Penitente tem vida reclusa

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Alheio às religiões oficiais, penitente no Crato vive sozinho na zona rural do Município, professando a própria fé

Crato. Há 38 anos, o agricultor Francisco de Assis Guedes, conhecido por "Assisão", abandonou a mulher e as duas filhas para viver exclusivamente da penitência. Vestido num hábito franciscano, ele se isolou nas proximidades do Sítio Caldeirão, a 25km da sede deste Município, e permanece até hoje, próximo à área que, em 1936, foi palco de movimento popular religioso liderado beato José Lourenço.

Ao contrário dos penitentes tradicionais, que se reúnem em grupos para purgar seus pecados, Assisão preferiu o isolamento, a solidão de uma casa de taipa construída por ele no meio da mata no Sítio Gerais.

Só sai de lá para cumprir penitências, carregando uma cruz, ou pagando promessas nas estradas do Cariri, ou no caminho de Canindé, ou Recife, onde está o túmulo de Frei Damião, o frade capuchinho que, segundo afirma, o convenceu a deixar os prazeres mundanos para se transformar num "pagador de promessas". O hábito marrom é costurado, à mão, pelo próprio penitente.

A sua opção pela vida reclusa não o afastou do trabalho na agricultura. Todos os anos, ele planta sua roça no Assentamento 10 de Abril. A diferença é que ele não participa do trabalho comunitário com os outros assentados. É um trabalho solitário que faz parte de suas orações. Diz que, no cultivo da terra, retira a sua sobrevivência material e espiritual.

Da mesma forma com que mendiga nas estradas "o pão de cada dia", Assisão distribui os donativos com os pobres, num total desprendimento dos bens materiais. Ele diz ter convicção de estar no caminho certo, apontado por Frei Damião. Porém, o pagador de promessas parece apresentar comportamentos que podem indicar algum transtorno mental ou possível caso de paranormalidade.

Ele diz conversar com os mortos. Assisão garante que já se encontrou com os integrantes da banda "Mamonas Assassinas", que morreram em 1996, vítimas de um acidente aéreo. O encontro teria ocorrido numa casa em ruínas no meio do mato, conforme conta.

Também diz já ter se encontrado com o beato José Lourenço, quando dormia dentro da capela construída pelo líder religioso no Sítio Caldeirão. Estas visões, segundo o reitor do Santuário de São Francisco, frei Barbosa, podem ser atribuídas a paranormalidade, fenômeno estranho ao conhecimento científico.

Esta semana, a reportagem encontrou Assisão nas ruas do Crato. Ele estava a caminho da rodoviária, a fim de comprar uma passagem para ir a Canindé pagar uma promessa de uma amiga que, ao invés de pagar a promessa pela graça alcançada, resolveu "contratá-lo" para o serviço.

A terceirização da promessa é vista com naturalidade por Assisão. Ele explica que já cumpriu esta missão várias vezes. "Geralmente, eu pago promessas de pessoas que morreram sem cumprir a sua penitência". Ao fazer esta observação, ele esclarece que esta é a primeira vez que substitui uma pessoa viva.

A Igreja Católica não recomenda este tipo de penitência. A orientação é no sentido de que o sacrifício seja substituído pelo jejum, abstinência de comer carne, ou prestação de serviços à comunidade.

Missionário da fé

Na região do Cariri, as ordens dos penitentes surgiram por volta de 1860, época de fome e peste, incentivadas pelo Padre Ibiapina, um sacerdote que trocou os cargos de advogado, juiz e deputado federal para se transformar num missionário da fé.

Mesmo vivendo só, como ermitão sertanejo, Assis Guedes faz parte de uma leva de homens simples e abnegados que defendem as tradições de uma religiosidade extremamente ortodoxa, muito mais que uma mera profissão de fé. É como uma extensão da sua própria razão de viver. Os pagadores de promessas continuam presentes nas estradas, professando a sua própria religião.

ANTÔNIO VICELMO
REPÓRTER