Baú da Política: o prefeito cassado que governou por procuração após eleger a esposa como sucessora
O político conversou com o Diário do Nordeste e negou que tenha feito a manobra política, apesar de ter confirmado na época
“Helena reina, mas não governa” era um resumo da situação política do município de Pacajus, na Região Metropolitana de Fortaleza, no fim da década de 1980. Helena é Maria Helena Amaral Chaves, então prefeita da cidade. Ela assumiu em 1989 após seu marido, Zé Wilson Chaves, ter o mandato cassado. Contudo, assim que chegou ao cargo, a mulher foi acusada de ter registrado uma procuração no cartório dando ao esposo total poder para administrar o Município.
Antes disso, Helena tomou outras decisões como chefe do Executivo de Pacajus, todas beneficiando Wilson: perdoou juros, correção monetária e multas da dívida pública do marido, reduzindo de NCz$ 350 mil (cruzados novos) para NCz$ 733, e solicitou na Justiça a devolução dos bens bloqueados do companheiro. A política ainda nomeou o marido como secretário de assuntos Políticos e Administrativos.
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“Quem manda aqui sou eu”, declarou Wilson a uma matéria do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em 6 de junho de 1989, intitulada “Helena reina, mas não governa”. Contudo, o “reinado” de Helena durou pouco, ela logo foi afastada do cargo e, em 1990, foram realizadas novas eleições.
Mais de 30 anos depois, o ex-prefeito nega que ele ou sua esposa tenham feito a manobra administrativa, mas reconhece que tinha um importante cargo na gestão à época. “Eu era só funcionário de um cargo de confiança e, dentro do meu cargo, como qualquer profissional, tomei as diretrizes cabíveis”, afirmou em entrevista ao Diário do Nordeste nesta quarta-feira (13).
Zé Wilson em 1989
Na matéria veiculada no jornal carioca, Wilson confirmava que era ele quem mandava no Município e a própria esposa do ex-prefeito dava o aval.
“Como mulher casada não ficaria bem para mim ter outro homem de confiança que não fosse o meu marido. Dou carta branca a ele", justificava Helena, que se definiu à reportagem como "uma dona de casa" que não gostava de política. Ao jornal, ela também admitia a assinatura da procuração — atualmente negada por Zé Wilson —, que dava a ele o direito de, em nome da Prefeitura de Pacajus, fazer qualquer tipo de compra, visar contracheques de funcionários e autorizar o abastecimento e indicar cargos oficiais.
Ainda conforme o Jornal do Brasil, o marido de Helena ainda demitia funcionários da Prefeitura e até fazia discursos solenes. Com tanto poder, Wilson passou a ser alvo de vereadores da Cidade, entre eles José Maria Falcão, então no PDT, que entrou na Justiça com um mandado de segurança para anular a sessão da Câmara que perdoou as dívidas de Zé Wilson usando como argumento a prefeita ser esposa do antecessor.
Contudo, a queixa não avançou, já que a Constituição autorizava, nas eleições de 1988, a candidatura de cônjuges dos prefeitos que exerceram menos de três anos de mandato. Como Zé Wilson foi cassado antes desse período, a esposa dele poderia disputar a função.
Manobra política
À época, Zé Wilson conversou com a reportagem carioca e admitiu abertamente seus interesses com a manobra usando as “brechas da lei”.
“Aqui não se trata de machismo, fiz mesmo uma jogada para me garantir no poder", disse. Logo depois, ele emendou: "Ela não tem experiência alguma, você acha que eu poderia deixá-la comandar a prefeitura? Os gaviões engoliriam ela. Comigo aqui, eu engulo eles primeiro", concluiu.
Zé Wilson em 2023
Na entrevista que concedeu ao Diário do Nordeste nesta semana, o discurso de Zé Wilson é outro. Ele diz ser “imputado” de ter feito a manobra administrativa pela posição.
Hoje, o ex-prefeito exalta a eleição da esposa como um marco da participação feminina na política.
“Acredito que ela foi a primeira mulher prefeita, ou uma das primeiras, mas era muito discriminada nessa época, uma coisa que não pode ser, é um tabu que está sendo quebrado e a mulher é muito importante em todos os pontos. Elas são mais compreensíveis, o homem é mais veloz, e a mulher é sempre a flor do lar, é a pessoa que ajeita tudo, que determina”
O político reforça que não cometeu qualquer ilegalidade ao indicar como sucessora a esposa, já que a Constituição não vedava tal manobra.
Para Zé Wilson, apesar das entrevistas que concedeu à época, dizer que ele quem comandava a prefeitura foi uma narrativa criada pela oposição.
“Criam, inventam, mas o melhor julgamento que tem é o voto do povo”, rebate em referência às duas outras vezes em que foi eleito prefeito da Cidade: em 1996, quando venceu a disputa nas urnas, e em 2000, quando foi reeleito, mas teve novamente o mandato cassado.
Na segunda cassação, em 2001, o político foi sucedido pelo próprio pai, o vice-prefeito Expedito Chaves Cavalcante, que também foi afastado da cadeira em 2003. Anos depois, outro familiar de Zé Wilson, o filho, Flanky Chaves, foi eleito em 2017 para comandar a Prefeitura de Pacajus, mas acabou afastado em 2017 e cassado em 2018.
“Fui prefeito três vezes, botei meu pai, minha esposa, meu irmão e meu filho, mas Pacajus tem histórico de cassar, é o meu caso. A oligarquia política que derrotamos nunca imaginou que uma pessoa simples chegasse a derrubar uma oligarquia, e eu consegui dentro de um trabalho diretamente associado à sociedade cearense”, argumenta.
Instabilidade política em Pacajus
Conforme o Diário do Nordeste mostrou no último dia 27 de setembro, Pacajus tem vivido há décadas um cenário de incerteza sobre quem ficará na cadeira de prefeito da cidade.
O prefeito eleito em 2020, por exemplo, o pedetista Bruno Figueiredo, foi cassado pela Câmara Municipal, que elegeu e empossou, em 23 de setembro, Tó da Guiomar (União) como prefeito para 'mandato-tampão' até dezembro de 2024.
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Desde a redemocratização, em 1988, apenas quatro prefeitos conseguiram terminar os quatro anos de mandato à frente da Prefeitura.
Foram eles: Orlando Lourenço de Sousa, de 1993 a 1996; Zé Wilson Chaves, de 1997 a 2000; Fan Cunha, de 2005 a 2008; e Marcos Paixão, de 2013 a 2016.