Kit Covid: venda de remédios sem comprovação para combater coronavírus tem aumento no Ceará

Conselho Federal de Farmácia observa com preocupação a aquisição de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina. Especialistas alertam que o uso diferente da finalidade recomendada pode causar prejuízos à saúde

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(Atualizado às 16:04, em 16 de Fevereiro de 2021)
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Foto: AFP

Medicamentos receitados contra a malária, vermes e parasitas tiveram altas expressivas nas vendas no Ceará, ao longo de 2020, de acordo com levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF). O motivo: a eles são creditados benefícios no tratamento precoce contra a Covid-19, mesmo sem qualquer base científica comprovando a eficácia das substâncias para esse propósito. “Não há um medicamento capaz de curar as pessoas da infecção pelo SARS-Cov-2 e suas possíveis variantes”, alerta o Conselho.

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O maior incremento no Estado ocorreu com a ivermectina, fármaco aplicado em infestações por piolhos e sarna, cujas vendas aumentaram 408% entre 2019 e 2020. Se, no ano anterior, pouco mais de 400 mil unidades foram vendidas no Estado, no ano passado, elas saltaram para mais de 2 milhões.

Já o sulfato de hidroxicloroquina passou de 29,5 mil unidades vendidas em 2019 para 51,8 mil em 2020, um aumento de 75%, segundo o CFF. O medicamento é recomendado por médicos para tratamento de doenças como artrite reumatoide, lúpus e malária.

Desde o ano passado, o uso da ivermectina e da hidroxicloroquina - parte do chamado “Kit Covid”, junto com azitromicina, paracetamol e dipirona - é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes do Governo Federal como medida para prevenir o coronavírus de forma precoce.

O conselheiro do CFF pelo Ceará, Egberto Feitosa, conta que o órgão vê “com muita preocupação” a alta nas vendas dessas substâncias, que precisam passar por uma avaliação do profissional prescritor e também do profissional farmacêutico no momento da sua dispensação. 

“São medicamentos que têm efeitos colaterais conhecidos, têm reações adversas conhecidas, e a população fica exposta no momento em que usa esses medicamentos de uma forma que não é permitida, para outro objetivo”, explica o farmacêutico.

O uso precoce desses remédios acende um alerta para os perigos da automedicação, que também é desaconselhada pelo Conselho Federal de Farmácia. O problema mais imediato se manifesta em possíveis efeitos colaterais, sejam eles mais leves ou mais graves, como problemas cardíacos e intoxicações por excesso de alguns componentes ou suplementos.

“O remédio não deixa de ser uma substância química exógena ao organismo, que, se utilizada de forma errada, vai trazer efeitos contrários”, destaca Feitosa. Segundo ele, os medicamentos também podem causar problemas muito graves ao fígado, levando à perda da função hepática, em graus mais elevados.“Daqui a um ano ou dois, as pessoas vão começar a sentir o efeito desse mau uso”, pondera.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a compra de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e nitazoxanida - antiparasitário cuja venda cresceu 15% no Ceará - em farmácias e drogarias só pode ocorrer com a apresentação de receita médica em duas vias, devendo a primeira ser retida no estabelecimento. Cada receita tem validade de 30 dias, a partir da data de emissão, e pode ser utilizada apenas uma vez.

Precocidade

Ainda no ano passado, circularam informações de que o colecalciferol (vitamina D3) seria uma estratégia de otimização de imunidade frente ao novo coronavírus, mesmo sem indicação aprovada para isso. Como resultado, no Ceará, as vendas do produto cresceram 77% em relação a 2019, aumentando de 567.451 para 1.002.912 unidades vendidas entre os dois anos.

O ácido ascórbico (vitamina C) também teve aumento de 69% nas vendas. Outros medicamentos propagados pelo “Kit Covid”, o paracetamol e a dipirona tiveram crescimento de 36% e 27%, respectivamente. O CFF reforça que “alguns medicamentos disponíveis atualmente são indicados para tratar sinais e sintomas da doença, porém, somente devem ser usados sob a prescrição e a supervisão médicas”.

O médico emergencista Khalil Feitosa percebe que os profissionais da saúde foram aprendendo a lidar com a doença ao longo dos meses da pandemia, mas reitera que as decisões precisam ser baseadas em evidências seguras.

Uma das drogas que auxiliou na redução de internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e da mortalidade, segundo ele, foi o corticoide dexametasona, cujas vendas nas farmácias cresceram 13% no Ceará, no ano passado.

“Ele é indicado para pacientes com sinais de gravidade em regime hospitalar. Não tem indicação de você usar de uma forma precoce em casa”, garante o médico.

“Em casos de utilização em uma fase inadequada da doença, ele pode facilitar o desenvolvimento de forma grave e até levar a um desfecho pior”, complementa. O CFF alerta que todos os medicamentos podem gerar efeitos adversos e que os riscos são ainda maiores para os medicamentos sem prescrição médica.

Desinformação

Em nota publicada no fim de janeiro, a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) reforçam que a disseminação de fake news sobre medicamentos também prejudica o combate à pandemia.

“A desinformação dos negacionistas que são contra as vacinas e contra as medidas preventivas cientificamente comprovadas só piora a devastadora situação da pandemia em nosso País. As melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no ‘tratamento precoce’ para a Covid-19 até o presente momento”, destaca o documento divulgado.