Entenda como fraude à cota de gênero nas eleições pode punir dirigentes partidários; TSE julga caso
No Ceará, possível sanção ao presidente do PL Ceará, Acilon Gonçalves, está sob análise da Justiça Eleitoral
A fraude à cota de gênero tem sido alvo de punições mais severas da Justiça Eleitoral. Dentre elas, a principal é a cassação do diploma de todos os candidatos – eleitos e suplentes – da chapa onde foram apresentadas candidaturas fictícias de mulheres. Outra é a determinação de inelegibilidade, por 8 anos, das candidatas identificadas como fraudulentas.
Neste cenário, um ponto tem ganhado destaque: qual a responsabilidade dos dirigentes partidários sobre a apresentação de candidaturas para burlar a legislação eleitoral? Até porque são eles que, na teoria, montam as chapas de candidatos e apresentam os registros de candidatura à Justiça Eleitoral, por exemplo.
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Em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Maria Cláudia Bucchianeri propôs novo entendimento sobre a participação dos dirigentes em processos que investigam suspeitas de candidaturas fictícias de mulheres, para que possa ser apurada a responsabilidade destes dirigentes sobre a fraude.
Bucchianeri ressaltou que a exclusiva punição das mulheres com a inelegibilidade – quando identificadas como candidatas fictícias – é "um fardo exclusivo e assimétrico sobre a figura feminina", já "profundamente alijadas das estruturas partidárias e dos espaços de poder".
A nível estadual, o assunto também foi tratado durante julgamento, pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), de suspeita de fraude à cota de gênero na chapa de candidatos a deputado estadual do PL, nas eleições de 2022.
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As ações em análise pela Corte pedem, dentre outras sanções, a inelegibilidade por 8 anos do presidente do PL Ceará, Acilon Gonçalves. Até o momento, dos sete magistrados do Tribunal, quatro votaram contra a sanção ao também prefeito do Eusébio.
No julgamento, parte dos magistrados defendeu que não haveria provas suficientes de que ele, por participação ativa ou omissão, agiu para fraudar a cota de gênero. Outros, no entanto, ressaltaram não ser "crível" que, enquanto presidente do partido, ele não tivesse ingerência sobre as candidaturas apresentadas - incluindo, a inserção de candidatas fictícias.
'Banalização' da inelegibilidade de mulheres
Está sob análise do TSE o recurso da decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que julgou improcedente a suspeita de fraude à cota de gênero em chapas de candidatos a vereador dos partidos Avante e PP no município de Andradina.
O recurso estava na pauta da sessão desta terça-feira (16) na Corte, após pedidos de vistas, em fevereiro, da ministra Maria Cláudia Bucchianeri e do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal, para adiar o julgamento do caso. Contudo, o julgamento foi novamente adiado.
No voto apresentado, Bucchianeri explica porque pediu o tempo para "melhor análise". Apesar de concordar com o relator do processo, ministro Carlos Horbach, no reconhecimento da fraude à cota de gênero e consequente cassação das chapas dos respectivos partidos, ela discorda quanto à aplicação da inelegibilidade.
"A imposição de inelegibilidade automaticamente apenas às duas candidatas fictícias, sem investigação sobre a participação ou anuência individual de cada uma e sem indagação sobre os demais participantes necessários do conluio fraudulento, mereceria um outro olhar", aponta a ministra.
Ela cita a necessidade de apurar as responsabilidades individuais sobre a fraude, para "distribuição justa da sanção de inelegibilidade", já que ausência destas investigações sobre a forma como ocorreu e os envolvidos nesta fraude – além de uma sanção, por vezes, automática destas candidatas – pode ter um efeito de "banalização da inelegibilidade das mulheres cujas candidaturas foram tidas como fictícias".
Ao argumentar, a ministra relembra casos em que as mulheres sequer sabiam que tinham sido apresentadas como candidatas ou episódios em que estas mulheres podem ter sido coagidas a apresentar às candidaturas. "A candidata fictícia nem age dolosamente, em conluio com outras pessoas, para burla do comando legal", ressalta.
Ela relembra ainda que os dirigentes partidários são "legalmente responsáveis pela apresentação dos registros de candidatura", portanto devem integrar os processos que investigam suspeitas de fraude à cota de gênero. Atualmente, dirigentes – como o próprio presidente do partido – não precisam figurar entre as partes do processo.
"Proponho que esta Corte Superior desde já sinalize que, a partir das eleições municipais vindouras de 2024, é obrigatória a inclusão dos dirigentes partidários respectivos no polo passivo de investigações judiciais eleitorais fundadas em fraude à cota de gênero"
E qual o efeito desta decisão?
A proposição da ministra só terá efeito sobre os processos por fraude à cota de gênero caso seja aceita pela maioria do Pleno do TSE.
