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Sucessão de mãe e filho em prefeitura do Ceará: o que diz a legislação sobre parentes na política

Em alguns julgamentos e consultas em anos anteriores, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também firmou o entendimento acerca do assunto

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
Prefeitura de Orós
Legenda: Fachada da Prefeitura de Orós.
Foto: Reprodução/Google Maps

Passadas as eleições municipais, a cidade de Orós está prestes a viver uma reviravolta: o prefeito eleito, Simão Pedro (PSD), decidiu não tomar posse em 2025 e passar o bastão para a sua mãe, Tereza Cristina Pequeno (PSD), eleita vice-prefeita.

Apesar de levantar dúvidas sobre a validade legal, o movimento de se candidatar e/ou governar um município ao lado de um parente é uma possibilidade subsidiada pela Constituição Federal, mas deve atender a alguns requisitos para não se enquadrar na inelegibilidade reflexa ou até mesmo no nepotismo. 

O primeiro dispositivo impede que parentes (até o segundo grau ou por adoção) e cônjuges de chefes do Poder Executivo concorram ao mesmo cargo na eleição seguinte. No caso de Orós, nenhum dos dois membros da composição tem cargo majoritário neste mandato, o que libera o caminho para a formação de chapa familiar. 

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Em alguns julgamentos e consultas em anos anteriores, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou o entendimento acerca da inelegibilidade reflexa, dando mais segurança jurídica às candidaturas. A Corte ajudou, inclusive, a esclarecer situações específicas, como a relacionada à renúncia de Chefes do Poder Executivo até seis meses antes das eleições. Nesse caso, o parecer foi pela elegibilidade dos seus parentes na eleição seguinte.  

“A legislação não proíbe que pai e filho se candidatem. Nem Irmão e irmã, marido e mulher, desde que nenhum dos dois já seja prefeito, governador ou presidente, por isso, não tem nenhuma irregularidade (no caso de Orós)”, explica Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Ceará (MPCE). 

Legenda: Tereza Cristina, vice-prefeita eleita de Orós, e Simão Pedro, prefeito eleito de Orós
Foto: Reprodução/Instagram

Também assegurada pelas escrituras eleitorais, a chapa vitoriosa em Granja é composta pelo atual prefeito, Aníbal Filho (PT), e pela sobrinha dele, Livia Aldigueri (PSB). Nesse caso, mesmo ela concorrendo a cargo público na sucessão de um parente, a legislação permite a composição porque eles têm laço de 3º grau. O elo sanguíneo entre os dois é selado pelo deputado estadual Romeu Aldigueri (PDT), pai de Livia e irmão de Aníbal. 

Anibal Filho, Ligia Aldigueri, Granja, Romeu Aldigueri
Legenda: Aníbal Filho e Ligia Aldigueri, prefeito e vice-prefeita eleitos em Granja e, em ordem, irmão e filha do deputado Romeu Aldigueri (ao centro).
Foto: Reprodução/Redes sociais

Em Iguatu, outra família entrou na corrida pela Prefeitura. Capitão Helder (PL) concorreu a prefeito com filho, Dr. Pedro Helder (Novo), como candidato a vice-prefeito, mas a dupla acabou não se elegendo.

Nepotismo?

O nepotismo já é uma modalidade diferente. A Súmula Vinculante de n º 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), veta a nomeação de familiares em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, não só do gestor público, mas também de servidores com cargos de chefia para funções em comissão ou de confiança. 

Excetua-se deste entendimento legal o agente político como o secretário municipal, que deve demonstrar qualificação técnica para a função. É por isso que, em cidades como Fortaleza, há parentes no comando da administração e em secretarias, a exemplo do prefeito José Sarto (PDT), irmão do secretário de Cultura, Elpídio Nogueira, e primo do titular da Coordenadoria de Articulação Política (Ceap), Elpidio Moreira.

Sarto, Elpidio Nogueira
Legenda: José Sarto e Elpidio Nogueira, da esquerda para a direita.
Foto: Reprodução/Redes sociais

O próprio TSE também já afastou a incidência de nepotismo, inclusive, nas campanhas eleitorais. Em 2020, o Tribunal entendeu que a contratação de familiares para prestar serviços a candidatos ao longo desse processo não implica, por si só, não se enquadra nessa modalidade de ilícito.

O entendimento partiu do julgamento do caso de um candidato a deputado federal nas eleições de 2018, que contratou duas de suas filhas para as funções de advogada e coordenadora de campanha. Assim, a Corte reverteu decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, que fazia o postulante devolver os R$ 11,1 mil usados para tal. 

Os ministros concluíram que não houve lesão aos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e economicidade na gestão dos recursos públicos de financiamento de campanha.

Veto ao vínculo

Mas ainda sob a ótica eleitoral, há 20 anos e a mais de 300 km de distância, outra família até tentou levar o laço sanguíneo para o pleito, mas não teve a mesma sorte: Renato Célio teve a candidatura a vice-prefeito de Pacatuba indeferida por ser filho do então prefeito Raimundo Célio, que buscava a reeleição na mesma chapa.

O que difere esta situação da de Orós ou Granja é o fato de, em Pacatuba, Raimundo Célio já ser prefeito à época que o seu filho buscou ocupar o segundo mais alto cargo da administração municipal na sucessão. Em 2004, pai e filho levaram a empreitada até o prazo final dado pela Justiça Eleitoral para a substituição de membros da chapa, que passou a contar com Zezinho Cavalcante. 

Renato
Legenda: Renato (à frente) é filho do ex-prefeito Célio Rodrigues, retratado no segundo quadro (esquerda à direita).
Foto: Reprodução/Facebook

“O grupo, a política interna, não aceitava outros candidatos a vice que não fosse eu, qualquer outro (escolhido) traria dissidência ao grupo, então nós tivemos que manter essa situação e fomos até o TSE discutindo a possibilidade de continuar, mas sabíamos que já era perdido”, lembra Renato Célio. 

Apesar disso, o prolongamento do impasse jurídico fez com que eles ganhassem “tempo politico” para articularem com seu grupo e efetivar a substituição por Zezinho Cavalcante. 

Reviravolta em Orós

O próprio Simão Pedro admitiu, em entrevista ao PontoPoder na última quarta-feira (6), que a indicação da mãe à chapa majoritária já era uma aposta contando com um resultado positivo para seu grupo em Fortaleza. Com a vitória da deputada estadual Gabriella Aguiar (PSD) como vice-prefeita da Capital, ao lado de Evandro Leitão (PT), uma cadeira do PSD fica vaga na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). A ideia é, como 1º suplente da legenda, seguir nessa cadeira até 2026, pelo menos.

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"Estrategicamente eu coloquei a ex-prefeita Tereza Cristina (na chapa), que também é minha mãe e foi uma das melhores gestoras do município de Orós, como plano, prevendo que isso poderia acontecer. No caso de vitória da Gabriella com o Evandro, surgiria a vaga, que seria minha porque eu sou o primeiro suplente. Então, eu irei renunciar no dia da posse como prefeito. Irei ser diplomado, vou ter dois diplomas, mas eu irei optar pelo cargo de deputado efetivo, até porque ajuda muito mais o município eu estando como deputado", defendeu.

Para ele, a "casadinha" entre mãe e filho ajudará a pleitear melhorias para a cidade e região. Além disso, a vitória ajuda a prolongar a influência política no município, já que, além de Simão e Tereza, Luiz Moreira Pequeno, pai do deputado e esposo da nova prefeita, já geriu Orós em mandatos anteriores.

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