Lockdown vai dar certo? Especialistas explicam por que Portugal pode ser exemplo para Fortaleza

Com 10,1 milhões de habitantes, Portugal decretou lockdown desde 15 de janeiro. Em paralelo, com população de 2,6 milhões, a cidade de Fortaleza vive o momento mais crítico da doença

Escrito por Felipe Azevedo , felipe.azevedo@svm.com.br
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Legenda: Portugal está em lockdown desde o dia 15 de janeiro
Foto: AFP

Após perder o controle da pandemia no começo de 2021 e até pedir ajuda internacional para tratar seus pacientes com Covid-19, Portugal registra agora uma das mais baixas taxas de contágio da Europa, 50 dias após adotar lockdown. A eficácia da medida virou exemplo no país europeu. Do outro lado do Atlântico, para que a estratégia tenha o mesmo efeito em Fortaleza, especialistas entrevistados pelo Diário do Nordeste defendem que o isolamento social rígido precisa ser seguido à risca nos 14 dias em que estiver vigente.  

“Se tudo for seguido da mesma forma, [teremos o mesmo resultado] sim. As pessoas são vulneráveis e ponto, mas se for tudo seguido, a gente consegue as mesmas respostas de outros países”, avalia Caroline Gurgel, epidemiologista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Com 10,1 milhões de habitantes, Portugal decretou lockdown desde 15 de janeiro. Em paralelo, com população de 2,6 milhões, a cidade de Fortaleza vive o momento mais crítico da pandemia, e espera desafogar os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adotando a mesma medida.

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Efeitos 

Alguns números dão a dimensão da importância do lockdown português. Em dezembro do ano passado, morriam 100 pessoas por dia no país por Covid-19. Foram 159 mortes no dia 15 do mês seguinte, e 303 óbitos no dia 31. Já na última terça (2), os dados de ocupação hospitalar divulgados pelo governo local indicavam a menor taxa de internação em decorrência da doença em quatro meses. 

Na última quinta-feira (4), António Costa, primeiro-ministro de Portugal, pediu à população o cumprimento das restrições para que o lockdown seja suspenso de modo gradativo. 

"A ideia de que uma tragédia não se repete é falsa, pode acontecer de novo se as pessoas repetirem os mesmos comportamentos", afirmou em entrevista. 

Lockdown em Portugal pode servir como exemplo para Fortaleza
Legenda: Na terça (2), os dados de ocupação hospitalar divulgados pelo governo local, indicavam a menor taxa de internação em decorrência da doença em quatro meses.
Foto: AFP

Segunda onda 

Apelo parecido fez o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), nesta quinta-feira (5), em entrevista ao Sistema Verdes Mares. "Obedeçam ao decreto. Estamos em um isolamento social rígido, só saia de casa para situações exclusivas que o decreto permite", pediu. 

O pedido do prefeito é ancorado num dado: hoje, assim como no que foi estabelecido como a primeira onda, a Capital é novamente o epicentro da Covid no Ceará. O aumento de casos iniciado no mês de outubro evidencia a segunda fase do ciclo epidêmico. 

Segundo o gestor, somente nesta quinta-feira (4), ao menos 2 mil pessoas com sintomas de síndrome gripal procuraram os postos de saúde da Capital – tendo sido a maioria já diagnosticada pelo novo coronavírus. Normalmente, esse número não chega a mil por dia.  

Ainda que com lockdown previsto em decreto, comércio, shoppings e demais serviços não essenciais fechados até o dia 18 de março, há um prognóstico de que a procura por leitos de UTI não diminuirá tão rapidamente.  

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Legenda: O primeiro-ministro de Portugal pediu à população o cumprimento das restrições para que o lockdown seja suspenso de modo gradativo
Foto: AFP

Segundo a professora Caroline Gurgel, “quem se infectou há duas semanas vai começar a procurar hospitais agora, nas próximas semanas [a procura] vai continuar. Por mais que houvesse o toque de recolher, as pessoas saíam durante o dia. O vírus não tem hora para circular, a gente ainda vai sentir um baque grande, só vamos ver o efeito ao final de março”, ponderou. 

Variantes

Para o infectologista Lino Alexandre, duas semelhanças tornam os casos de Portugal e Fortaleza comparáveis. Uma delas é a presença de variantes, que no caso português trata-se uma cepa inicialmente detectada no Reino Unido. Na capital cearense - assim como em outras cidades brasileiras -, a variante é decorrente de Manaus, e tem capacidade maior de proliferação. Outra comparação que se pode fazer é que nos dois locais houve certo relaxamento durante as festas de fim de ano. 

“A nova variante tem uma carga viral mais alta, e uma disseminação igualmente mais rápida; por isso o número de pessoas com o vírus é maior”, explica.  

Leitos 

Reduzir a circulação de pessoas em Fortaleza, por outro lado, tem efeito imediato na ocupação dos hospitais por acidentes, por exemplo. Ainda de acordo com o prefeito, o Instituto Dr. José Frota (IJF) já registra queda na quantidade de pacientes atendidos por trauma, condição que libera mais leitos para atendimentos de infectados pelo vírus.  

O Governo do Ceará publicou, ainda quarta-feira (3), um chamamento público para a contratação imediata de estrutura de cinco hospitais de campanha. A decisão é motivada pelo agravamento da situação da pandemia no Estado, que fez o governador Camilo Santana decretar, a partir de sexta-feira (5), lockdown em Fortaleza. 

Efetividade

Lino Alexandre faz ressalvas, porém, à efetividade da política de abertura de leitos sem que haja isolamento social de fato, assim como em território português. Ao concordar com a implementação de lockdown na Capital, ele diz que “os infectologistas vêm discutindo critérios de isolamento social para não se fazer só quando surgir um grande número de infectados [...] Embora muita gente não concorde, é importante pensar uma maneira de se proteger”.   

“Nós estamos em março; e já com dificuldade de leitos", observa. "Vamos colocar quem para trabalhar nesses leitos? Temos profissionais suficientes? É uma preocupação que às vezes não está no olhar da população. Temos que perguntar: o que fazer para não precisar de tantos leitos assim?”, questiona o especialista.

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