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Em 20 anos, quais foram as estratégias da oposição na disputa pela Prefeitura de Fortaleza

Pesquisadores apontam a desidratação, a falta de articulação e a má avaliação de gestões como indícios de fins de ciclos na Capital

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Pelos menos dois nomes da oposição prometem acirrar a disputa contra o prefeito José Sarto pelo comando do Paço Municipal
Legenda: Pelos menos dois nomes da oposição prometem acirrar a disputa contra o prefeito José Sarto pelo comando do Paço Municipal
Foto: Natinho Rodrigues/Diário do Nordeste

A cerca de um ano das eleições, o eleitor fortalezense se encaminha para assistir a uma disputa acirrada entre pelo menos três nomes para a Prefeitura da Capital. Além do atual prefeito José Sarto (PDT), que planeja disputar a reeleição, e de Capitão Wagner (União), oposicionista que atrai o eleitorado à direita, um terceiro nome deve emergir da oposição unindo forças que até pouco tempo estavam no entorno da atual gestão municipal.

Com essa composição, a atual gestão municipal pedetista deve enfrentar seu pleito mais desafiador, com uma oposição fortalecida, o próprio partido dividido e uma evasão de aliados, cenário que remonta a fins de ciclos municipais. Quem aponta esses obstáculos é o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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“Os ciclos de oposição estão muito presentes em Fortaleza, dificilmente o mesmo grupo perdura na Prefeitura, a exceção está sendo agora com o Roberto Cláudio, que ficou oito anos, e o Sarto, que está há três, é um período de eixo governista muito atípico em Fortaleza”, aponta.

“Mesmo no início da redemocratização, as oposições sempre tiveram esse peso. Na própria era mudancista, o então governador Tasso Jereissati era forte, mas a hegemonia em Fortaleza era de Juraci Magalhães, seu adversário. Ainda assim, quando ele (Juraci) enfraquece, vem um nome de oposição, a Luizianne Lins”, acrescenta.

Cleyton Monte reforça que esses ciclos oposicionistas na Capital são motivados por fatores em comum: “a oposição ganha força e o governismo se desidrata, perde articulação ou é mal avaliado”.

Somam-se a isso as características próprias do eleitorado da Capital.

“É um grupo diverso de opiniões, religiosidade, escolaridade e de faixa etária, com muitos jovens, que tem como característica mudar muito, não ter referências cristalizadas de voto. Além disso, não há grupos partidários consolidados na cidade, o PT tem simpatia, mas de um percentual do eleitorado que ganha eleição, ao mesmo tempo em que tem força nas periferias, tem grupos de classe média significativos”
Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador do Lepem da UFC

De Juraci para Luizianne

Foi assim há quase 20 anos, aponta o cientista político Emanuel Freitas, professor de Teoria Política na Universidade Estadual do Ceará (Uece), quando Juraci Magalhães (então PMDB) deu lugar a Luizianne Lins (PT) na cadeira de comando do Município.

À época, o prefeito indicou como sucessor Aloísio Carvalho (então PMDB). O candidato, contudo, não chegou nem a ir ao segundo turno, decidido entre Luizianne Lins e Moroni Torgan (PFL, à época). 

“Juraci vinha de um acúmulo de denúncias de corrupção muito forte, era uma gestão bastante desgastada, não como o Sarto agora, mas outro tipo de desgaste. Basta lembrar que, no meio da eleição, o genro do Juraci foi cassado na Assembleia, o Sérgio Benevides. Ele também escolheu um candidato fraco do ponto de vista da popularidade”, relembra Emanuel Freitas.

Estratégias de Luizianne

“Houve também um apelo pela novidade que colocou o Juraci como alvo de todo mundo e se fez presente nos candidatos que foram ao segundo turno”, acrescenta.

Foi nessa busca do eleitorado pela mudança que Luizianne conseguiu ser eleita mesmo com o próprio PT resistindo à sua candidatura. Durante a campanha, ela se apresentou como um nome para mudança na Capital e sempre ressaltando que era a candidata do PT. Do outro lado, seu principal adversário, Moroni Torgan, tinha apoio de caciques políticos como Tasso Jereissati.

A afirmação constante de ser petista se fazia necessária porque a cúpula da sigla, contrariada com a chapa liderada por Luizianne, resolveu apoiar Inácio Arruda, do PCdoB, durante o primeiro turno, fornecendo estrutura para showmícios — que ainda eram permitidos —, slogans com o nome de Lula e barrando envio de recursos para a campanha da petista.

Arruda ainda tinha apoio de outra importante liderança cearense, o ex-ministro Ciro Gomes. Sem a possibilidade de usar mensagens do presidente Lula ou de outras lideranças nacionais e locais do partido, a candidata do PT também reforçou a presença da população em seus programas eleitorais. 

