Influenciadora relata transfobia e intolerância religiosa em consulta em UPA de Fortaleza

"Deus vai amar você, mas vai amar sua prática?", questionou médico no atendimento, antes de começar a falar mal da religião umbanda

(Atualizado às 20:23)
Fotos de influenciadora trans que foi alvo de transfobia e intolerância religiosa em UPA de Fortaleza
Legenda: Raya foi procurar atendimento médico, mas relata que foi alvo de comentários preconceituosos
Foto: Reprodução/Instagram

A influenciadora Raya Carvalho dos Santos, mais conhecida como Raya Costta, denunciou ter sido vítima de transfobia e intolerância religiosa, nesta semana, ao realizar uma consulta de urgência numa unidade de saúde pública de Fortaleza. No atendimento, o médico teria questionado o fato de ela ser uma mulher trans e umbandista. A jovem notificou as autoridades sobre o caso, e a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) informou em nota que investiga o caso. 

Após três dias com crise de soluço, a nail designer e criadora de conteúdo, de 20 anos, decidiu procurar auxílio na última segunda-feira (23). No entanto, ao ser atendida na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Messejana, foi surpreendida quando foi tratada pelo gênero masculino. "E ai, rapaz", teria cumprimentado o profissional.

Em seguida, o homem questionou sobre o nome da paciente, mesmo tendo acesso à informação no prontuário, já que ela retificou o mesmo na identidade há dois anos.

Este é o segundo caso de transfobia registrado nesta semana em Fortaleza. A cabeleireira e Top Trans Miss Brasil 2022, Alessandra Oliveira, denunciou uma funcionária de um supermercado no bairro Varjota, que a constrangeu ao perguntar a outra pessoa qual seria sua identidade de gênero. Um Boletim de Ocorrência (BO) foi registrado sobre o caso na Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação (Decrim).

Veja a denúncia: 

"Ver que ele tava duvidando do meu nome me deu uma angústia, a que já sinto normalmente todas às vezes que alguém me pergunta pelo meu 'nome morto', se sou homem ou mulher e que faz um comentário transfóbico comigo", detalha ao Diário do Nordeste, mencionado o termo usado para referir-se ao antigo nome de registro de uma pessoa transgênero ou não binária.

A influenciadora gravou o ocorrido, pois havia entrado no consultório com o celular ativado para registrar a consulta. O objetivo era posteriormente mostrar o vídeo à mãe, que, segundo ela, foi impedida de estar presente durante o atendimento, mesmo sendo algo permitido pela lei n.º 14.737/23

Sobre esse impedimento, a UPA de Messejana disse que "cumpre a Lei nº 19.649/2018, que assegura às pessoas transexuais e travestis o direito à identificação pelo nome social no âmbito da administração pública, bem como a Lei nº 14.737/2023, que garante às mulheres o direito de serem acompanhadas por pessoa maior de idade durante o atendimento em unidades de saúde". 

Veja também

Polícia Civil investiga transfobia 

Em nota, a PCCE informou que investiga a transfobia por meio da Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin), que realiza diligências para "elucidar o caso". 

Segundo a corporação, "o fato foi informado por meio de um Boletim de Ocorrência (BO) registrado nessa terça-feira (24)". "Vou entregar os vídeos para a Justiça para que possam decidir o que vai acontecer com ele. Comigo mentalmente eu já estou resolvida", indicou Raya ao Diário do Nordeste. 

A UPA de Messejana informou que ainda não foi oficialmente notificada sobre o caso, mas disse que "repudia veementemente qualquer ato de discriminação, incluindo manifestações de transfobia ou intolerância religiosa". A unidade indicou ainda que tem compromisso com o respeito à dignidade e aos direitos humanos dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) 

Sobre a denúncia, a gestão da UPA disse que está à disposição da paciente, e orientou ainda que seja feita uma denúncia formal à Ouvidoria da UPA de Messejana. 

'Deus vai amar você, mas vai amar sua prática?'

No vídeo que mostra o início da consulta é possível ouvir o médico dizer que está "confuso com a sexualidade e o sexo" da jovem. Quando ela responde que é uma mulher trans, o profissional a questiona: "Deus vai amar você, mas vai amar sua prática?". 

Ele pergunta ainda se ela já procurou ajuda psicológica "para se aceitar" e diz que ela precisa: "'Tá bom de ir pra psicóloga para você aceitar suas coisas. A pessoa pensa que é só dizer que é trans, homossexual e bissexual, e depois não aceita e fica com depressão, angústia e ansiedade". 

Durante a consulta, o médico seguiu proferindo ofensas transfóbicas, segundo Raya, e começou a criticar a umbanda, religião da jovem. 

"Eu atendi um rapaz que ele esta 'junto' com um macumbeiro. Seis meses ele era homem, seis meses ele era mulher. [....] ele disse que não podia ouvir a voz de Deus. [...] eles não querem que ninguém escute a palavra de Deus, querem esse pacto a favor das entidades", dispara o homem. 

O profissional ainda disse que uma vez outra pessoa da religião foi se consultar com guias no pescoço (itens usados para que os religiosos se conectem com as entidades e recebem proteção), e ele "mandou tirar" e "fez uma oração nele". 

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