'Descaso com a vida’, diz vítima de complicações por cirurgia realizada por médico investigado

O cirurgião plástico Dalvo Neto é alvo de inquérito policial por lesão corporal. SBCP-CE diz que erros podem acontecer

Escrito por Lívia Carvalho ,
Legenda: Médico nega as acusações e alega que as complicações foram por falta de cuidado das pacientes
Foto: Reprodução/TV Globo

“É muito triste saber o descaso com vidas de mulheres que sofrem com danos estéticos, psicológicos e financeiros”. O depoimento é de Joyce Kelly de Aguiar, uma das mulheres que denunciam o médico cirurgião plástico cearense Dalvo Neto, sobre nota emitida pela regional cearense da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).    

As denúncias vieram à tona na última semana e dezenas de mulheres o acusam de negligência na conduta, por lesão corporal e deformações após procedimentos estéticos realizados como prótese de silicone e lipoaspiração.  

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O posicionamento emitido pela entidade afirma que o médico "seguiu todas as etapas de formação da nossa sociedade médica" e que ele é membro da entidade. Ainda de acordo com a SBCP-CE, complicações podem acontecer em qualquer procedimento, seja cirúrgico ou não. 

Na nota, a entidade também apontou que as reportagens “não conseguem mostrar os detalhes necessários para o julgamento completo de um caso. Reforçamos a importância de que a melhor forma e análise dos casos seja feita pela Justiça e os Conselhos Regional e Federal de Medicina”. 

"Todas as vezes em que ele erra, coloca a culpa na paciente e ainda cobra a cirurgia reparadora. Não há orientações sobre o pós-cirúrgico, trata como algo simples. A nota é realmente uma vergonha. Só mostra, infelizmente, um certo corporativismo e a influência do médico em manipular os fatos”.
Joyce Kelly de Aguiar

Joyce realizou com o médico abdominoplastia, lipoenxertia, prótese de silicone, lipo de papada, nos braços e coxas. Além de ter ficado com os braços deformados, parte da barriga dela sofreu infecções profundas e necroses.  

‘Espero que os traumas passem’ 

Jordana de Oliveira Pontes é outra que denuncia a má conduta do profissional. Ela realizou em maio de 2021 uma cirurgia de lipoescultura, lipoenxertia e prótese de silicone, mas até hoje vive as consequências do procedimento.  

“Gastei quase R$ 90 mil apenas para sobreviver, tive que ficar várias horas no oxigênio e fazer transfusão sanguínea, porque o buraco que ficou na minha barriga foi muito profundo. Hoje, sofro com dores e problemas intestinais”.
Jornada de Oliveira Pontes

Além dos problemas físicos e psicológicos, Jordana, que tinha uma empresa de material hospitalar, foi à falência e vive, atualmente, na casa do irmão.  

Sobre a nota ela disse se sentir desacreditada. “Como me sinto até hoje, porque é muito fácil dizer que ‘pelo menos está viva’, mas ninguém viu o buraco que ficou na minha barriga quase vendo o intestino. Tomo remédios pra depressão, não tenho mais uma vida normal”. 

De acordo com Jordana, há mais de 30 mulheres que relatam ter tido complicações após realizarem procedimentos cirúrgicos com Dalvo Neto.  

Acusação contesta nota  

A advogada Katarina Brazil, que deu início ao inquérito policial, representa três das vítimas que denunciam o médico e garante que há provas suficientes que atestam a responsabilidade do cirurgião bem como afasta a possibilidade de que as complicações foram por culpa das pacientes.  

"Não são denúncias vagas. Nós já temos perícias, relatos, provas testemunhais que atestam que essa tese não tem condições de se sustentar. Uma coisa é ter complicações, uma paciente desobedecer ou violar as regras, mas pelo conjunto probatório que as clientes não tinham nem acesso a ele e outras provas materiais comprovam que não foi por falta de cuidado da paciente”, explica.  

De acordo com a advogada, as perícias ainda comprovaram que Dalvo Neto usa uma “técnica agressiva e pouco eficaz”. “Não são apenas deformidades físicas, mas também consequências psíquicas, são mulheres que foram procurá-lo para recuperar a autoestima e acabaram mutiladas”, diz.  

Para Katarina Brazil, a nota emitida pela SBCP-CE isenta os profissionais e dá “licença para que lesionem corpos”.  

A advogada destaca que o Direito brasileiro preconiza que, no caso da especialidade de cirurgia plástica, o médico tem responsabilidade de resultado e não de meio, ou seja, é preciso garantir que haja um fim definido e que, se o resultado não for cumprido, o cirurgião pode ser responsabilizado.  

Sindicato dos jornalistas se posiciona 

Para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), contudo, "a nota emitida lança ilações sobre o trabalho da imprensa na cobertura do caso". Nessa quinta-feira (14), o Sindjorce criticou, por meio de nota, o posicionamento da SBCP.  

“Na matéria jornalística, foi garantido o direito ao contraditório, como preconiza a ética jornalística. O médico foi ouvido, teve a oportunidade de se explicar sobre as afirmações das pacientes, levando ao público todas as informações pertinentes ao caso”.  

“Portanto, é leviana a crítica à conduta profissional dos jornalistas e dos veículos de comunicação, até aqui guiada pela ética e organizada dentro dos preceitos que organizam o jornalismo, a saber: dedicação honesta à realidade objetiva dos fatos e dispostos numa exposição responsável, no seu devido contexto, destacando as suas relações essenciais”, acrescentam. 

Procurada pela reportagem desde o último sábado (16) para comentar as novas acusações contra o doutor Dalvo Neto e a nota publicada em conjunto pelo Sindjorce e pela FENAJ, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica não foi localizada.

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