Voo da morte: como está o processo do duplo homicídio de 'Gegê' e 'Paca' após cinco anos do crime
No início deste mês de fevereiro, a Justiça abriu vista para que o Ministério Público do Ceará (MPCE) e as defesas apresentassem as alegações finais no prazo de 20 dias
O atentado cinematográfico que resultou nas mortes de duas lideranças de uma facção paulista completa cinco anos nesta quarta-feira (15). No dia 15 de fevereiro de 2018, as autoridades se depararam com os corpos de Rogério Jeremias de Simone, o 'Gegê do Mangue', e Fabiano Alves de Souza, o 'Paca', na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O caso foi tratado inicialmente como achado de cadáveres sem identificação. No entanto, dias depois, os parentes reconheceram os corpos e a Polícia começava a obter as primeiras informações sobre a estadia da 'cúpula do crime organizado' no Ceará.
Passados 1.825 dias das mortes, o processo principal acerca do duplo homicídio se aproxima de oito mil páginas. Um dos acusados, o piloto Felipe Ramos Morais está solto, outros em unidades de Segurança Máxima e foram encerradas as instruções do processo principal e dos processos desmembrados.
No último dia 2 de fevereiro, a Justiça abriu vista para que o Ministério Público do Ceará (MPCE) e as defesas apresentassem as alegações finais no prazo de 20 dias. Após os posicionamentos é vez dos colegiado de juízes da Vara Única Criminal de Aquiraz decidir ou não pela pronúncia dos réus.
OS PROCESSOS
Além do processo principal, existem desmembramentos em relação a dois acusados: Gilberto Aparecido dos Santos, o 'Fuminho', e Tiago Lourenço de Sá Lima, conhecido como 'Tiririca'. De acordo com o colegiado, os desmembramentos foram mantidos "buscando a celeridade nas oitivas das testemunhas apontadas como indispensáveis pelas defesas dos referidos réus".
Nessas demais ações, também foram concluídas oitivas das testemunhas e interrogatórios dos acusados.
[ATUALIZAÇÃO às 14h11]
Após publicação da reportagem, o TJCE respondeu que "todos os processos, o principal e os desmembrados, atualmente, com prazo para que o Ministério Público apresente as alegações finais. Ao término desse prazo, em meados de março, iniciará o prazo para que as defesas também apresentem suas alegações finais"
"É um trabalho denso para o Colegiado de Juízes e para a Secretaria da Vara, visto que se tratam de cinco ações penais, cada uma com mais de sete mil páginas, além de aproximadamente 45 processos incidentais, dos quais 20 estão em tramitação. São processos com uma matéria delicada, relevante, que possui muitos documentos importantes e de repercussão nacional. São 10 acusados, dos quais três permanecem foragidos e um está em liberdade, encontrando-se os presos em diversas penitenciárias do país. Foram realizadas 19 audiências, sendo necessária logística complexa para a realização de cada uma, visto que é necessária disponibilidade simultânea de sala de audiência em cada unidade prisional, assim como das 26 testemunhas e interrogatórios ouvidos e dos advogados de defesa. Ressalta-se ainda que no decorrer da marcha processual, houve a digitalização de todos os autos e a incidência da pandemia da Covid 19. Todos os atos judiciais são decididos por meio de reuniões dos membros do Colegiado de Juízes, observando-se sempre o devido processo legal e o direito de defesa dos acusados", disse o Tribunal.
O MP apresentou denúncia acerca do caso no dia 7 de agosto de 2018 e a Justiça recebeu a acusação no dia 17 de agosto do mesmo ano.
A ação penal envolve 10 réus:
-
Gilberto Aparecido dos Santos, o 'Fuminho'
-
André Luís da Costa Lopes, o 'Andrezinho da Baixada';
-
Carlenilto Pereira Maltas
-
Felipe Ramos Morais
-
Jefte Ferreira Santos
-
Erick Machado Santos
-
Ronaldo Pereira Costa
-
Tiago Lourenço de Sá Lima
-
Renato Oliveira Mota
-
Maria Jussara da Conceição Ferreira Santos
O 11º suspeito de envolvimento nos crimes, Vagner Ferreira da Silva, o 'Cabelo Duro' - que teria organizado o grupo para cometer os assassinatos (a mando de 'Fuminho') - foi morto com tiros de fuzil, em São Paulo, poucos dias após o duplo homicídio no Ceará.
"PERIGO E ESTRESSE"
Em abril de 2021, o TJCE mandou soltar o piloto Felipe. Na época, o Poder Judiciário cearense considerou o quadro de saúde debilitado do acusado - que utilizava um balão intragástrico que já explodiu - para conceder a liberdade provisória. Além disso, o piloto perdeu mais de 30 kg na prisão, por fazer greve de fome, utilizar medicamentos controlados e até tentar suicídio duas vezes.
