'Fábrica dos Sonhos': como funcionava o esquema para criar contas bancárias e aplicar golpes no CE

Sete pessoas foram indiciadas, denunciadas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) e se tornaram réus na Justiça

Escrito por
Emanoela Campelo de Melo emanoela.campelo@svm.com.br
(Atualizado às 15:32, em 23 de Setembro de 2024)
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Legenda: O relatório final do caso ficou a cargo da DDF
Foto: Divulgação/PCCE

Um esquema criminoso que envolvia de empresários a carteiros dos Correios para a criação de contas bancárias e emissões de cartões de créditos foi desarticulado pela Polícia Civil do Ceará (PCCE). A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a documentos da investigação do caso que resultou na deflagração da operação 'Fábrica dos Sonhos'.

Sete pessoas foram indiciadas, denunciadas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) e se tornaram réus após juízes da Vara de Delitos de Organizações Criminosas - Fortaleza aceitarem a acusação. A grandiosidade do esquema veio à tona após, pelo menos, dois anos de investigação. A principal vítima é o Banco do Brasil. Já entre as pessoas físicas que tiveram cartões de crédito emitidos e utilizados sem autorização no seu nome, está até mesmo uma delegada da PCCE.

São acusados por formar organização criminosa para a prática de estelionato e falsificação de documento público e corrupção ativa: Carlos Augusto Braga Barbosa; Marcos André Chaves da Costa, o 'El patron'; Francisco André da Silva Cruz; Thales de Araújo Rocha, o 'Show' e Francisco Geovanne da Silva Ferreira.

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Também estão como réus no processo: Raimundo Nonato Pinheiro da Silva e Darlônia Brito dos Santos. Estes, segundo a acusação, por ceder suas contas bancárias para a prática ilegal.

Francisco André, Carlos Augusto e Thales de Araújo foram presos quando, em junho deste ano, foi deflagrada a operação policial. Conforme o relatório, ao fim da investigação, loja de carros de luxo em Fortaleza chegou a ser usada para a movimentação do dinheiro de origem de prática criminosa.

Foram apreendidos carros de luxo, como uma BMW X6 e um Jeep Commander. Ainda dentre os itens apreendidos estão joias e relógios de marcas luxuosas, como Rolex e Tag Heuer.

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Legenda: Trecho de uma das conversas entre os acusados
Foto: Reprodução/Arquivo

O QUE AS DEFESAS DIZEM

O advogado Waldyr Santos, da defesa de Marcos André afirma que "na ótica da defesa esta ação penal não poderá prosperar visto que para uma pessoa ser processada é imprescindível seguir os procedimentos dispostos no código de processo penal e a defesa observou que em relação ao assistido Marcos André não foi observado o procedimento de compartilhamento de provas, dentre outras situações que geraram vícios ao processo, o que ao final ocasionará a improcedência da ação penal".

Em nota, os advogados de Thales dizem que ele é o único acusado que foi solto, por decisão da Justiça, mediante a um habeas corpus: "a defesa técnica de Thales de Araújo Rocha, capitaneada pelos Drs. Lucas Muniz, Ailson Silveira e Rafael Freitas, informa que seu constituinte irá provar sua inocência em relação as acusações feitas pelo Ministério Público durante a instrução criminal, momento cabível para a produção de provas. Registre-se, por fim, que o Sr. Thales está absolutamente à disposição do Poder Judiciário para elucidação dos fatos narrados na denúncia".

Já o advogado Pedro Henrique da Cunha Frota, que representa o acusado Carlos Augusto, diz que " ao final da instrução, a defesa acredita que a denúncia será julgada improcedente, considerando que os fatos apontados já estão sendo analisados em outro procedimento em trâmite perante a Comarca de Itapipoca, não sendo possível que o acusado responda duas vezes a mesma acusação".

As demais defesas não foram localizadas.

COMO O ESQUEMA FUNCIONAVA

Segundo os investigadores, o esquema acontecia com características de "sofisticação" e o "grupo corrompia funcionário dos Correios".

"A sofisticação a que nos referimos consiste na utilização de softwares capazes de burlar sistemas de segurança bancários onde um único notebook é capaz de abrir centenas de contas-correntes".

