Após meio século sem operações, ruínas do Aeroporto de Crato resistem na Floresta do Araripe
Inaugurado em 1953, equipamento foi o primeiro aeroporto regional do Cariri e protagonizou episódio curioso: a menor escala área do país: entre Crato e Juazeiro do Norte
Com presença do então vice-presidente da República Café Filho, representando o presidente Getúlio Vargas, o Aeroporto Regional de Crato foi inaugurado em 17 de outubro de 1953 e fechou 18 anos depois.
Sob as bênçãos e o batismo de Nossa Senhora de Fátima, o equipamento funcionou com voos comerciais, até a Viação Aérea Rio-Grandense, a Varig, encerrar suas operações na cidade, em 1971.
Hoje, após meio século, restaram as ruínas do seu terminal de passageiros e os resquícios do asfalto do pátio dos aviões e de sua pista de pouso.
O aeroporto do Crato, fincado em plena Floresta Nacional do Araripe, foi um marco para a aviação no Sul do Ceará. Apesar de localizado a cerca de 14 quilômetros do Centro da cidade, em local de difícil acesso, foi instalado em cima da Chapada do Araripe.
O equipamento possuía uma pista com 1.600 metros de distância e 20 metros de largura. Sua estação de passageiros também tinha 120 metros quadrados, o que representava uma boa estrutura para a época.
A inauguração do equipamento representou a realização de uma demanda aérea do Cariri. De acordo com o historiador Roberto Júnior, que está escrevendo um livro sobre a aviação na região, o primeiro voo registrado aconteceu em fevereiro de 1933, no campo de pouso construído no sítio Fernando, atual região do bairro Palmeiral, em Crato.
Um outro campo, também foi instalado na vizinha Juazeiro do Norte, naquele mesmo ano, batizado de Marechal Farias. Posteriormente, outras cidades também dispunham destes espaços para receber aviões de pequeno porte, como Brejo Santo e Mauriti.
Veja também
Idealização
Em 1950, o campo de voo Marechal Farias, recebeu a empresa maranhense Aeronorte, que realizou suas primeiras viagens ao Cariri com voos comercias. Diante disso, lideranças de Crato, Barbalha e Juazeiro do Norte se articularam para a construção de um aeroporto regional.
A ideia inicial era que o equipamento fosse construído no Sítio Santa Rosa, no limite entre os três municípios. “Assim, os louros da iniciativa ficariam com as lideranças destas três cidades”, explica Roberto. No entanto, a Aeronáutica descartou o terreno pela proximidade com a Chapada do Araripe.
Como plano B, Crato e Juazeiro do Norte construíram seus terminais aeroviários. O primeiro, em plena Chapada do Araripe, ganhou o título de “aeroporto regional”, pelas fortes influências de suas lideranças políticas, principalmente Antônio Alencar Araripe e Wilson Gonçalves, “que tinham poder político a níveis estadual e federal”, ressalta o historiador.
Apesar de ressalvas técnicas pelas questões climáticas, como os ventos na sua altitude de 900 metros acima do mar e os nevoeiros, Crato largou na frente e inaugurou o Aeroporto Nossa Senhora de Fátima em 1953.
Um ano depois, Juazeiro do Norte construiu seu próprio equipamento no Sítio Brejo Seco, onde se mantém, até hoje, o Aeroporto Regional Orlando Bezerra de Menezes. “Foi a maior festa do Crato com programação extensa. As rádios transmitiram para todo o Estado”, lembra o memorialista e radialista Huberto Cabral.
No Crato, a pista de pouso era feita de piçarra — piso feito com mistura de areia, terra e pedras — até 1962, quando recebeu asfaltamento. “Como o Crato tinha as principais lideranças políticas e financeiras do Cariri, o equipamento recebia melhorias sempre antes de Juazeiro”, explica Roberto Júnior.
Na época, a cidade recebia rotas de viagens para o Rio de Janeiro, São Paulo, Petrolina, Fortaleza e Brasília, por exemplo.
Declínio
Na década de 1960, enquanto Juazeiro do Norte se situava melhor politicamente, conseguindo maior aporte de verbas para investir no seu aeroporto, o equipamento Crato enfrentou problemas com sua infraestrutura.
“Tinha a questão do acesso. A estrada era muito ruim e conhecida por acidentes, principalmente com veículos pesados. Além disso, a própria estrutura do voo, porque estava na Chapada do Araripe, sujeita às intempéries climáticas, com ventos e a questão da visibilidade pela neblina. Tudo isso atrapalhava. Acontecia, muitas vezes, de a aeronave não conseguir decolar ou mesmo de não conseguir pousar”, explica o historiador.
Em uma de suas duas visitas ao Crato em seu mandato como presidente, Castelo Branco não conseguiu descer no aeroporto com o Vickers Viscount FAB VC-90, aeronave que trazia a comitiva presidencial, por não ter condições de pouso.