Veja também
A defesa do piloto tenta reaver o passaporte dele. A reportagem teve acesso a uma recente decisão do relator desembargador, Francisco Eduardo Torquato Scorsafava, indeferindo o pedido de liminar.
Os advogados de Felipe pediram a devolução do documento, alegando que "nos 21 meses em que o paciente se encontra em liberdade, ele não se ausentou nenhuma vez de qualquer ato do processo de origem" e que "o cumprimento de pena por parte do paciente no país eleva o risco de vida de forma drástica, além do que, há contradição entre duas autoridades policiais federais, sendo que um concede saída do país por razão de segurança e outro extrapola suas funções, colocando a vida do paciente em risco".
A defesa alega "recomendação do psiquiatra que o paciente executasse uma viagem familiar, saísse do estado constante de perigo e estresse em que vive no Brasil, e para aproveitar o resto de vida que possui o pai".
O magistrado ponderou que neste momento do processo não há requisitos autorizadores para deferir a medida de urgência: "Mostra-se imprescindível uma análise mais aprofundada dos elementos de convicção constantes dos autos para se aferir a existência do alegado constrangimento ilegal", podendo reavaliar após parecer da Procuradoria Geral de Justiça.
Felipe sustenta que não sabia que 'Gegê' e 'Paca' seriam executados. Ele disse que só participou do voo depois de ser sequestrado e torturado um mês antes do duplo assassinato. Felipe firmou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. As informações repassadas por ele resultaram em várias operações contra a facção paulista.
O piloto afirmou que também fez um acordo nos mesmos moldes com o Ministério Público do Ceará. Em troca de não ser denunciado pelo duplo homicídio, ele deu informações importantes sobre o crime, como onde estava a aeronave utilizada nas execuções e também sobre a participação de cada um dos integrantes do griupo. Uma minuta do acordo chegou a ser confeccionada, mas o MP sustenta que a delação não foi homologada. Já Felipe diz ter sido enganado e espera que o acordo seja cumprido.
Em seu depoimento no processo que apura o duplo homicídio, Felipe reiterou que o acordo com o MPCE foi firmado e não cumprido pelas autoridades. O MPCE nega as acusações do piloto e diz que nunca foi assinado nenhum acordo.
Um delegado da Polícia Federal, chefe da força-tarefa da PF no Ceará em 2018, prestou depoimento no processo que apura as mortes de Gegê e Paca no mesmo dia em que Felipe foi solto. Ele confirmou que esteve presente em oitivas de Felipe Ramos na Superintendência do órgão no Ceará na presença de membros do MPCE e da Polícia Civil, o que para a defesa de Felipe confirmaria o acordo.
MORTES
O ataque aconteceu com uso de uma aeronave e teve entre os cenários uma reserva indígena em Aquiraz. As execuções ocorridas no dia 15 de fevereiro de 2018 também explicitaram o que a Segurança Pública do Ceará dizia não saber: membros da cúpula de organizações criminosas com atuação nacional e também internacional residiam e lavavam dinheiro no Estado, há vários meses.
'Gegê do Mangue' e 'Paca', embarcaram na aeronave em companhia de 'velhos conhecidos'. Ali, não imaginavam que aqueles eram seus últimos instantes vivos.
Nos dias seguintes aos assassinatos, um bilhete apreendido por agentes na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior paulista, começava a revelar que o crime era premeditado e tinha um porquê.
"Ontem, fomos chamados em umas ideias, aonde nosso irmão Cabelo Duro deixou nois ciente que o Fuminho mandou matar o GG e o Paka. Inclusive, o irmão Cabelo Duro e mais alguns irmãos são prova que os irmãos estavam roubando (sic)", dizia o bilhete.
De acordo com entrevistas concedidas pelo promotor do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya, a dupla foi morta a mando da cúpula da facção paulista. Indícios que Rogério Jeremias e Fabiano roubaram a própria organização desviando milhões provenientes do tráfico de cocaína foram suficientes para desfazer a aliança e resultar nas mortes, deixando assim lição aos demais faccionados.
LAVAGEM DE DINHEIRO
A estadia de 'Gegê' e 'Paca' no Ceará ainda contou com lavagem de dinheiro. No fim do ano passado, três empresários acusados pelo crime foram condenados pela Justiça Federal e outros quatro réus absolvidos.
Foram condenados ao total de 18 anos de prisão: Francisco Cavalcante Cidrão Filho,José Cavalcante Cidrão e Fernando Soares Farias. Eles teriam comprado bens milionários no Ceará para lavar dinheiro dos chefes da facção criminosa paulista.
O juiz também decretou a perda de quatro imóveis e de seis veículos luxuosos, avaliados em mais de R$ 9,6 milhões, em favor da União.
Os absolvidos por este crime são: João Eudes Alves de Aragão, João Bruno Rocha Aragão, Rodrigo de Andrade Gomes e Magda Enoé Freitas.