Sítio da Índia atrai estudantes e turistas à cidade de Quixadá

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Redação producaodiario@svm.com.br
O legado deixado pelo artista Alberto Porfírio poderá virar ruínas por falta de verba para sua preservação

Quixadá. As habilidades manuais e o talento literário de Alberto Porfírio, um escultor, xilógrafo e poeta popular nascido às vésperas do natal de 1926, em Quixadá, são inquestionáveis para quem conhece suas obras. Ao longo dos anos ele foi, literalmente, esculpindo sua arte nas muralhas naturais de sua terra natal. O recanto predileto ganhou o título de Sítio da Índia.

Localizado numa das muitas e imensas formações rochosas espalhadas pela cidade, no bairro São João, se transformou em mais uma atração para estudantes e turistas. As visitas são constantes, mas o lugar poderá virar ruínas se não receber incentivos para sua preservação. O alerta é feito pela sobrinha do mestre Alberto Porfírio, Maria Genézia da Silva Lima.


Quem já teve a oportunidade de visitar o sitio reconhece a beleza do lugar. Das esculturas da escritora Rachel de Queiroz, aos poemas em letras de cimento realçado nas rochas, a arte se mistura à natureza FOTO: ALEX PIMENTEL

Ela se tornou uma espécie de curadora do acervo do tio. A esposa e os filhos de Alberto Porfírio moram em Fortaleza e em outros estados. Com a morte dele, Maria Genézia assumiu naturalmente o ofício de cuidar do sítio e das obras deixadas por ele. Mas hoje, com 74 anos, ela conta apenas com o auxílio do filho mais novo, Francisco Alveno, de 16 anos.

Visitações

Juntos, recebem as caravanas das escolas da região e de lugares mais distantes. É preciso tomar cuidado para não danificar as esculturas, não arrancar letras das poesias e nem sujar o lugar. Apenas com o dinheiro da aposentadoria dela não dá para pagar os serviços de manutenção. Além disso, após a recepção, muitos nem agradecem, quanto mais deixar um pouquinho para ajudar nas despesas com a limpeza e preservação do espaço cultural.

Nem por isso mãe e filho desistem, recebem todos com simpatia e atenção. Entretanto, como Alveno é muito tímido, é Maria Genézia quem orienta o público na maioria das vezes. O filho está concluindo o ensino médio.

Como o tio-avô, adora língua portuguesa. O jovem exercita sua caligrafia contando a história do Sítio da Índia. Nas horas livres apronta dezenas de manuscritos em páginas de caderno. O material é distribuído gratuitamente entre os visitantes.

De acordo com Maria Genézia, essa história começou após insistentes convites ao tio, para visitá-la. Ainda moço, ele havia viajado para Fortaleza, onde passou a morar pelo resto da sua vida. Mas nunca esqueceu suas raízes. Aceitou o convite e, quando se deparou com a paisagem do quintal, declarou: "Esse aqui é o meu lugar".

Logo, muitas ideais fervilharam na cabeça do artista. E ali, nos fundos da casa da sobrinha, foi esculpindo caprichosamente seu acervo. A primeira escultura foi a da índia, mas Alberto Porfírio precisava de um lugar para repouso. Juntos, levantaram a Casinha Branca e, ao lado dela, a Galeria de Arte.

A inquietude do artista, em deixar para a posteridade o seu legado cultural, atraía a curiosidade da vizinhança. Ele não perdia a oportunidade de voltar a sua terra natal e continuar o seu conjunto de obras. A amiga Rachel de Queiroz, Padre Cícero, a Virgem Peregrina, a ema, o pastor e sua ovelha e até o ídolo Bebeto, ex-jogador de futebol.

Quem já teve a oportunidade de visitar o sítio reconhece que o lugar é interessante. Das esculturas de Rachel de Queiroz, aos poemas em letras de cimento realçados nas rochas, a arte se funde à natureza. Aliás, uma das preocupações de Alberto Porfirio era com a preservação do meio ambiente. A escultura inacabada está trancada na galeria.

Museu

A residência de Maria Genézia, herdada dos pais, continua humilde e rústica. Pouca coisa mudou, ela apenas vendeu parte da pequena propriedade para o tio, pela importância de R$ 60 mil contos de reis, quando ele se apaixonou pelo lugar. Acredita ter feito a sua parte, acolhendo e garantindo o espaço ao tio.

Segundo Genézia, apesar do pouco contato com os parentes, uma filha de Alberto Porfírio, a advogada Sílvia Helena, demonstra interesse em transformar o Sítio da Índia em um museu, desejo do pai.

Será uma forma de valorizar e expor o talento de um artista genuinamente da terra. Afinal, os dois maiores nomes das artes mais lembrados em Quixadá, Rachel de Queiroz e Cego Aderaldo, nasceram noutras cidades, lembra a anfitriã.

Esforço

A ex-presidente da Fundação Cultural de Quixadá, Sandra Venâncio, concorda com Maria Genézia. Apenas os professores se esforçam em não deixar a arte de Alberto Porfírio cair no esquecimento. O lugar não está no mapa de atrações turísticas da cidade. Não possui nenhuma placa de identificação, e precisa de mais cuidados. Quando esteve à frente da Fundação, se esforçou na elaboração de um projeto, de restauro do sítio.

