Policiais presos na Operação Gênesis apreenderam veículo e droga para exigir R$ 10 mil de traficante

Policiais civis e militares se associavam a traficantes para "caçar" recompensas financeiras, a partir da extorsão a outros criminosos

Policiais civis e militares se associavam a traficantes para "caçar" recompensas financeiras, a partir da extorsão a outros criminosos. Foi o que demonstrou a Operação Gênesis, deflagrada pelo Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), no último dia 16 de setembro. Em um dos episódios, os policiais apreenderam um veículo e a droga de um traficante do bairro Montese, em Fortaleza, para exigir o pagamento de R$ 10 mil.

O sigilo foi levantado do processo pela Justiça Estadual na última sexta-feira (18). De acordo com a denúncia do Gaeco, um dos 11 casos de extorsão aconteceu entre 14 de setembro e 24 de outubro de 2016. A organização criminosa reteve um carro e uma certa quantidade de entorpecente de um traficante para extorqui-lo. Se o pagamento não fosse efetuado, ele seria preso.

Em conversas interceptadas por autorização da Justiça, o policial civil aposentado e considerado o líder do grupo criminoso, Valberto Evangelista da Costa, liga para o traficante às 10h51 daquele dia 14 de setembro e pergunta "Deu certo?". "Tá dando certo, que tenho só um pouquinho de calma que vai dar certo", responde.

Em seguida, o traficante esclarece que "está dependendo de algumas pessoas, que tem só uma parte junto, mas vai dá logo todo. Que queria arrumar hoje ainda, só que não tem todo, mas já tá uma parte engatilhada". Valberto indaga se o homem quer "fechar logo os dez", mas ele afirma que prefere pagar uma quantia parcelada.

Entra em cena o sargento da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Paulo Rogério Bezerra do Nascimento, para cobrar "agilidade" do traficante, que pergunta que "se na hora que ele pegar os cinco (mil reais), se ligar, Rogério devolve o carro e eles se acertam o restante depois". Rogério diz "com certeza". Então, o traficante questiona se o PM "devolve o negócio da droga". Entretanto, o militar revela que "tem que apreender, que vai fazer a apreensão e devolve só o carro".

Mais de um mês depois, no dia 19 de outubro, Paulo Rogério cobra de novo o traficante, que alega que já pagou R$ 4,5 mil e colocou um terreno à venda para pagar o resto. O policial militar reclama que sabe que o homem continua a vender drogas e quer o restante. Depois, Rogério liga para um ex-PM, Fabiano Gomes de Brito, fala sobre a demora do pagamento do traficante e conclui: "Esse negócio de que tá vendendo terreno. Macho, aqui ninguém tá comprando terreno, não. Aqui você fez um acordo. Ou você cumpre ou então a gente deixa pra lá e você já sabe como é".

Por fim, às 18h07 do dia 24 de outubro de 2016, o traficante volta a falar com Rogério e diz que está se sentindo ameaçado e perseguido. O homem afirma ainda que, se o PM quer que ele consiga o dinheiro, que deixe ele trabalhar e que irá pagar R$ 500 todos os sábados, até completar o valor cobrado.

Operação realizou prisões de policiais civis e militares

A Operação Gênesis cumpriu 17 mandados de prisão preventiva, contra nove PMs, três policiais civis da ativa, um policial civil aposentado e cinco traficantes. O grupo atuava na Capital e na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), com extorsão de traficantes médios e pequenos e agiotas.

As informações sobre os alvos eram levantadas pelos traficantes da organização criminosa e pelos policiais, às vezes com uso do sistema da Polícia. E os PMs realizavam as abordagens no exercício da função pública, com a viatura policial, para dar ares de legalidade, segundo o Gaeco.

A denúncia já foi aceita pelas varas de Delitos de Organizações Criminosas e da Auditoria Militar do Ceará, e os acusados se tornaram réus, pelos crimes de extorsão, comércio ilegal de arma de fogo e organização criminosa, conforme a participação individual.

Defesa

O advogado Kaio Castro, coordenador jurídico do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Ceará, afirmou que os fatos apurados são frágeis e as interceptações telefônicas são antigas e foram tiradas de contexto. Disse ainda que as prisões preventivas “são excessivas”. Sobre as acusações contra o policial civil aposentado Valberto Costa, Kaio Castro disse que “foram utilizados trechos específicos (da interceptação telefônica) que serão explicados no momento processual oportuno, pois até hoje ele sequer foi ouvido e não tivemos acesso a integralidade da interceptação”.

A defesa de Fabiano Brito, patrocinada pelo advogado Gílson Alves, foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta matéria. Já os advogados do PM Paulo Rogério não foram localizados.