De acordo com Roberto Júnior, foi necessário retornar para Fortaleza, onde parte do grupo que visitaria o Cariri ficou, e o restante embarcou em um novo avião, de menor porte, retomando a viagem. “Se foi um incômodo para uma aeronave presidencial, avalie para uma aeronave comercial”, pontua o pesquisador.
“Os custos de operação aeronáuticos sempre foram muito altos, aqui no Brasil, e sempre estiveram atrelados a moedas estrangeiras. Essas coisas de botar aeronave para cobrir operação de outra que não conseguiu pousar é desgastante e cara”, reforça.
Menor escala área da aviação brasileira
Paralelo a isso, as lideranças de Juazeiro do Norte já pressionavam as empresas aéreas a, por exemplo, não embarcarem no Crato, obrigando a Varig a fazer a ligação entre as duas cidades, se configurando na menor escala área da história da Aeronáutica no Brasil, com cerca de 30 quilômetros de distância entre os dois aeroportos.
Este dado é do antigo Departamento de Aviação Civil (DAC), atual Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). “Porém, essa operação simultânea durou menos de uma década”, observa o pesquisador.
Em 1970, o aeroporto de Juazeiro do Norte ganhou o “título” de aeroporto regional, quando a influência política nas operações aéreas já era menor. No ano seguinte, a Varig encerrou os voos comerciais no Crato.
“Quando as empresas conseguem se livrar desta influência, corta linhas em vários locais, não só no Crato”, pontua. A partir disso, o equipamento cratense vai entrando em desuso.
Com o encerramento das operações, há registros de voos privados, com aviões de menor porte, principalmente em comitivas do Governo do Estado, mas já não há o mesmo interesse dos governantes em mantê-lo funcionando.
“É uma atividade muito onerosa”, pontua Roberto Júnior. Ainda houve uma tentativa de tornar o Aeroporto Nossa Senhora de Fátima em uma espécie de Parque Municipal, mas a iniciativa não durou muito tempo.
No dia 22 de junho de 1982, foi publicada a portaria 106 do DAC, revogando a portaria de 4 de fevereiro de 1960, que concedia o funcionamento do Aeroporto de Crato. A partir da decisão do brigadeiro José Brandão Lisboa Filho, a pista não teria mais condições legais de receber voos.
Aquele espaço só voltaria a ser ocupado na década de 1990 com o Festival Chapada Musical do Araripe, o Chama. Uma missa também é realizada, anualmente, no monumento de Nossa Senhora de Fátima, erguido em 1978, que fica ao lado das ruínas do terminal de passageiros.
Em 1975, a Varig também interrompeu suas atividades em Juazeiro do Norte, mas por outro motivo: a estrutura do aeroporto. A empresa área estava interessada em colocar aeronaves maiores, mas sua pista não tinha condições de suportá-las.
A Nordeste Linhas Aéreas chegou a operar em 1976, mas, pela baixa procura, encerrou os voos. Apenas na década de 1980, após estudos, as obras de ampliação foram executadas com a estrutura similar à que o Aeroporto Orlando Bezerra de Menezes tem hoje.
Memória
Apesar do pouco tempo de atividade, o Aeroporto de Crato traz lembranças, principalmente aos que puderam acompanhar seus pousos. “Era o aeroporto mais bonito do mundo. Era paradisíaco. Pela natureza, clima e por ser exótico, no meio da floresta”, lembra o empresário Roberto Celestino, que chegou a utilizá-lo quando era criança.
Segundo Celestino, os voos costumavam chegar às 17h, mas os atrasos eram comuns. Por isso, quando as aeronaves apontavam na Chapada do Araripe, a pista já estava escura. Para driblar o problema, a área de pouso era sinalizada com as luzes de candeeiros feitos de querosene.
Em uma de suas viagens, o empresário conta que retornava de Salvador, numa noite de São João, e o grande número de fogueiras confundiam os pilotos e passageiros. “Não sei com ele conseguiu enxergar”, brinca o empresário.
Já nos voos pela manhã, havia grande dificuldade de visibilidade pelo nevoeiro que cobria a Chapada do Araripe nas primeiras horas do dia. “Você só enxergava, no carro, cinco metros adiante. Era totalmente fechado”, descreve.
Ao chegar no terminal, os passageiros ainda tinham que esperar o tempo melhorar para os pilotos terem condições de pouso. “Mas são muito boas lembranças”, exalta Celestino.
Para Roberto Júnior, embora tenha tido os problemas técnicos, o Aeroporto Nossa Senhora de Fátima “é um marco da aviação no Cariri”. “É um produto do seu tempo. A população deve se apropriar daquilo para enxergar sua história. Ver os momentos da aviação do Cariri, o contexto político da época, que mudou bastante”, acredita.
Contudo, com o local em abandono, sugere: “Como aeroporto, já mostrou que não serve. Agora, ele pode ser um parque municipal, estação de camping e é fonte histórica é importante”, completa.