Novo Ensino Médio, pauta econômica e queda de braço entre Poderes marcam volta do Congresso em 2024
Matérias que movimentaram a agenda política em 2023 provocaram desdobramentos que devem marcar presença na ordem do dia de senadores e deputados federais
O retorno dos trabalhos do novo ano legislativo pelo Congresso Nacional, na tarde desta segunda-feira (5), será celebrado com uma sessão solene. Na programação de deputados e senadores, no entanto, temas de interesse geral da nação já são considerados desde o fim do ano passado, antes do recesso constitucional garantido aos políticos.
Dentre os assuntos que devem ter protagonismo nos debates travados estão as pautas econômicas, que tiveram um fôlego durante o primeiro ano do Governo Lula, matérias que versam sobre o sistema de freios e contrapesos que sustenta a República e questões relacionadas à Educação.
Veja também
O Diário do Nordeste conversou com congressistas cearenses a fim de entender qual a situação das temáticas nos corredores do Legislativo nacional e quais articulações políticas estão sendo feitas para a tramitação das proposições.
Pelo que apurou a reportagem, ao menos cinco frentes temáticas devem sofrer investidas, tanto pelos governistas e aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto por lideranças da oposição e das presidências de Arthur Lira (PP) e de Rodrigo Pacheco (PSD), respectivamente, chefes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Reforma Tributária
Aprovada em dezembro do ano passado e promulgada no início de janeiro, após 40 anos de discussão, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que irá implementar uma reforma no sistema tributário brasileiro agora deverá passar por uma nova etapa de apreciação pelos parlamentares, para que haja a criação de regulamentações para as novas regras.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao menos 71 componentes deverão ser detalhados em lei complementar. O prazo para que o Governo Federal encaminhe os projetos de lei ao Congresso é de 180 dias, a contar da data de promulgação da Emenda Constitucional.
A fim de cumprir o requisito, um programa de assessoramento foi instituído pelo Ministério da Fazenda no último dia 11 de janeiro com esse intuito. A expectativa da equipe, que é dividida em grupos técnicos, é de que cerca de três projetos que versem sobre o assunto sejam remetidos para o Parlamento.
Mediante a ação dos legisladores irão ser modificados artigos do Código Tributário do Brasil, que é de 1966 e traz um regramento que vigora sobre a cobrança e a distribuição de recursos por meio dos impostos - os recém-criados Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) estão no raio destas propostas ainda em processo de elaboração pela equipe econômica do Planalto.
Para o deputado federal Luiz Gastão (PSD), as leis complementares "serão fundamentais para discutir o futuro". "A Reforma Tributária foi aprovada, está aí, mas tem as leis complementares que são tão importantes quanto", salientou o entrevistado.
"E é nessa hora que nós temos que ter o cuidado de fazer com que os ganhos obtidos não se percam nas leis complementares e que elas sigam as mesmas lógicas que foram aprovadas, e o sentimento das Casas", disse Gastão.
Eduardo Bismarck (PDT), coordenador da bancada cearense no Congresso, disse entender que a conclusão da Reforma Triburária é a principal pauta. "A gente ainda tem que regulamentar algumas questões, como a transição da reforma e outras coisas que estão pendentes", indicou.
Vetos ao Orçamento
Outra pendência de 2023 é a resolução dos vetos colocados pelo presidente Lula quanto à sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma das peças que compõem o planejamento orçamentário da União para esse ano.
A medida foi assinada pelo mandatário em janeiro e levantou polêmica entre os congressistas pela retirada de um dispositivo que estabelecia um cronograma para liberação de verbas de emendas parlamentares impositivas.
Os trechos vetados obrigavam a reserva dos montantes em até 30 dias depois da divulgação das propostas e a liberação do dinheiro ainda no primeiro semestre. A quantia é um dos mecanismos de fortalecimento de mandatos dos políticos nas suas bases eleitorais, mediante o repasse para prefeituras e órgãos públicos para a realização de entregas que dão visibilidade a eles.
Nesta sexta-feira (2), as consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado divulgaram uma nota conjunta em que foram detalhados os vetos e o impacto de tais decisões na execução das emendas incluídas por comissões das Casas. O saldo total do ato presidencial atingiu a estratégia dos parlamentares em R$ 5,6 bi. A fatia equivale a 33,5% dos R$ 16,6 bi propostos em emendas pelas comissões.
A justificativa usada por Lula foi de que os vetos buscaram uma recomposição do Orçamento para programas importantes para o governo. Conforme alegou o chefe do Executivo, parte dos valores que iriam originalmente para as iniciativas haviam sido redirecionados pelo Congresso via emendas.
Ao que divulgou a Câmara dos Deputados, uma sessão composta por senadores e deputados federais irá analisar os vetos do presidente. O colegiado poderá derrubá-los, restaurando as cifras apresentadas pelo Congresso.