Campanha de Luizianne em 2004 reforçava que ela era a candidata do PT porque a cúpula da sigla apoiava o candidato do PCdoB
Legenda: Campanha de Luizianne em 2004 reforçava que ela era a candidata do PT porque a cúpula da sigla apoiava o candidato do PCdoB
Foto: Reprodução

Mesmo no segundo turno contra Moroni, quando Lula e os petistas resolveram apoiá-la, a mandatária ressaltou diversas vezes que não deixaria de constar com o apoio do “povo”.

“Na eleição da Luizianne em 2004, tinha a conjuntura nacional muito pró-PT,  tinha também o próprio perfil dela, uma figura aguerrida, que surgiu como liderança feminina insurgente, mas também tinha o enfraquecimento do Juraci, que já acumulava desgastes e estava em decadência”, diz Cleyton Monte.

“Então, isso vai se repetindo, a oposição em Fortaleza ganha espaço a partir do momento que tem essa correlação de força nacional e estadual somada a uma gestão municipal que está desidratada e perde apoio de vereadores. Tanto em 2004 quanto em 2012, quando o Roberto Cláudio é eleito, ele e a Luizianne tinham apoio de lideranças importantes de Fortaleza nos bairros, isso é relevante porque fica claro que a oposição não se faz só no Executivo, se faz também no Legislativo”, conclui o pesquisador.

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De Luizianne para Roberto Cláudio

No comando da Prefeitura da Capital e agora com apoio do PT, Luizianne Lins conseguiu ser reeleita em 2008 ainda no primeiro turno. Contudo, sua segunda gestão enfrentou percalços. 

“Ela já enfrentava desgastes na administração, o segundo mandato era mal avaliado por uma parcela significativa da população, além de ter enfrentado problemas na aliança política e na campanha do seu sucessor, Elmano de Freitas, que não trazia a mesma imagem dela e não conseguia apresentar sua marca”, aponta Cleyton Monte.

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Para aquela eleição, Luizianne perdeu uma parcela importante da sua base ao bater de frente com o então governador Cid Gomes e lançar Elmano como seu candidato. Contrariado, o mandatário estadual lançou Roberto Cláudio na disputa. À época, Cid defendia como candidato governista Camilo Santana, então secretário das Cidades, mas a prefeita não aceitou.

Estratégia de Roberto Cláudio

Esse apoio do então governador Cid Gomes pesou na disputa e foi enfatizado pela campanha do então candidato Roberto Cláudio. O hoje pedetista centrou suas propostas em parcerias com o Estado, que entrou em rota de colisão com a Prefeitura de Fortaleza em 2011, com obras municipais e estaduais sendo paralisadas por conta das disputas entre Cid e Luizianne.

Um dos principais trunfos de Roberto Cláudio era a ampla base de apoio e o alinhamento com o governador Cid Gomes
Legenda: Um dos principais trunfos de Roberto Cláudio era a ampla base de apoio e o alinhamento com o governador Cid Gomes
Foto: Arquivo/Diário do Nordeste

O postulante à Prefeitura também destacava a intenção de investir em obras de infraestrutura na Capital, em sintonia com o Governo de seu padrinho político, Cid, que planejava equipamentos grandiosos para a Capital, como o Acquário e o Centro de Eventos. 

A área da infraestrutura também era uma das mais sensíveis da gestão petista, que recebia críticas por conta da má qualidade das vias de Fortaleza. Mais que fazer, Roberto Cláudio prometia "fazer bem feito" e implementando uma "gestão austera" no Município. 

Para o pleito, o grupo do governador ainda conseguiu atrair mais de dez siglas para reforçar sua coligação, ampliando o financiamento de campanha e o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Já do lado petista, mesmo com a vinda de Lula ao Ceará para defender a eleição de Elmano, o resultado nas urnas foi uma vitória para Roberto Cláudio.

Reunião da Executiva do PT, em 3 de junho de 2012, para escolha do candidato a prefeito de Fortaleza
Legenda: Reunião da Executiva do PT, em 3 de junho de 2012, para escolha do candidato a prefeito de Fortaleza
Foto: Tuno Vieira/Diário do Nordeste

Reeleito em 2016, o pedetista chegou a 2020, no fim de seu segundo mandato, com um cenário diferente de seus antecessores. À época, ele tinha uma base ampla e consolidada, com a popularidade em alta e, ao indicar seu sucessor, José Sarto, recebeu apoio de lideranças estaduais, como Cid Gomes, e apoio indireto do então governador Camilo Santana, que, mesmo sendo petista, não embarcou na campanha de Luizianne naquele pleito.

Assim, o mandatário conseguiu transferir seu apoio popular para Sarto. O atual prefeito, no entanto, foi eleito por uma margem estreita de votos, uma diferença de 43.760 mil votos para Capitão Wagner (União).

