Quem é Oscar Rodrigues, que quebrou hegemonia de grupo político dos Ferreira Gomes em Sobral
A Prefeitura da cidade era comandada por políticos ligados à família há quase 30 anos
A vitória de Cid Gomes (hoje no PSB) nas eleições municipais de 1996 inaugurou um ciclo político em Sobral que se estendeu ao longo de quase três décadas. O grupo capitaneado pela família Ferreira Gomes — ainda unida e tendo como principal referência o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) — elegeu, além do próprio Cid, mais três prefeitos na cidade: Leônidas Cristino (PDT), Veveu Arruda (PT) e Ivo Gomes (PSB), este último irmão caçula de Ciro e Cid.
Com o mandato próximo ao fim, Ivo Gomes não conseguiu eleger a sucessora. A ex-governadora Izolda Cela (PSB) perdeu a disputa, no domingo (6), para o deputado estadual Oscar Rodrigues (União Brasil) — ele teve 52,42% dos votos válidos contra 47,58% conquistados por ela.
Na primeira fala após o resultado eleitoral, Oscar Rodrigues atribuiu a vitória aos "muitos erros nas últimas gestões", em referência aos adversários. Em entrevista ao Diário do Nordeste, cientistas políticos ampliam esta perspectiva e pontuam que o resultado histórico das urnas em Sobral é explicado, na verdade, por uma soma de fatores.
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Do lado derrotado, o desgaste representado por sucessivas gestões municipais teve peso, mas foi acentuado por uma medida impopular efetivada faltando pouco para as eleições: a taxa do lixo — tema que foi a "tônica" da campanha na cidade, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), Rodrigo Chaves de Mello.
O racha familiar e a ausência de Ciro Gomes, pela primeira vez, da campanha eleitoral no berço político da família é outro fator relevante para entender a virada no cenário eleitoral da cidade. Um último elemento é citado por Mello como necessário para entender o resultado: "a misoginia do eleitorado". "O fato da Izolda ser uma candidata mulher, bloqueou também a transferência de votos", considera.
Do lado vitorioso, o mérito de ter iniciado, há uma década, o movimento de "construir um grupo político que consegue, pela primeira vez, de forma organizada, disputar contra o grupo Ferreira Gomes", cita o cientista social e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Elias Guilherme.
Oposição em Sobral
O cientista político cita a eleição de 2014 como ponto inaugural do grupo liderado pelo agora prefeito eleito de Sobral, Oscar Rodrigues. Naquele ano, o filho dele, Moses Rodrigues (União), foi eleito para a Câmara dos Deputados pela primeira vez.
Apenas dois anos depois, Moses Rodrigues enfrentou Ivo Gomes na disputa pela Prefeitura de Sobral. "Na época, foi uma eleição difícil", relembra Elias Guilherme. "No entanto, os três irmãos (Ciro, Cid e Ivo Gomes) estavam unidos naquela eleição e conseguiram superar o desafio que era vencer o deputado Moses Rodrigues", completa ele.
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Naquele ano, Ivo Gomes foi eleito com 57,9 mil votos contra 45,2 mil de Moses Rodrigues – o que representou 51,44% do pedetista contra 40,16% do deputado federal. "Mas, a partir de 2016, eles iniciam uma oposição propriamente aberta contra o grupo Ferreira Gomes", diz Elias Guilherme. Em 2020, é a vez de Oscar Rodrigues disputar a Prefeitura de Sobral, novamente contra Ivo Gomes — que se reelege com 59,2% dos votos.
"E eles insistiram em se manter na oposição. Essa é a terceira eleição que estão concorrendo. Perderam 2016, perderam 2020 e se candidataram de novo (em 2024). Isso é significativo. Dada a força do domínio que os Ferreira Gomes tinham na política sobralense, tem pouco estímulo para ser oposição".
O professor da UVA reforça que o grupo político ligado à família Rodrigues acabou se tornando "a única referência de oposição" na cidade. E, apesar das duas derrotas na disputa pela Prefeitura de Sobral, eles conseguiram se fortalecer eleitoralmente nas disputas do Poder Legislativo.
Moses Rodrigues foi reeleito deputado federal em 2018 e 2022, enquanto Oscar Rodrigues conquistou o 1º mandato como deputado estadual nas eleições de 2022. A maior votação de Oscar foi exatamente em Sobral, onde conquistou 17,1 mil do total de 54 mil votos recebidos.
"Então, assim, esse grupo político do Oscar vem se fortalecendo. E, nesse momento agora, após esse desgaste, após essa ruptura familiar que acabou comprometendo esse entendimento familiar e fragilizando também nessa questão da eleição, ele esteve no momento certo, se apropriando desses elementos, e conseguiu se fazer prefeito de Sobral".
Oscar Rodrigues chega à Prefeitura de Sobral não apenas com o percurso na política, mas também com trajetória como empresário do setor de Educação. Ele é fundador do Centro Universitário Inta (Uninta), de onde é chanceler, além de ser mantenedor de sete instituições de ensino superior. Antes disso, o prefeito eleito atuou como professor na rede estadual de ensino e na UVA e também trabalhou na Polícia Civil do Ceará.
Foco na taxa do lixo e desgaste da gestão
Rodrigo Chaves de Mello afirma que há um "quê de extraordinário" no resultado eleitoral de Sobral em 2024. "Se um grupo político, que já controla o poder municipal em uma cidade e que tem uma identidade com essa cidade há aproximadamente três décadas, que chega na véspera da eleição sem nenhum grande escândalo de corrupção, sem nenhum grande desgaste aparente, ele tende a permanecer no poder", descreve o cientista político.
A tendência, portanto, seria uma eleição "disputada, mas razoavelmente tranquila", uma "espécie de repetição do que já vem ocorrendo em ciclos eleitorais nos últimos 30 anos". O cenário descrito por ele, que vive na cidade e acompanha a política local, é de antes do período eleitoral.
"Não havia nenhuma manifestação de descontentamento explícita contra o mandato do prefeito Ivo Gomes. Tinha uma crítica pontual a uma questão ou outra, mas parecia que estava harmônico", relembra. "O grupo de oposição não tem também (naquele momento) um discurso muito pronto para o enfrentamento".
O ponto de virada, segundo ele, é a aprovação da taxa do lixo. O novo tributo foi aprovado em novembro de 2023 pela Câmara Municipal de Sobral, mas com previsão de iniciar a cobrança em abril. Após decisões judiciais, a taxa do lixo começa a ser cobrada em junho deste ano, apenas dois meses antes do início da campanha eleitoral.
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Ele lembra que a candidatura de Izolda Cela foi confirmada em grande evento, com a presença do ministro da Educação, Camilo Santana (PT), do governador Elmano de Freitas (PT), do senador Cid Gomes e do prefeito Ivo Gomes, além de imagens da ex-governadora ao lado do presidente Lula (PT). Uma demonstração de força que apontava que "não é só uma eleição, eles estão vindo para fazer história".
"E a oposição vinha com (um discurso de) 'a taxa do lixo é só uma cereja do bolo de vários outros problemas que estão postos no dia a dia, mas ninguém reclama e eles vão virando normais'. Só que eles conseguiram pautar essa questão e foi ganhando as ruas da cidade", resume Mello. "Durante a eleição, isso foi ganhando tração política e, junto com ela, foi vindo uma série de outros temas".
Elias Guilherme destaca que o debate eleitoral acabou se concentrando nessa pauta. "Faltou habilidade política do prefeito Ivo Gomes no sentido de gerenciar essa questão de forma a reduzir os danos", reforça. "Isso foi repercutindo, obviamente, Izolda, que seria sua candidata sucessora. Ou seja, eles batiam no Ivo para, ao bater nele, atingir a Izolda, que não conseguia sair muito bem desse processo e se desvencilhar do espólio de ser a candidatura pela sucessão", completa Mello.
Esse elemento se une a um desgaste vivenciado por um ciclo político longo, de quase três décadas. "Esse é um fator importante, esse desgaste, essa vontade de mudança, de tentar algo diferente", considera Elias Guilherme. "O fato de eles estarem há tanto tempo no poder levou a população de Sobral a tentar experimentar um outro modelo de gestão, no caso a do Oscar".
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Apesar disso, a aprovação do Governo Ivo Gomes não chegou a ser inferior a 50% do eleitorado, o que, na maioria dos casos, garante ao prefeito conseguir eleger o sucessor. Contudo, para Mello, existiu um "bloqueio" para que a transferência de votos para Izolda Cela fosse concretizada: "a meu ver, esse elemento é a misoginia do eleitorado, ou seja, o fato da Izolda ser uma candidata mulher".
"E que era parte do investimento da campanha, de 'vamos votar pela primeira vez em uma mulher prefeita', de 'vai ser a primeira mulher prefeita de Sobral'. Eu acho que, eleitoralmente, isso não gerou tanta atração assim", completa.
Impacto para os Ferreira Gomes
A derrota no berço político é "sintomático" do processo vivenciado pela família Ferreira Gomes desde a eleição de 2022, quando o rompimento entre Ciro e Cid deu início a um racha familiar que perdura até agora. "Essa aliança familiar entre os irmãos acabou sendo rompida, o que levou também a esse desgaste a nível local. A prova disso é que o Ciro não participou das eleições em Sobral", afirma Elias Guilherme.
Rodrigo Chaves de Mello ressalta ainda o impacto para os próprios irmãos das derrotas sofridas nestas eleições municipais.
"Essa é a primeira eleição após o racha no interior da família, após a briga entre os irmãos. É muito significativo que o Cid Gomes investiu pessoalmente na eleição de Sobral e perdeu e que o Ciro investiu pessoalmente na eleição de Fortaleza e perdeu. Os dois principais irmãos foram derrotados nas suas eleições prioritárias".
"De fato, eles saem desse cenário eleitoral divididos, tal como entraram, e mais enfraquecidos do que quando entraram. E perder Sobral é bem significativo, porque não era só uma prefeitura, era um símbolo, uma identidade da família. Eles faziam de Sobral uma vitrine da forma Ferreira Gomes de gerir uma cidade", conclui.