A consultoria conjunta avaliou ainda que, mesmo que não haja uma derrubada, apenas uma autorização legislativa irá permitir o direcionamento dos bilhões pleiteados para áreas de interesse da gestão. O pleito deverá ser feito por meio de um projeto de crédito adicional, enviado à Comissão Mista de Orçamento (CMO).
Questionada sobre o assunto, a vice-líder do governo no Senado, Augusta Brito (PT), afirmou que, já na primeira sessão do ano legislativo, ações como medidas provisórias e as regulamentações necessárias para a Reforma Tributária já serão encaminhadas.
Conforme alegou a parlamentar, os integrantes da ala governista estão com "grandes expectativas". "Existem aí vários projetos que foram aprovados e que o nosso presidente Lula vetou", lembrou.
Os vetos à LDO, na interpretação do deputado federal Idilvan Alencar (PDT), serão os primeiros a serem discutidos pelos congressistas. "Estão na lista de urgências", avaliou.
Desoneração da folha
Também sob o aspecto dos tributos está a Medida Provisória que limita a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. A política era praticada desde 2012, quando foi criada pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e acabaria em 2023. Evitando a extinção, em outubro do ano passado, o Congresso optou pela prorrogação do desencargo por meio de uma emenda a um projeto de lei do Executivo.
Num revés ao que ficou decidido pelo Legislativo, o Governo Lula vetou a continuidade da isenção à iniciativa privada em novembro, alegando uma inconstitucionalidade ao estipular a renúncia sem que houvesse a indicação do impacto orçamentário e a devida fonte de compensação. Como resposta, no antepenúltimo dia de 2023, o Congresso derrubou o veto por completo, de modo que a lei foi reestabelecida com o texto chancelado por deputados e senadores.
Na desoneração, foram incluídas empresas de:
- Comunicação;
- Construção e obras de infraestrutura;
- Confecção e vestuário;
- Calçados;
- Construção;
- Call center;
- Couro;
- Máquinas e equipamentos;
- Fabricação de veículos e carroçarias;
- Proteína animal;
- Têxtil;
- Tecnologia da informação;
- Tecnologia de comunicação;
- Projeto de circuitos integrados;
- Transporte metroferroviário de passageiros;
- Transporte rodoviário coletivo;
- Transporte rodoviário de cargas.
A Medida Provisória recente foi uma saída encontrada para reverter a derrota e reduzir a perda de receita para que seja alcançada a meta de déficit zero nas contas públicas, colocando em ordem o Orçamento da União. Por força dela, foram alteradas regras da desoneração da folha impostas pela lei promulgada em dezembro.
Um dos adventos do dispositivo legal baixado é a revisão do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), a previsão de uma alíquota menor de imposto apenas para um salário mínimo por trabalhador e a redução gradual desse incentivo até 2027. Apesar de vigorar desde o primeiro dia que foi publicada, a medida só tem efeito depois de 90 dias.
Veja também
Para se tornar lei, a Medida Provisória que desonera a folha salarial precisa ser convertida em até 60 dias, inicialmente. O prazo poderá ser ampliado automaticamente para mais 60 dias, caso a votação não seja concluída nas duas Casas dentro do período original.
Na compreensão de Luiz Gastão, a MP da desoneração será a "primeira grande discussão" do ano. A proeminência da temática, ao que frisou o congressista, estaria na relevância econômica do tema, sobretudo no que tem relação com a revogação de benefícios do Perse.
Plano Nacional de Educação
O Ministério da Educação (MEC), comandado pelo ex-governador do Ceará e senador licenciado Camilo Santana (PT) terá uma tarefa estratégica em 2024, a de lograr êxito na aprovação da lei que atualiza o Plano Nacional de Educação (PNE), que, implementado em 2014, completa agora o ciclo-limite de dez anos estipulado legalmente.
No último dia 16 de janeiro, quando apresentou a jornalistas um balanço sobre a atuação da pasta, durante um evento em Brasília, Camilo disse que a expectativa é de que a matéria seja apreciada e aprovada ainda nos primeiros seis meses do trabalho legislativo. A meta, considerou, seria um "desafio enorme" do Congresso. "O ideal é que a gente pudesse discutir e e aprovasse até o meio do ano", discorreu.
O documento-base para o estabelecimento da proposta foi elaborado pelo Fórum Nacional de Educação (FNE), subordinado à pasta capitaneada pelo ex-mandatário do Palácio da Abolição, após uma etapa de construção nas plenárias municipais e estaduais.
O texto inicial foi debatido na Conferência Nacional de Educação (Conae), que aconteceu entre os dias 28 e 30 de janeiro. Pelo que informou o ministro na exposição das ações do MEC, a matéria que busca atualizar o PNE deve ficar pronta em até 30 dias após o encerramento da Conae.
Um dos pontos de destaque da proposta é justamente a reformulação do Ensino Médio em todo o País. A decisão foi avalizada por uma consulta pública online feita em junho pela administração federal para ouvir estudantes, professores e gestores para a reestruturação do curso. O relatório com o resultado do processo de escuta foi entregue para a Comissão de Educação do Senado Federal em agosto.
Foram indicadas pelos participantes, dentre outras questões, mudanças na carga horária, na organização curricular, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma estratégia de formação e valorização dos professores, uma política de permanência e investimentos no ensino integral e na modalidade técnica e profissionalizante.
Antecipando a modificação na última etapa do Ensino Básico pelo PNE, em maio do ano passado foi enviado pela Presidência da República um projeto de lei que extingue o formato em vigor, instituído pelo "Novo Ensino Médio", criado pelo pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2015.
Ainda durante o evento do dia 16, Camilo disse que o diálogo com lideranças para a aprovação da medida já foi iniciado. "Tive uma reunião no início desse ano com a Comissão Mista do Congresso Nacional sobre a conferência que vai ser realizada aqui e já acertamos fazer um encontro sobre a proposta da lei do Ensino Médio agora no retorno das atividades da Câmara e do Senado", revelou.
O relator da matéria, o deputado federal Mendonça Filho (União), ministro do Governo Temer quando da implantação do modelo atual, também será buscado pelo ministro da Educação. "Agora, no retorno das atividades, vamos manter um diálogo com os líderes partidários, com a Comissão Mista da Educação, envololvendo o líder do governo na Câmara e no Senado para que a gente possa encaminhar a votação ainda nesse semestre", completou, planejando realizar as mudanças em 2025.
A previsão do ministro Camilo sobre a votação do PNE ainda neste semestre não é compartilhada por Eduardo Bismarck. "Esse semestre não, mas acho que, ao longo desse ano, é um debate importante. O Plano Nacional de Educação tem que ser debatido esse ano. Não sei se esse semestre é suficiente para poder concluir", projetou.
"Algumas pautas da educação são relevantes e a gente precisa tratar com cuidado", finalizou Bismarck, elencando outras prioridades nesse eixo, a exemplo de mudanças no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e nas regras na modalidade ensino a distância (EaD).
Ainda dentro do campo educacional, Idilvan Alencar comentou sobre a importância do Plano e ressaltou a relevância de outro viés que pode ser desencadeado por ele, a instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE), como previsto na Constituição Federal de 1988. "É uma pauta estratégica e precisa ser aprovada. Até o Camilo, no início da gestão, disse que ia conversar sobre isso", defendeu.
Legislando o Supremo
No penúltimo mês de 2023, o Senado Federal aprovou uma PEC que limita as decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e das demais Cortes superiores do País. A pauta, de interesse da oposição, foi defendida por Pacheco e se tornou alvo de discordância entre o Legislativo e o Judiciário. Ao chegar na Câmara, a matéria não engajou Lira e ficou de fora da pauta. A perspectiva é que ela seja apreciada ao longo deste ano.
Na época em que ficou em evidência, membros do Supremo chegaram a dizer que não houve discussão na tramitação da proposição. Decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes foi categórico ao considerar a matéria como "ameaça", que não seria tolerada pelos membros do colegiado. Roberto Barroso, por sua vez, disse que o tribunal via "com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação" e destacou a necessidade de um "diálogo institucional" entre os Poderes da República.
Além do regramento para decisões monocráticas, outra medida que busca legislar sobre a dinâmica da Suprema Corte brasileira deve ser colocada em pauta: a implementação de um tempo determinado para a permanência na cadeira de ministro ou ministra do Supremo, numa espécie de mandato, como o de agentes políticos. Atualmente, os magistrados podem permanecer no cargo até completar 75 anos - ao atingir tal idade, são aposentados compulsoriamente.
A ideia de fixar mandatos é uma das prioridades de Pacheco para 2024. Segundo o presidente do Congresso, a proposta deve ser debatida ainda no primeiro semestre. Na Câmara, no entanto, Lira já demonstrou publicamente que é contrário a essa atitude, pois poderia afetar a "isenção jurídica" dos ministros.
Provocado a falar sobre, o deputado Gastão ressaltou que o assunto deve mesmo entrar na ordem do dia do Congresso, nas duas Casas Legislativas. Ele mencionou que projetos cujo intento é a revisão das formas de atuação do STF já estão sendo discutidos nas comissões.
Veja também
Bismarck disse que também acredita na inserção da temática na agenda programática deste ano. "Isso pode ser uma pauta a ser debatida no Congresso, porque a gente tem aí uma série de resistências, tiveram operações dentro da Câmara dos Deputados recentemente", interpretou.
"Portanto, penso que o clima político levará ao debate sobre as limitações de decisões monocráticas, na revisão legal dos Poderes", citou. Segundo o pedetista, sua leitura do cenário não representa sua posição diante da discussão, mas que o contexto atual conduzirá a atuação legislativa a esse ponto, que ele considera como algo que será "forçoso".