Projeto no Sertão cearense é eleito um dos 10 mais inovadores do BR

O 'Caminhos da Resiliência' atua desde 2017 com 830 pescadores artesanais com objetivo de fomentar o protagonismo comunitário e incentivar lideranças locais, principalmente femininas. Cem iniciativas de todo o País concorreram

Escrito por Rodrigo Rodrigues , rodrigo.rodrigues@svm.com.br
Cáritas
Legenda: Famílias tradicionais tiram seu sustento do Açude Flor do Campo, em Novo Oriente.
Foto: CÁRITAS DIOCESANA DE CRATEÚS

O projeto 'Caminhos da Resiliência' desenvolve, há três anos, trabalhos de formação e orientação jurídica com 830 pescadores e pescadoras artesanais nos sertões de Crateús e Inhamuns, no Ceará. São trabalhos locais que buscam resolver problemas concretos nas 12 cidades atendidas pela iniciativa.

Fruto do reconhecimento, o projeto, organizado pela Cáritas Diocesana de Crateús, foi selecionado como uma das 10 soluções mais inovadoras do País em 2020, pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a 'Agenda 2030', coordenado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e financiado pela União Europeia.

Neste ano, cerca de 100 iniciativas de todo o Brasil participaram da seleção.

Caminhos da Resiliência

Desde o início do período de atuação do Projeto, os resultados são diversificados. Pescadores e pescadoras atendidos conseguiram inserção nas feiras da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária em âmbito Municipal, Estadual e Nacional, fortalecendo, assim, a comercialização do pescado.

Além disso, 45 demandas sociais e ambientais já foram negociadas pelo Projeto que promove o diálogo entre o poder público e as comunidades nas chamadas "mesas de negociação".

Dentre as demandas atendidas, por exemplo, está a de Ipaporanga. "Conseguimos atendimento odontológico específico para pescadores", cita Adriano Leitão, coordenador de Projetos Sociais da Cáritas em Crateús. Ele destaca ainda as cestas básicas conquistadas em Novo Oriente e a conquista de um prédio público que estava abandonado naquele Município e foi cedido à colônia de pescadores.

"Tínhamos um cenário de pescadores e pescadoras de açudes que encontravam-se invisíveis, sem acesso às políticas públicas, além da invisibilidade do papel da mulher", acrescenta Adriano.

"Ajudante não"

Um dos caminhos para esses avanços é a inserção do protagonismo feminino. Ao todo, 148 pescadoras ingressaram como sócias nas colônias e associações, no período - 18 em cargos de gestão. Embora ainda tímido, este cenário era inimaginável até pouco tempo.

"Ajudante não, companheira de trabalho", conta hoje Joelma Ferreira, 45, quando perguntada qual sua profissão. Pescadora desde criança, a moradora de Independência ganhou novas perspectivas ao entrar no Projeto, em 2017.

"Foi onde a mulher conseguiu se abrir, conversar sobre suas necessidades. Quando a gente dizia que pescava, as pessoas olhavam com o olho torto. O projeto veio dizer que nós, mulheres, somos capazes. Eu pesco, trato e vendo. Faço tudo", conta, orgulhosa.

A pescadora analisa que, com as atividades do projeto - formações e oficinas, os maridos também passaram a entender e valorizar o papel feminino na atividade.

Hoje a renda mensal (um salário mínimo) da família - dela, do esposo e filho -, vem quase que integralmente da atividade, realizada no açude Barra Velha e Jaburu II. Na pandemia, a pescadora passou a se reinventar e ofertar pratos elaborados a partir das oficinas no Caminhos.

"Estou fazendo hambúrguer, linguiça e bolinha de peixe. Não só aprendi, como também ensinei".

Todos esses avanços foram identificados e reconhecidos pelo IDS. "Vimos no projeto uma capacidade muito grande de transformar a realidade local onde ela está inserida, envolvendo diversos atores. Temos muitas comunidades pesqueiras no Brasil que poderiam se inspirar nessa solução", ressalta Carolina Mattar, coordenadora executiva do IDS e cofacilitadora do GT.

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