Caso Zara: procurador-geral do MP se opõe a acordo para ex-gerente réu por racismo contra delegada

Caso acusação e defesa entrassem em acordo, o processo criminal poderia ser "substituído" por outras formas de reparação dos danos causados a partir do delito

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
zara
Legenda: Bruno foi indiciado pela Polícia em outubro de 2021.
Foto: Reprodução

A Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Ceará (MPCE) é contra ofertar Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ao ex-gerente de uma das lojas Zara, em Fortaleza, Bruno Filipe Simões Antonio. O posicionamento do MP foi enviado ao Judiciário nessa quarta-feira (5), dois dias após o Diário do Nordeste publicar reportagem sobre a possibilidade do benefício ao ex-gerente.

Bruno Filipe é réu por racismo. A vítima do caso que tramita na Justiça é a delegada da Polícia Civil do Ceará, Ana Paula Barroso. A policial entrou na loja, na noite de 14 de setembro de 2021, com um sorvete na mão. O então gerente se dirigiu até ela para pedir para ela se retirar do estabelecimento.

O procurador-geral Manuel Pinheiro Freitas ratificou o entendimento firmado pela 93ª Promotoria de Justiça de Fortaleza (13ª Promotoria Criminal), que não cabe acordo ao caso. Após o posicionamento dessa quarta-feira (5), o MP pede que os autos retornem ao juízo de origem.

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Para Leandro Vasques e Afonso Belarmino, advogados da vítima e assistente de acusação, “a posição do Ministério Público, nesse caso específico, está de acordo com o recentíssimo entendimento do Supremo Tribunal Federal de que o acordo de não persecução penal não abarca os crimes raciais, pois tal instituto despenalizador não pode contrariar a Constituição e o compromisso assumido pelo Estado brasileiro, no âmbito internacional, para a garantia do direito fundamental à não discriminação. Também não se trata de uma recusa genérica e abstrata, pois, além do entendimento consolidado do STF e dos Ministério Públicos Estaduais e da União, tanto a Promotora de Justiça titular da ação penal quanto o Procurador-Geral de Justiça consideraram elementos específicos do caso concreto para o não oferecimento do ANPP”.

leandro vasques
Legenda: Advogado criminalista Leandro Vasques

ENTENDA O PROCESSO

No último dia 13 de março, a juíza da 14ª Vara Criminal determinou que a Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público do Ceará (MPCE) enviasse novo parecer confirmando ou revendo o entendimento do titular do MP da Vara que não ofereceu proposta no caso.

Caso acusação e defesa entrassem em acordo, o processo criminal poderia ser "substituído" por outras formas de reparação dos danos causados a partir do delito.

Manuel Pinheiro Freitas alegou que o ANPP "não se revela como direito subjetivo do indiciado" e que "dada a gravidade da conduta, o legislador constituinte atribuiu à prática do racismo a condição de crime inafiançável e imprescritível".

Manuel Pinheiro Freitas
Legenda: Procurador Geral de Justiça Manuel Pinheiro Freitas
Foto: Thiago Gadelha

"No caso dos autos, percebemos o interesse do indiciado em celebrar o ANPP, bem assim a prática de infração com pena mínima inferior a 4 anos, cometida sem violência ou grave ameaça. No entanto, com acerto, entendeu a nobre Promotora de Justiça que o ANPP não pode ser ofertado no presente caso, uma vez que, tendo em vista a gravidade da conduta apresentada, não se mostra suficiente a sua prevenção e reprovação.

De acordo com os autos, o denunciado, na qualidade de gerente da loja Zara, impediu o ingresso de Ana Paula Silva Santos Barroso no referido estabelecimento comercial, motivado pelas características raciais da vítima"

MPCE

VÍDEOS DIVULGADOS PELA POLÍCIA CIVIL MOSTRAM O EPISÓDIO:

Na versão de Bruno Filipe e da loja Zara, Ana Paula foi impedida de permanecer no local porque estava com a máscara abaixo do queixo, o que não era permitido por prevenção ao contágio por Covid-19. Entretanto, o gerente atendeu normalmente uma cliente branca pouco antes de expulsar a delegada, negra.

Bruno foi indiciado pela Polícia em outubro de 2021. Na época, o então delegado geral, Sérgio Pereira, revelou que testemunhas (entre ex e atuais funcionários da Zara) relataram, durante a investigação, que a marca tinha o código "Zara zerou". 

O código era disparado no alto-falante da loja quando entrava um cliente fora do padrão desejado pela loja, o que poderia colocar a segurança em risco. Conforme as investigações, eram alvos do alerta "Zara zerou" pessoas negras e julgadas como "mal vestidas".

Para o Ministério Público, ao se negar a atender ou receber a vítima, não houve outra razão fundamentada que não fossem as próprias características físicas dela. "Diante de todos os elementos juntados aos autos, nota-se a prática de crime resultante de discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia com latente diferenciação de tratamento entre clientes do estabelecimento comercial", disse o órgão acusatório, na denúncia.

 

 

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