“Essa oposição do Wagner é uma oposição fortalecida porque perdeu, mas não perdeu forte na última eleição municipal. Você tem ainda esse mesmo candidato em 2022 sendo o mais votado (a governador) na Cidade, o que mostra o fortalecimento dele e o recall de oposição mantido na cidade”
Emanuel Freitas
Professor de Teoria Política na Uece

O oposicionista Capitão Wagner

Apesar de nunca ter vencido disputas pelo Executivo, o ex-deputado e atual secretário da Saúde de Maracanaú, Capitão Wagner, é o nome que vem se mostrando mais competitivo nos últimos pleitos como representante do eleitorado mais à direita. Em 2016 e 2020, ele chegou a disputar o segundo turno contra Roberto Cláudio e Sarto, respectivamente.

Agora, já colocou seu nome à disposição da disputa, mas enfrenta resistência de nomes mais ligados ao bolsonarismo, como os deputados Carmelo Neto e André Fernandes, ambos do PL.

Grupo mais próximo a Bolsonaro no Ceará planeja lançar várias candidaturas
Legenda: Grupo mais próximo a Bolsonaro no Ceará planeja lançar várias candidaturas
Foto: Camila Lima/Diário do Nordeste

Estratégias de Capitão Wagner

Liderança que ganhou projeção após o motim da Polícia Militar de 2012, Wagner sempre teve sua carreira política na esteira da pauta da segurança pública, onde defende a valorização dos agentes e investimentos em equipamentos e capacitação para a categoria.

Com essa bandeira, o político, que começou a vida pública alinhado a nomes do PT, passou a atrair o eleitorado da direita. Nas campanhas recentes para o Executivo, contou com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus aliados de primeira ordem no Ceará.

Capitão Wagner iniciou a vida pública alinhado a nomes da esquerda
Legenda: Capitão Wagner iniciou a vida pública alinhado a nomes da esquerda
Foto: Reprodução/Propaganda Eleitoral Gratuita

Wagner, no entanto, tenta atrair também o eleitorado de centro e não toma uma postura de radicalização da direita, como outros nomes mais alinhados ao ex-chefe do Executivo nacional no Ceará. Essa posição acaba causando insatisfação a grupos bolsonaristas no Ceará, que prometem lançar inclusive uma candidatura para a Prefeitura de Fortaleza no próximo ano.

Além da segurança pública, o político também levanta a pauta da acessibilidade, com propostas eleitorais voltadas ao direito de pessoas com deficiência. 

Para Cleyton Monte, neste campo da oposição, o pleito pode se mostrar mais desfavorável que em anos anteriores devido justamente à fragmentação. 

“Antes da disputa interna, o Wagner enfrenta uma disputa interna no grupo político, entre os conservadores, já que não há consenso em torno do nome dela. É possível que haja várias candidaturas, o que enfraquece o eleitorado”, aponta.

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“Para uma oposição ser viável e competitiva, ela tem que ter recursos, tempo de televisão e uma boa chapa de vereadores (...) então, acredito que o impacto disso será uma  fragmentação de um eleitorado conservador de direita e de extrema direita”, acrescenta Cleyton.

Desafios para Sarto

Após quase três anos de gestão, o prefeito José Sarto enfrentou, já no primeiro mandato, desafios que seus antecessores como Juraci e Luizianne passaram a se deparar somente no segundo. O pedetista viu, por conta da eleição de 2022, seus principais aliados estaduais se afastarem.

Mesmo correligionário, Cid Gomes atualmente integra uma ala do PDT diferente da de Sarto. Camilo Santana, que virou a principal liderança política do Estado, também se afastou do pedetista. Dentre as lideranças que o apoiaram na linha de frente da campanha em 2020, apenas Roberto Cláudio segue ao lado do pedetista, mas ainda digere uma derrota no primeiro turno no pleito do ano passado para Elmano de Freitas.

Para Emanuel Freitas, esses são sinais claros do desgaste de um projeto.

“É um desgaste na gestão do mesmo campo político que governa a Prefeitura já há algum tempo. Para alguns, aqueles que colocam Luizianne e Sarto dentro do ciclo Ferreira Gomes, é um projeto que governa desde que ela foi eleita. Para outro grupo, esse ciclo começou com o Roberto Cláudio, então é outro tipo de desgaste”, avalia.

“Além disso, você tem a constituição, desde o governo Roberto Cláudio, de uma força de oposição no PT mantida pelo grupo da Luzianne que fez oposição ao Roberto Cláudio por 8 anos e continua agora com o Sarto (...) e essa oposição identifica o governo do Roberto Cláudio e do Sarto como um governo que não seria de esquerda, por isso você tem esse repositório de votos da oposição juntando os 12 anos de PDT mais uma má avaliação da gestão do Sarto”, conclui.

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