Se for assim, o novo entendimento da Justiça Eleitoral pode trazer "mais responsabilidade" aos dirigentes partidários. É o que aponta a professora de Direito Eleitoral na Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Observatório de Violência Política contra a Mulher, Raquel Machado.
Ela cita que, atualmente, as consequências da fraude à cota acabam sendo aplicadas a todos os candidatos apresentados na chapa de determinado partido, já que a candidatura, apesar de ser individual, é apresentada em bloco. "E se teve uma fraude, contamina a todos", explica.
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A inclusão dos dirigentes partidários nestes processos, vai permitir uma análise das condutas deles e oferecer a comprovação "da culpa ou não" deles. "Como podem ser atingidos, considerados inelegíveis, tendem a trazer mais responsabilidade", afirma.
Especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Amanda Guimarães reforça que é o dirigente partidário que "está à frente" e "dá a palavra final" para definição de candidaturas e apresentação das chapas à Justiça Eleitoral.
"Não tem como o dirigente partidário não saber que está havendo fraude à cota de gênero, é o partido que inscreve a chapa", argumenta. Para a pesquisadora, essa será uma boa oportunidade para uma reformulação dos partidos.
"Para que incentivem, para que essas mulheres tenham candidaturas com condição de competição. Os partidos têm bastante mulheres filiadas, mas elas não tem incentivo partidário. Acredito que essa proposta é muito feliz e vem ao encontro dessa reformulação".
Julgamento na Justiça Eleitoral do Ceará
No julgamento iniciado nesta segunda-feira (15) na Corte estadual da Justiça Eleitoral, um dos pontos discutidos foi se o presidente do PL Ceará, Acilon Gonçalves, também deveria sofrer sanção pela fraude à cota de gênero.
O TRE-CE formou maioria pela cassação da chapa do PL, o que inclui quatro deputados estaduais eleitos – Carmelo Neto, Dra. Silvana, Alcides Fernandes e Marta Gonçalves. A conclusão do julgamento, no entanto, foi adiada após o presidente do Tribunal, desembargador Inácio Cortez, pedir vistas.
Entre os quatro magistrados que reconheceram a existência de candidaturas fictícias na chapa do PL que concorreu à Assembleia Legislativa, dois foram contrários à punição de Acilon.
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A juíza Kamille Castro – que abriu a divergência após o relator da ação, Raimundo Nonato Silva Santos votar contra a cassação da chapa – afirmou que "não foi produzida nenhuma prova que trouxesse convicção inequívoca de que o investigado Acilon praticou diretamente ato destinado a fraudar cota de gênero, deliberadamente por meio de ação ou omissão de sua parte".
Portanto, não seria possível aplicar a sanção de inelegibilidade apenas pela "presunção de que o presidente da legenda, por sua posição hierárquica consinta ou detém conhecimento sobre os atos de gestão praticados por seus subordinados".
Ela citou depoimento de Acilon Gonçalves, no qual este afirmava que a responsabilidade quanto a convites a candidatos e candidatas, verificação de documentação e triagem final para definição de quais candidaturas seria lançadas ficaria a cargo do secretário-executivo, Carlos Henrique Magalhães.
O juiz Raimundo Deusdeth Rodrigues Júnior apontou, no entanto, que esta delegação feita por Acilon "não isenta de responsabilidade o presidente do partido".
"Ademais, considerando a importância da regularidade dos atos partidários, cujas falhas podem inviabilizar a candidatura de toda a chapa, não é crível que o presidente não tivesse ingerência sobre a lista de candidatos e não estivesse a par de uma fraude das proporções denunciadas".
Impacto do entendimento do TSE
Por enquanto, existe maioria formada, pelo TRE-CE, para não punir Acilon Gonçalves. Como o julgamento ainda não foi concluído, existe a possibilidade de mudança no voto, embora seja pouco comum que isso ocorra na Corte.
A mudança no entendimento no TSE também deve ter pouco impacto nesta decisão, explicam as especialistas ouvidas pelo Diário do Nordeste. Primeiro, porque o principal foco da proposta da ministra Maria Cláudia Bucchianeri é a inclusão dos dirigentes partidários no processo – o que já havia sido feito no caso da ação contra o PL Ceará.
Além disso, explica Amanda Guimarães, existe a "regra da anualidade", em que entendimentos do Tribunal Superior passam a ter efeitos práticos depois de um ano, ou seja, nesse caso os efeitos devem ser aplicados a partir das eleições de 2024.
Raquel Machado, no entanto, reforça, quanto à inelegibilidade de Acilon, "pode ser que no TSE, a situação mude". Nesse caso, seria menos sobre os efeitos do novo entendimento proposto por Bucchianeri e mais pela análise de eventual recurso apresentado à Corte Superior e, por consequência, das provas presentes no processo.