Tudo começou em agosto de 2022, quando a Delegacia de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro deflagrou "a denominada Operação Hidra nos municípios de Fortaleza, Itapipoca e Caucaia. O consequente desdobramento da investigação nos permitiu conhecer a existência de um grupo dedicado ao cometimento de delitos de natureza semelhante à daqueles investigados em sede dos procedimentos que ensejaram a aludida operação", disse a Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF) em relatório assinado em junho deste ano.

"Em síntese, a fraude ocorre na abertura da denominada ‘conta fácil’, cujo processo de abertura dispensa o pretenso cliente da obrigação de comparecer à agência bancária, sendo o ato substituído por uma selfie (autorretrato), de modo que se confirme que o documento apresentado pertença, de fato, ao interessado. A sofisticação da fraude, que cada vez mais se torna de difícil captação pelos sistemas de segurança bancários"

A DDF traz detalhes no relatório de como o esquema acontecia, incluindo prints de conversas, como de Carlos Augusto e Marcos Costa com fotografias de dois notebooks e na foto a legenda 'fábrica dos sonhos', "em alusão à prática criminosa de abertura massiva de contas correntes".

Há ainda nas conversas envios de diversos comprovantes de transferências bancárias, "fruto da obtenção de vantagem indevida através dos cartões de créditos fraudulentos, a exemplo do cartão de crédito em nome de Regina, vítima da empreitada criminosa, com limite de R$ 83.130,00".

FUNÇÕES DELIMITADAS

A investigação aponta que a associação criminosa era encabeçada por Carlos Augusto e Marcos Costa. "Embora a solicitação dos cartões ocorra em meio digital, ainda há a necessidade de um endereço físico existente para que o cadastro seja aprovado na instituição financeira e, na sequência, o cartão físico seja enviado através dos correios". A logística do envio "complexa e que envolve riscos", segundo a Polícia, ficava principalmente a cargo de Thales.

Thales se valia de um endereço de loja de acessórios de celular, no Centro de Fortaleza, como ponto central para recebimento dos cartões

"O fornecimento de endereços 'quentes', ou seja, com viabilidade de recebimento através dos Correios não é exclusividade de Thales Rocha. Todos os investigados fornecem endereços entre si, mas Thales, vulgo 'Show', aparece como o que mais tem contatos disponíveis para receber cartões, tanto que chegou a se desentender com Carlos Augusto, pois este entrou em contato diretamente com os seus contatos"
DDF/PCCE - relatório final

MAIS SOBRE OS ACUSADOS:

  • Carlos Augusto Braga Barbosa (anteriormente tornozelado, já trabalhou com celular e foi estagiário no escritório de uma advogada que é investigada por integrar organização criminosa, nega ter solicitado cartões fraudulentos no Banco do Brasil)
  • Francisco André da Silva Cruz (teria recebido R$ 100 para cada cartão que recebesse em endereço informado por ele)
  • Thales de Araújo Rocha, o 'Show' (ostentando nas redes sociais, diz que trabalha no ramo dos celulares e quando ouvido na delegacia permaneceu em silêncio)
  • Marcos André Chaves da Costa, o 'El Patron', apontado como um dos líderes do esquema
  • Francisco Geovanne da Silva Ferreira (coletava os cartões nos endereços fornecidos por Thales, diz que trabalhava de motoboy para Thales)

Consta no relatório final que a conduta de Francisco André era reiterada, porque em maio de 2021 ele chegou a ser abordado por policiais militares enquanto estava em posse de nove cartões de crédito em nomes de terceiros.

LAVAGEM DE DINHEIRO

No decorrer da investigação, a Polícia identificou ainda a prática de lavagem de dinheiro. "A solicitação em larga escala de cartões de crédito fraudulentos reclama aos criminosos a necessidade de uso imediato desse mesmos cartões e a consequente transferência dos valores para contas seguras, a fim de se garantir a obtenção da consequente vantagem ilícita" e "o volume de dinheiro movimentado pelos investigados vindica esforços para conferir-lhe aparência lícita. E os investigados assim o fazem, seja pela aquisição de bens, seja pela utilização de Pessoas Jurídicas".

Quando cumpridos os mandados de busca e apreensão nos endereços dos investigados, os policiais também encontraram cheques em branco assinados por um empresário, contratos de compra e venda de veículos e chaves e documentos de imóveis do denunciado Marcos Costa.

Para as autoridades, ficou "caracterizado o tipo penal de branqueamento de capitais, vez que os recursos ilícitos são reintroduzidos na economia de forma aparentemente lícita".

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