Ceará decreta estado de emergência para combater queimadas

Mais de 90% dos focos de incêndio no Estado estão concentrados no segundo semestre do ano. Mesmo faltando quatro dias para o fim do mês, o número de focos registrados em julho já é superior à média histórica

Escrito por Rodrigo Rodrigues , rodrigo.rodrigues@svm.com.br
Legenda: Vista aérea de áreas arrasadas do terreno em Parambu após queimadas. Estado está em alerta máximo
Foto: Carlos Marlon

Historicamente, o segundo semestre do ano concentra o maior número de queimadas do Ceará. Neste mês, já foram pelo menos 43 focos de incêndio, acima da média histórica para o período, de 40 registros. Os dados são do Mapa de Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Seguindo a série histórica observada no Ceará, a partir da próxima semana os números tendem a aumentar ainda mais. Em 2019, os meses de agosto a dezembro concentraram 94,4% do total de focos do respectivo ano. Em 2018, este percentual foi de 92,4% e, em 2017, de 96,1%.

Se antecipando ao cenário crítico, o governo do Estado decretou, pela primeira vez na história, estado de emergência ambiental visando o combate a incêndios florestais, principalmente em unidades de conservação. A situação extraordinária já foi avaliada em outros momentos, como em Quiterianópolis, em março deste ano, por conta das enchentes que atingiram a cidade, ou, ainda, para municípios com seca severa. No que se refere ao combate a incêndios, no entanto, é a primeira vez, destaca Leonardo Borralho, coordenador do Programa de Prevenção, Monitoramento, Controle de Queimadas e Combate aos Incêndios Florestais (Previna).

"O decreto de emergência ambiental normalmente é mais utilizado em cenários de estiagem, de escassez hídrica, e isso ajuda na captação de recursos. Tem sido feito no Nordeste e ajuda no reconhecimento de que o município necessita de ajuda. Na parte de incêndios florestais, nosso interesse maior é termos uma prerrogativa jurídica para contratar uma brigada especializada na questão da prevenção e combate aos incêndios florestais", explica.

Conforme Borralho, o decreto abre o precedente para esta contratação de pelo menos oito profissionais "através de um processo seletivo simplificado". Eles atuarão nas 28 Unidades de Conservação Estaduais - sendo duas geridas pela Universidade Regional do Cariri (Urca). "Teremos uma brigada especializada para desenvolver ações de prevenção e educação ambiental, melhorar o tempo de resposta no atendimento, combate e controle dos eventos adversos, e ainda na mitigação dos impactos ambientais dos incêndios florestais".

Segundo o especialista, a Lei Complementar 175, de 2017, que estabelece normas para o uso do fogo no Ceará, trouxe avanços na previsão da função de brigadista florestal e sua importância na defesa das matas nativas, além de penalidades administrativas específicas para alguns tipos de infração. "Esse caminho de autonomia e fortalecimento da proteção ambiental no âmbito local municipal precisa ser incentivado como forma de gerar um melhor tempo de resposta às queimadas e incêndios florestais".

Prejuízos

Em 2019, o Ceará somou o maior número de focos de incêndio desde 2016, quando foram registrados 4.316. Os impactos, ao atingir as áreas, se dão a curto, médio e longo prazo. "Em um curto prazo, temos a poluição visual. Além disso, o fogo seca o solo e destrói sementes, plantas e o local de vida de pequenos animais. Em um médio prazo, diminuiu a capacidade de produção de alimentos e, quando pensamos a longo prazo, há um aumento da área de mata de caatinga em degradação e até mesmo de desertificação", explica Eden Fernandes, zootecnista e analista de Transferência de Tecnologia na Embrapa Caprinos e Ovinos, em Sobral.

O especialista destaca que, culturalmente, temos, no Ceará, a utilização do fogo para preparo da área para plantio, o que acontece, geralmente, após o período chuvoso. No último dia 16, o Governo Federal publicou um decreto que proíbe esse uso em áreas rurais por um período de 120 dias, medida que vale para todo o território nacional e tenta frear o desmatamento em áreas da Amazônia e Cerrado, principalmente. Em 2019, o decreto foi publicado no fim de agosto com duração de 60 dias. Neste ano, medida foi decretada em julho, com o dobro do tempo.

O decreto dá autonomia aos estados para avaliarem os pedidos de emissão de autorização da 'queima controlada'. "Por precaução, a Semace (Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará) tem adotado o procedimento de suspender essas autorizações neste cenário mais crítico a fim de evitar mais riscos de ocorrência de incêndios florestais, além de orientar os usuários para evitar a prática do uso do fogo. Se alguém fizer esse uso de forma ilegal estará sujeito às penalidades administrativas", diz Borralho.

Na prática, há uma multa de R$ 1.000 por hectare ou fração atingida, além de poder ficar em reclusão de dois a quatro anos.

Objetivo

Em anos anteriores, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) tem trabalhado com a capacitação de seus próprios técnicos nas unidades de conservação para ter esse primeiro combate aos incêndios e ser complementado com a atuação do Corpo de Bombeiros. Neste ano, apesar das boas precipitações, com chuvas acima da média histórica, o secretário do Meio Ambiente, Artur Bruno, avalia que o risco continua. "O governador resolveu decretar o estado de calamidade. Esta é uma medida preventiva. No segundo semestre, os ventos são fortes, o calor é muito grande, a umidade é menor, quase não chove, e para isso, há a necessidade de o Estado estar prevenido", disse o secretário.

Em outros estados, decretos de emergência também tentam mitigar os impactos das queimadas no segundo semestre. Em Mato Grosso do Sul, na região do Pantanal, a situação de emergência foi decretada na última semana. Já no Distrito Federal, a medida veio ainda em abril. Com a determinação, as Defesas Civis dos respectivos estados, o Corpo de Bombeiros e demais entidades ligadas ao meio ambiente das unidades federativas podem fazer compras emergenciais, sem a necessidade de licitação.

Como alternativas ao uso do fogo, a Embrapa desenvolve algumas tecnologias de baixo custo que podem ser aplicadas pelos pequenos produtores. Algumas delas são: sistema plantio direto; trituração da capoeira; a integração lavoura-pecuária-floresta, e sistemas agroflorestais. Esta última, vem rendendo bons frutos no Ceará. "Os sistemas agroflorestais foram desenvolvidos em pesquisas participativas com agricultores e agricultoras familiares. São feitos no que chamamos de inovação social já que os produtores reconhecem o problema da queimada e constroem conhecimento", explica Fernandes.

Entre os anos de 2012 a 2019, o Projeto Sustentare desenvolveu o incremento rural sustentável no Ceará. "O primeiro resultado foi a mudança de atitude em determinar o não uso do fogo na agropecuária, assim como a ampliação de espaços de aprendizagem no uso da agricultura sustentável em outros municípios dos sertões de Sobral e de Crateús", avalia. Fernandes ressalta a necessidade de uma comunicação eficaz entre os produtores que já praticam os sistemas agroflorestais e os que ainda não utilizam, além do fortalecimento do contato com instituições de ensino e pesquisa.

Segundo o deputado estadual Acrísio Sena, há também um apelo por parte dos pequenos produtores. "Estamos retomando um debate do ano passado a pedido do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pacoti e da APA de Baturité para discutirmos mecanismos de agricultura sustentável em superação a esta prática medieval de queimadas para o plantio". Segundo o parlamentar, em parceria com a Sema e Semace, será construída uma proposta de lei para garantir estes mecanismos aos pequenos produtores.

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