Licor artesanal de Viçosa do Ceará aquece turismo na Serra da Ibiapaba

Na Casa dos Licores, o visitante experimenta diversos sabores da bebida em uma "bodega" à moda antiga

Escrito por Marcelino Júnior - Colaborador ,
Legenda: Enquanto as bebidas, expostas numa mesa em garrafas de formatos diversos, vão sendo degustadas, com geleias e biscoitos da região, a anfitriã conta a história, com zelo e nostalgia
Foto: Fotos: Marcelino Júnior

Viçosa do Ceará. Visitar a Casa dos Licores, neste Município da Serra da Ibiapaba, uma das cidades turísticas mais procuradas do Estado, é uma verdadeira viagem ao passado. Não apenas por conhecer a história de vida do casal, Alfredo Carneiro de Miranda e Tereza Mapurunga Miranda, que iniciou a atividade para sustentar a família, nos idos de 1957, mas também, por aprender os segredos da arte de fazer licor de sabores variados, herdada dos portugueses que se instalaram na região.

Quem recebe o visitante, com um largo e afetuoso sorriso, é a filha mais velha, Tereza Cristina. Enquanto as bebidas, expostas numa mesa em garrafas de formatos diversos, vão sendo degustadas, juntamente com geleias e biscoitos da região, a anfitriã segue com sua história, recontada com zelo e um certo ar de nostalgia; afinal, ela passou a participar da feitura do licor, mesmo por brincadeira, ainda, aos cinco anos de idade, "segurando o funil para envasar a bebida, como brincava meu pai", conta ela.

Início

Logo ao casar, Alfredo e Tereza foram morar no novo lar, onde mantinham uma bodega, comércio de variedades de pequeno porte para o atendimento da clientela local. Alguns anos depois, Alfredo foi acometido de tuberculose, que o fez se afastar das atividades de comerciante. Tendo que tocar os negócios sozinha para sustentar as duas primeiras filhas, dos sete filhos, dona Tereza foi para a cozinha exercitar uma prática comum da sociedade da época: fazer seu próprio licor, a bebida utilizada pelas famílias nos encontros sociais, ou apenas para degustação, antes, ou após as refeições.

De acordo com Tereza Cristina, o casal abriu, em 1960, a Casa dos Licores, "com o intuito, não só de sustento da nossa família, mas o de levar adiante um pouco do conhecimento que meus pais tinham sobre essa bebida, introduzida na nossa região pelos portugueses", diz orgulhosa.

Sabores

Com o tempo e o aprimoramento da técnica na filtragem, na colocação do açúcar e manutenção dos ingredientes durante a feitura da bebida, os sabores foram sendo variados, fugindo dos frutosos, da época colonial, como jenipapo, abacaxi, tangerina e maracujá, chegando aos 82 sabores expostos atualmente para experimentação.

"Os licores são classificados como reconstituintes, relaxantes e muito digestivos. Os franceses recomendam tomar após as refeições, seguido de uma boa conversa. Já, os portugueses, dizem que devem ser tomados a qualquer hora", ensina Tereza, reafirmando a força desse tipo de bebida na região, feita da tradicional cachaça serrana, que dá um ar mais histórico e cultural ao destilado.

Preparo

Como é feito em grande quantidade, para ser distribuído em garrafas menores, ao preparar o licor, Tereza utiliza um garrafão, de vidro ou plástico, com 5 litros de aguardente aquecida, com graduação alcoólica numa média de 30%. Antigamente, o processo era feito em tonéis de madeira, que acabavam por interferir no sabor e coloração da bebida.

No recipiente, é colocada uma substância aromática, que pode ser fruta ou erva, ocupando todo o espaço. A mistura descansa por cerca de seis meses, em lugar seco e ventilado para, assim, absorver a cor característica e o cheiro do material utilizado. O detalhe é utilizar, na mistura, a parte aromática da erva ou fruta, como por exemplo a casca, no caso dos cítricos, onde se concentra o cheiro.

Após seis meses, a cachaça é separada do restante dos ingredientes e misturada num melaço resfriado, contendo um litro e meio de água e 700 gramas de açúcar, em média, para cada litro de cachaça. A dosagem do açúcar deve ser cuidadosa para que o sabor do ingrediente não fique mais forte que a fruta ou erva utilizada. A mistura, apenas de líquidos, é passada para outro recipiente, ficando ali por mais dois ou três meses, quando irá para outra vasilha, com ajuda de um filtro de papel. Só, então, estará pronta para ser envasada e comercializada. Se o licor for cremoso, como os vindos de doces, leite e chocolate, pode ser guardado na geladeira, e também utilizado como cobertura de bolos e tortas.

Legado

A Casa dos Licores, que também produz biscoitos, sequilhos, bolinhos de nata, a famosa peta (feita de goma) e geleias variadas, recebe pessoas o ano todo; mas é em janeiro, nos períodos do Carnaval, Semana Santa e férias que o movimento aumenta. "Eu acredito que esse espaço, não apenas ajuda na economia local, com a geração de emprego, mas valoriza essa tradição, que tenta permanecer viva com o passar dos anos. Meu pai faleceu em 2005, e minha mãe continua viva, mas impossibilitada de estar à frente desse trabalho. Sendo a filha mais velha, eu me emociono ao recontar a história de luta dos meus pais, que viram no licor uma forma criativa de se manterem vivos na memória da nossa cidade", diz Tereza Cristina, enquanto atende um visitante no balcão da bodega.

Visita

Vindo de Sobral, o auxiliar de biblioteca Régis Nascimento Oliveira, aproveita os últimos dias de férias para conhecer um pouco a história da Casa dos Licores e saborear as delícias alcoólicas dispostas na mesa. Apesar de já conhecer as belezas e o clima frio da cidade serrana, Régis diz que a bodega foi um dos lugares mais pitorescos que já viu.

"Eu recomendo a visita. Aqui, o turista é bem recebido e acompanha uma história de vida que emociona. Eu chorei, ao ouvir, de dona Tereza, um poema colocado num quadro de parede, que fala da relação da matriarca com a sua cozinha. Isso me recordou a minha avó. Pretendo voltar, outras vezes, e trazer meus pais para apreciarem também, os deliciosos licores", declarou, ao comprar petas e experimentar mais uma dose do licor de maçã, o seu preferido.

Mais informações:

Casa dos Licores de Viçosa

R. Francisco Caldas da Silveira, 155

Atendimento: diário

Horário: das 8h às 18h

Telefone: (88) 9 9944-0764

Enquete

O que você achou da visita à Casa dos Licores?

"Sou de Fortaleza e, sempre que venho, trago amigos que adoram o lugar porque é um passeio nas histórias do passado, dos fundadores da casa, que os filhos mantêm com orgulho. Gosto muito de comprar licor"

Rivânia Brito. Dona de casa

"Moro em Tianguá, aqui na Serra mesmo, mas não perco a oportunidade de estar, sempre que posso, aqui em Viçosa. Apreciar o licor é um dos momentos que mais gosto. Antes de comprar, experimento de tudo"

Natália Vieira Fontenele. Agente de crédito bancário