companheiras ou viúvas. Mas também há situações em que os filhos pleiteiam” a abertura dos procedimentos, relata o defensor público Rogério Matias Rebouças da Silveira, que supervisiona o setor de Sucessões na DPCE. 

Além disso, diante da ameaça iminente de morte, a presidente da comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Angélica Mota, afirmou que também aumentou significativamente a demanda por testamentos, que são documentos feitos em vida para garantir que parte dos bens deixados seja distribuída da forma que queria a pessoa que faleceu. 

É uma coisa que acredito que vá ficar pra história do direito sucessório no Brasil. As pessoas passaram a pensar mais em nível de planejamento sucessório. Como elas queriam que os bens delas ficassem”.
Angélica Mota
Presidente da comissão de Direito de Família da OAB-CE

Alvarás e inventários 

Segundo a Defensoria Pública, inventários são procedimentos judiciais ou administrativos, feitos em cartório, que distribuem bens e valores deixados pelo falecido aos seus herdeiros e garantem a quitação de possíveis débitos. Já o alvará, considerado mais simples e mais frequente no Brasil, pode ser feito quando não há bens imóveis envolvidos no processo. 

O inventário extrajudicial, segundo Angélica, exige que todos os herdeiros estejam em comum acordo sobre a divisão dos bens. O judicial, por sua vez, é necessário quando há brigas, litígios ou algum tipo de discordância entre os herdeiros. “Quando a pessoa falece, não se consegue transferir [os bens dela] enquanto não for feito o inventário”, garante a advogada. 

Por lei, inventários podem ser abertos até 60 dias após a morte e devem ser concluídos em até um ano, podendo o prazo ser prorrogado. 

“Ano passado, tivemos um aumento muito grande de abertura de inventários em que a causa mortis era a Covid-19. Eu percebia na primeira onda muita morte de pessoas idosas, com comorbidades, e muitos que faleceram porque eram motoristas de ônibus ou por aplicativo”, relata Rogério Rebouças. 

Quitação de dívidas 

Por mais que a pessoa que morreu deixe dívidas a quitar, não cabe aos herdeiros pagar com dinheiro do próprio bolso. “A dívida só pode ser cobrada nos ‘limites da força da herança’. É preciso que a herança daquela pessoa que morreu contemple aquela dívida”, explica Angélica.  

Supondo que alguém tenha deixado um patrimônio de R$ 100 mil e uma dívida de R$ 200 mil, será pago somente até R$ 100 mil. “O herdeiro pode até ficar sem herança, mas não responde com o próprio patrimônio”, assegura ela. 

Planejamento sucessório 

Diante do medo da morte, o aumento das buscas por testamento acende nas pessoas a preocupação pertinente de deixar claro, em vida, como elas querem que sejam distribuídos seus bens caso morram

Existem duas formas de fazer isso, de acordo com Angélica. Como um testamento público, feito em cartório e na presença de duas testemunhas que não podem estar beneficiadas no documento, e como um testamento particular, sem custos cartoriais, testemunhado por três pessoas que também não podem estar entre os herdeiros.  

Independentemente da modalidade escolhida, Angélica indica a consultoria de um advogado especialista em direito sucessório, para que o profissional avalie o patrimônio e as vontades e informe o que pode ou não ser dividido. “A assessoria jurídica serve pra que a pessoa faça um testamento seguro”, diz. 

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“Testamento é uma forma de planejamento sucessório, de evitar querelas [discussões], disciplinando as relações entre os herdeiros e pra evitar confusão depois”, define o defensor público Rogério Rebouças. 

“Se ela [a pessoa que faleceu] não fizer testamento, a legislação diz como vai ser. Mas, se fizer, tem direito de dispor de pelo menos 50% do patrimônio dela”, acrescenta Angélica. 

Atendimento à população  

Na Defensoria Pública, Rogério atende quatro vezes por semana, duas presencialmente e duas de forma remota, por e-mail, telefone ou WhatsApp, como vinha sendo até a última segunda-feira (19). Outros defensores também ficam disponíveis para o atendimento.

O atendimento remoto, garante Rogério, é feito “nos mesmos moldes de um atendimento presencial”. Os documentos são compartilhados em PDF.    

Para dar entrada nos procedimentos de alvarás e inventários, de acordo com a Defensoria, é necessário apresentar:  

  • Documentação básica do(a) falecido(a) e herdeiros;
  • Certidão de Óbito, Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), Certidão de Existência ou Inexistência de Dependentes Previdenciários do INSS e Comprovante de Saldo(s) referente(s) aos valores a serem levantados. Dependendo do objeto a ser requerido, a exemplo de carros ou motos, é necessária a documentação do veículo;
  • Comprovação de parentalidade ou da condição de matrimônio.

Serviço 

Núcleo de Atendimento e Petição Inicial 
Telefone: (85) 98895-5513 
 E-mail: napi@defensoria.ce.def.br