Todavia, a burocracia e as muitas exigências dos órgãos públicos ligados à cultura entravaram a proposta que visa a preservação do lugar. Mas ainda há esperança. Em breve, uma caravana da Associação das Famílias e Amigos de Quixadá (Afaq) retornará ao Município de Quixadá, para a inauguração de outros monumentos. O Sítio da Índia estará no roteiro, será a oportunidade para muitos conterrâneos conhecerem um pouco da história de Alberto Porfírio.

Mais informações:
Sítio da Índia
Rua Argentina, 127
Quixadá/CE
Telefone: (88) 9430.7697

Mestre tem destaque nacional

Quixadá Encontrar volumes da enciclopédia francesa Delta Larousse nos dias de hoje não é tarefa fácil. Mas, na coletânea publicada no início da década de 1960, considerada uma das melhores obras do gênero, o nome do artista Alberto Porfírio não foi esquecido. Com orgulho, a façanha de estar entre os maiores personagens do País na edição especial só é percebida na contracapa de algumas obras literárias do "Mestre Porfírio", como ainda é carinhosamente tratado pelos amigos e admiradores.


Alberto Porfírio desenvolveu sua leitura e escrita por meio de cordéis, passando a ser respeitado por todos que o rodeava. O artista, que faleceu em setembro de 2009, aos 83 anos, foi autor de quase 100 folhetos e poemas

Mais recentemente, em 2010, a Secretaria de Cultura do Ceará também reconheceu seu valor no cenário cultural do Estado. Sua autobiografia foi publicada na série Luz do Ceará. Na sinopse da publicação especial, Orlando Queiroz, responsável pela edição, Arievaldo Viana, pelo esboço biográfico, e Raymundo Netto, pela coordenação editorial destacam: Biografia descrita por Alberto Porfírio de forma original e criativa, contando a sua vida, na maioria das vezes, por meio da poesia.

Memórias

O texto desfila, segundo o autor, de 1926 a 2006. Alberto Porfírio da Silva faleceu um ano antes da publicação, no dia 23 de setembro de 2009. Aos 83 anos, foi vitima de insuficiência respiratória ocasionada por silicose, um tipo de fibrose pulmonar. A doença surgiu em razão do constante contato com o cimento, produzindo suas esculturas. Deixou sete filhos, 20 netos e dez bisnetos.

Alberto Porfírio nasceu em Quixadá, no dia 23 de dezembro de 1926. Mas o seu talento começou a ser notado somente na capital cearense, para onde se mudou ainda moço. Com a seca de 1942, em plena II Grande Guerra, partiu, com a viola e cantoria, para ganhar a vida. Porém, alistou-se como "soldado da borracha", desistindo pouco antes da partida. O navio que levou os demais companheiros foi torpedeado e todos foram mortos, conta em sua autobiografia.

Já com idade avançada, aprendeu a ler e a escrever. Ele desenvolveu sua leitura por meio de cordéis de Leandro Gomes de Barros, João Martins de Ataíde, Luís da Costa Pinheiro e outros. Passou a ser respeitado no meio da cantoria e do cordel. Pelo conjunto de suas obras é considerado um dos expoentes da poesia popular cearense. Foi autor de quase uma centena de folhetos e também de poemas.

Entre os mais conhecidos estão "Porque não aprendi a ler", "No tempo da lamparina", "Eu gostei mais foi do cão", "Cantiga da Dorinha" e "A estátua de Jorge". Também escreveu "Poetas populares e cantadores do Ceará", e sobre as noites de viola na Casa de Juvenal Galeno.

Seu último livro foi "Os cem sonetos". A publicação também foi lançada em Quixadá, no ano de 2008, na Fundação Cultural Rachel de Queiroz. Conhecido também por sua sabedoria e intelectualidade, Alberto Porfírio foi o primeiro cantador de viola natural de Quixadá, inspirando vários poetas dessa arte.

Reconhecimento

Como cantador-repentista, recebeu das mãos da Condessa Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, uma menção honrosa especial. Ministrou curso de cantoria pelo rádio. Dedicado e determinado, formou-se e tornou-se professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), segundo a historiadora Irisdalva Almeida, mais conhecida por Dadá, à época responsável pela Fundação Cultural.

Ainda conforme Dadá, Alberto Porfírio foi considerado também o mestre da segunda arte por suas esculturas em argamassa espalhadas por vários Estados brasileiros. Dentre suas obras destaca-se a escultura do poeta popular Cego Aderaldo, exposta no terminal rodoviário de Quixadá. Seu busto encontra-se na "Casa do cantador" em Fortaleza. Outra escultura, "O cantador anônimo", está em Brasília. Hoje é símbolo da cidade Ceilândia, no Distrito Federal.

Acervo

36 é o número conhecido de esculturas produzidas por Alberto Porfírio ao longo de sua vida. No total,172 folhetos estão entre as obras literárias do artista

Mais informações:
Fundação Cultural de Quixadá
Praça da Cultura, Centro
Quixadá/CE
Telefone:
(88) 3414.4681


ALEX PIMENTEL
COLABORADOR