Morte de jovem negro na ‘Babilônia’ durante intervenção policial reabre discussão sobre ações letais

Família do adolescente de 15 anos pede Justiça. Já a SSPDS diz que os militares foram recebidos a tiros e revidaram. Controladoria apura na seara disciplinar

Escrito por Redação , seguranca@svm.com.br
Segundo parentes de Rudson, o adolescente foi ao local para um campeonato de sinuca
Legenda: Segundo parentes de Rudson, o adolescente foi ao local para um campeonato de sinuca
Foto: Leábem Monteiro

Um disparo fatal, embaixo do peito esquerdo. Ao ser atingido na Comunidade ‘Babilônia’, no bairro Barroso, em Fortaleza, o adolescente Francisco Rudson Paulino dos Santos, 15, entrou para as estatísticas de mortes por intervenção policial no Estado do Ceará. A ocorrência registrada na madrugada de segunda-feira (22) mostra, mais uma vez, que o assassinato de jovens negros em periferias não são casos isolados.

Conforme a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), só em janeiro deste ano foram 20 mortes elencadas como em decorrência de ação da Polícia. Em janeiro de 2020 eram oito registros. O comparativo entre os períodos indica aumento de 150%. Os dados deste mês de fevereiro devem ser divulgados até a segunda semana do mês de março.

Rudson não foi o primeiro adolescente vítima de intervenção policial na ‘Babilônia’. Em janeiro de 2018, o secretário da Segurança Pública do Ceará, à época André Costa, declarou que a implantação de policiamento de aproximação na comunidade era uma ação definitiva e “parte de um projeto maior de Uniseg dentro do Ceará Pacífico”. No mês seguinte, uma tragédia durante ação de PMs.

Emerson Alves Feitosa, de 16 anos, morreu e outros dois adolescentes foram baleados em um caso que de início foi tratado como intervenção policial. No entanto, 11 policiais militares foram indiciados como suspeitos de homicídio. Três anos depois, ainda não houve julgamento.

Para o sociólogo e membro do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), Luiz Fábio Paiva, a perpetuação de erros nas ações dos agentes da Segurança Pública, quando são tiradas vidas de jovens, é evidência de uma Polícia que não consegue enfrentar a criminalidade e, quando atua, age com violência contra quem não é protagonista das dinâmicas criminais.

“São vítimas de ações equivocadas, vítimas do próprio racismo interno nas forças policiais que trabalha com a incriminação precoce de jovens negros na periferia. Temos uma fartura de testemunhos que relatam ações arbitrárias da Polícia, casos de tiros nas costas, sem que esses jovens apresentassem nenhuma resistência. Enfrentar a criminalidade violenta não é justificativa para morte arbitrária de jovens negros. Há uma incapacidade de responsabilizar policiais que usam da sua posição para cometer crimes”, disse o estudioso.

Escute a opinião do especialista:

Versões

De acordo com a família de Rudson, ele não tinha envolvimento com o crime, trabalhava em uma gráfica com o irmão e foi até a Babilônia com os amigos assistir a um campeonato de sinuca. Testemunhas afirmam que por volta das 2h30 a Polícia Militar chegou ao local para tentar dispersar a aglomeração. Em instantes, a truculência tomou conta da ação.

“Quando a Polícia chegou foi colocando todo mundo na parede e dando busca de arma. Pessoal começou a gritar e eles atiraram com tiro de borracha. Mandaram que quem não morasse lá fosse embora. Rudson saiu com três amigos dele e correram quando ouviram os tiros de borracha. Quando eles correram, a Polícia correu atrás. Então a Polícia atirou sem saber em quem ia pegar. Atiraram bastante. Um tiro atingiu embaixo do peito esquerdo dele. Socorreram. Levaram até uma UPA, o médico lá disse que era caso grave e transferiram para o IJF. Fez a cirurgia, mas não resistiu”, disse uma das parentes do adolescente de 15 anos.

Outro familiar corrobora a versão que a atuação dos PMs se deu com emprego da violência: “Espancaram e mandaram correr. Ele queria escapar para não ser morto. A família clama por justiça. Tacaram tijolada na cabeça dos meninos que estavam com ele. Forjaram que eles estavam com droga. Ele não era nenhum vagabundo, era uma criança. Quando matam um policial, logo eles encontram o bandido. E agora, vão achar quem matou ele?”, questiona.

Demais parentes ouvidos pela reportagem, que também terão suas identidades preservadas, destacam que pelo fato de morar em uma periferia não significa ser um criminoso. “Não é todo mundo na Babilônia que é vagabundo. Quando chegam aqui é para acabar com as famílias. Foi uma ação exagerada e se as autoridades não mudarem isso vão continuar matando cidadãos”, disseram.

Em contrapartida, conforme a SSPDS, equipes da Polícia Militar foram acionadas para atender a ocorrência de disparos de arma de fogo na comunidade, e quando chegaram ao endereço, teriam sido recebidas a tiros e revidaram. Na versão da Secretaria, o adolescente foi encontrado baleado dentro de uma casa em construção, e socorrido pelos agentes.

“Na ocasião, um revólver calibre 32 e munições foram apreendidos durante a ocorrência. O caso foi apresentado ao plantão da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), onde um ato infracional análogo ao crime de tentativa de homicídio contra os policiais foi lavrado em desfavor do adolescente. Ainda durante a ofensiva, dois adultos foram conduzidos para a DCA e ouvidos em um inquérito para aprofundamento das investigações. Um simulacro de arma de fogo e trouxinhas de maconha e cocaína foram apreendidos. A Polícia Civil investiga os fatos”, segundo trecho da nota enviada pela Secretaria da Segurança.

Sobre a participação dos militares na ocorrência, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) disse ter determinado a imediata apuração dos fatos na seara administrativa disciplinar. Não foram divulgados os nomes dos agentes que participaram das diligências.

Protesto

Por conta da morte de Francisco Rudson, moradores organizaram horas depois um protesto e clamaram por justiça. Eles exibiram cartazes e queimaram objetos. O tráfego no local ficou impossibilitado.
A SSPDS informou que equipes do 19º Batalhão de Polícia Militar do Ceará (PMCE) e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE) foram acionadas devido à manifestação. Os bombeiros debelaram as chamas no local e não houve feridos. Durante as diligências, os policiais apreenderam um galão contendo material inflamável.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados