Caminhoneiros enfrentam dificuldades nas rodovias cearenses

Mesmo após o governador do Estado, Camilo Santana, autorizar a abertura de restaurantes nas rodovias que cortam o Ceará, o número de estabelecimentos fechados ainda é grande, deixando os profissionais com pouca assistência

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: Após o início das medidas de isolamento social, muitos restaurantes registraram queda no fluxo de clientes
Foto: FOTO: ANDRÉ COSTA

Responsáveis pela maior parte do transporte de cargas e mercadorias no Estado, muitos caminhoneiros ainda têm enfrentado dificuldade para se alimentar às margens das rodovias estaduais e federais devido às medidas de isolamento social para evitar a propagação do novo coronavírus. O Diário do Nordeste percorreu mais de 500 km entre as cidades de Fortaleza e Juazeiro do Norte e constatou que, mesmo depois de o governador do Estado, Camilo Santana, criar as chamadas Linhas Verdes de Logística e Distribuição - passando a permitir, há duas semanas, a abertura de restaurantes, oficinas em geral e de borracharias nas estradas - o número de estabelecimentos fechados ainda é alto. Duas razões podem explicar esse cenário.

O primeiro deles é a redução no fluxo de clientes, já que os restaurantes atendem não apenas os caminhoneiros. Com as medidas de isolamentos social, o tráfego caiu sobremaneira. De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE), houve redução de 57% no fluxo de veículos desde o início da quarentena nas rodovias que cortam o Ceará. O segundo fator, conforme a socióloga Ana Santos, é que "alguns proprietários, embora ainda não muitos, entendem, diante do aumento nos casos da Covid-19, os riscos de contaminação e optam por deixar os estabelecimentos fechados, já que eles têm ciência da inevitável redução de clientes".

No percurso cortando o Ceará, a reportagem verificou nove restaurantes fechados, dois funcionando parcialmente - isto é, com reduzido número de funcionários - e outros 12 de portas abertas. No entanto, de acordo com estudo da plataforma Repom, realizado no início deste mês, este número vai muito além. Desenvolvido para disponibilizar informações essenciais para cerca de dois milhões de caminhoneiros que atuam no Brasil, o dispositivo, que pode ser acompanhado em tempo real, aponta que dos 61 restaurantes cadastrados na plataforma às margens das rodovias cearenses, 38 estão fechados ou não possuem informações sobre funcionamento.

"O número (de pontos de apoio abertos) ainda é baixo", conforme avalia o caminhoneiro pernambucano Márcio Oliveira Farias. Segundo ele, a maior parte desses restaurantes que resolveram reabrir "não possui estrutura para que a gente possa estacionar a carreta de forma segura, então acaba não sendo tão efetivo para nós". O também caminhoneiro Gustavo Felipe Sobrinho, da cidade de João Câmara (RN), concorda. Apesar de reconhecer que a liberação para abertura destes estabelecimentos foi assertiva, ele diz existir "pontos cegos" que ainda não dispõem de suporte ao profissional.

"Na região Norte, a gente ainda precisa percorrer muito para achar algum canto aberto", complementa o ajudante de descarga Pedro Custódio, que trabalha em conjunto com Gustavo. Nestes locais, que ainda há pouca oferta de estabelecimentos, os caminhoneiros estão sendo amparados pela solidariedade de pessoas comuns, como é o caso do auxiliar fiscal em escritório de Contabilidade, David Andrade, de 20 anos. Com apoio de familiares, foram doadas quentinhas e água mineral para caminhoneiros que cruzaram um trecho da BR-222, na cidade de Umirim.

"Sabemos como é difícil a situação desses caminhoneiros e sabemos também que sem eles não chegam os alimentos às nossas cidades, por isso nos solidarizamos com essa situação e resolvemos ajudar da forma que podíamos", pontuou o jovem. Ao todo, foram doados 100 itens. "O primeiro a receber a doação disse que estava dirigindo desde Irauçuba e ainda não havia encontrado lugar aberto para almoçar", acrescentou David.

O presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, avalia que a abertura destes estabelecimentos é essencial para garantir a manutenção da cadeia alimentícia. "Aqui no Ceará, nós usamos basicamente o transporte rodoviário. Se não criássemos uma estrutura para abastecer os comércios, a Ceasa, os mercados locais, poderíamos ter um problema maior. Se não fizermos isso (abertura de restaurantes), vamos ter desabastecimento, o que criaria problema muito grande".

Proteção

A validação de abertura destes estabelecimentos não exclui, contudo, a necessidade de adoção de medidas protetivas. Na prática, porém, esses cuidados com a saúde foram deixados de lado. Nos 12 restaurantes que a reportagem do Diário do Nordeste encontrou em pleno funcionamento, apenas em um, em Chorozinho, um dos atendentes usava máscara protetora. Nos demais, completa ausência do uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Uma garçonete, que pediu para não ser identificada, diz que "os donos do estabelecimento não forneceram nada para os funcionários". O restaurante, em questão, também fica no triângulo de Chorozinho, ponto de apoio para diversos caminhoneiros.

Em outro estabelecimento, na cidade de Ocara, o garçom, que também não usa nenhum EPI, minimiza os riscos de contaminação pelo novo coronavírus. "A gente sabe que o maior foco está em Fortaleza, né?". Sua análise, porém, não corresponde aos fatos. Atualmente, mais de um terço dos municípios cearenses (64 de 184) já contam com pelo menos um caso confirmado da doença. Outra muleta do garçom é a queda na movimentação. "O fluxo de pessoas aqui caiu bastante. O dia inteiro a cena é essa, mesas vazias", justifica, ao se considerar menos susceptível.

Ainda segundo ele e corroborando com o pensamento de Ana Santos, o baixo fluxo de pessoas após as medidas de isolamento social que começaram a vigorar no Estado no último dia 20 de março, justifica o fechamento de alguns estabelecimentos.

"A gente só não fechou pois temos hospedados 15 pessoas que trabalham em uma mineração aqui perto, então temos que dar suporte. Se não fosse isso, já estaríamos fechados ou com horário reduzido de atendimento", pontua o funcionário de uma Pousada e Churrascaria, em Ocara.

No sul do Estado, no entanto, o cenário é diferente. A permissão para abertura destes restaurantes à beira das rodovias atraiu pessoas que não atuam no transporte de carga.

"O decreto não autoriza que estes estabelecimentos funcionem sem nenhuma restrição sanitária ou com aglomeração de pessoas em seu interior", destacou a promotora de Justiça Efigênia Coelho.

Para evitar aglomerações, a Defesa do Consumidor do Ceará (Decon-CE) recomendou, no início desta semana, que restaurantes nas Avenidas Padre Cícero e Leão Sampaio, na CE-292 e CE-060 respectivamente, atendam apenas os motoristas de transporte de carga destinado ao abastecimento da população, uma vez que a atividade é considerada essencial e indispensável ao bem-estar da população. Caso a determinação não seja cumprida, o Ministério Público do Estado do Ceará informou que irá "adotar eventuais medidas judiciais cabíveis"

Efigênia pontuou que, com base na recomendação do Decon, restaurantes realizem o serviço apenas de caminhoneiros ou mediante serviços de entrega, seja presencial ou por meio de aplicativos.

O Sindicato dos Caminhoneiros do Ceará (Sindicam) foi contactado duas vezes por telefone para se posicionar sobre as dificuldades relatadas pelos profissionais do transporte de cargas. A reportagem indagou ainda se há alguma ação em curso que ampare os motoristas. No entanto, até o fechamento desta matéria, o Sindicam não retornou as demandas.

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