Sem sinal da Cruz nem unção individual: pandemia modifica ritos católicos da quarta-feira de cinzas
A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos da Santa Sé determinou mudanças nos ritos e, com isso, especialista sugere novos desafios impostos à Igreja
Quando a aposentada Maria Dulcinéia, de 71 anos, foi a primeira vez à Igreja no ano de 1969, na cidade de Saboeiro, no Sertão dos Inhamuns, não passava por sua cabeça que um dia as missas seriam canceladas por medidas sanitárias e alguns dos mais tradicionais ritos católicos alterados por igual razão.
Amanhã (17), devido à pandemia do novo coronavírus que ainda avança de forma célere e perigosa, a celebração da Quarta-feira de Cinzas, data em que marca o início da Quaresma, será diferente.
“Eu já perdi as contas de quantos anos seguidos vou à Igreja e recebo as cinzas em forma de Sinal da Cruz”, rememora Dona Dulce, que hoje reside em Quixadá, no Sertão Central.
Neste ano, porém, o rito foi modificado por orientação papal. A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos da Santa Sé, no Vaticano, determinou que as cinzas sejam depositadas por sobre a cabeça dos fiéis, em silêncio, sem ser proferida a frase da unção individual. Desta vez, ela será dita apenas uma única vez, de modo geral, no altar, longe dos fiéis.
Novos arranjos
Para o padre João Batista Moreira, pároco da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Iguatu, a mudança não representa uma ruptura da tradição. O sacerdote avalia que “a simbologia do ato estará presente nas diferentes formas, seja no Sinal da Cruz ou no depósito das cinzas por sobre a cabeça dos fiéis, como, inclusive, alguns padres já vinham realizando”. Para ele, "essa alteração não trará impactos".
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O sociólogo e professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Emanuel Freitas da Silva, diverge. Ele considera que a avaliação deve ser realizada de forma mais profunda e observando os possíveis impactos no futuro.
Para ele, as últimas mudanças de rituais ocasionadas pelo advento da pandemia – como foi a realização da Semana Santa do ano passado exclusivamente de forma virtual e o cancelamento de importantes manifestações católicas, como as romarias – podem acarretar o afastamento do católico, fenômeno que ele chama de “desraizamento”.
“Essa nova realidade pode trazer prejuízos no que diz respeito a dispersão de fiéis, que já era algo próprio do catolicismo, e com a pandemia pode ter se agravado”, detalha.
Adaptação
Emanuel, contudo, avalia positivamente as decisões da Igreja Católica “que denotam profunda harmonia com a ciência” mesmo em detrimento desse possível êxodo católico.
“Em nenhum momento a Igreja adotou postura negacionista na pandemia. Ela tem sempre seguido as orientações da ciência o que é muito importante do atual contexto. Dito isso, obviamente a Igreja precisa se adaptar a essa nova mobilidade de contato [muitas vezes virtual] que atinge inicialmente os mais novos que foram socializados nessa cultura digital".
Maria Dulcinéia é uma das que apresentam certa resistência nesse novo arranjo.
"Sou de família tradicionalmente católica. Entendo o momento difícil da pandemia, mas nada como sentar na Igreja e acompanhar a missa presencialmente. Claro que eu tive que me resguardar, inclusive no ano passado fui a poucas missas e acompanhei a maioria pelo rádio, mas sinto muita falta", externa a aposentada.
Relatos como este, segundo o pesquisador de Religião e Política, Emanuel Freitas, não são isolados. "É normal que os mais velhos, que não são tão adaptados com essa fé digital sofram maior resistência. Daí o esforço duplo: dos fiéis e do próprio Clero católico para essa adaptação".
Pós-pandemia
Padre João Batista Moreira e o sociólogo Emanuel Freitas têm opiniões convergentes quanto ao futuro. Ambos ressaltam que, no período pós-pandêmico, será necessária uma forte intervenção da Igreja Católica. "Incentivar a volta dos fiéis que podem ter perdido o costume”, pontua o pároco. "Será preciso um trabalho de captura, de reabsorção desses fiéis que já tinham essa tendência de dispersão antes da pandemia", acrescenta Freitas.
Nesse contexto, o sociólogo avalia a importância da atuação dos padres midiáticos "como Reginaldo Manzzoti, Fábio de Melo e Marcelo Rossi". Para o estudioso, é possível extrair "frutos" deste período em que o virtual adotou papel protagonista.
"É possível que essa modalidade virtal se estabeleça. Esses padres midiáticos têm criado essa fidelidade virtual. Eles têm produzido um modo de produção católico interessante e isso pode se aprofundar", concluiu o sociólogo.
Programação Quarta-feira de Cinzas
As missas seguem com limitação de público, reduzido a 50% da capacidade e distanciamento dos fiéis entre os bancos. Em Iguatu, na região Centro-Sul do Estado, serão três missas na Igreja Matriz (6h, 17h e 19h) e três na Catedral de São José (8h, 18h e 20h).
Em Juazeiro do Norte, na região do Cariri, serão quatro missas (6h, 9h, 12h e 19h) na Basílica Santuário Nossa Senhora; duas (7h e 16h) na Capela Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; e uma missa na Capela Santa Clara (19h) e outra na São João Batista (17h).