Servidores públicos: o bode expiatório da vez
Fim de mês, boleto vencendo, fila no posto de saúde, matrícula do filho na escola pública. É nesse aperto que reaparecem manchetes dizendo que “o funcionalismo vive de supersalários”. A mensagem é direta: enquanto você se vira nos trinta, o servidor estaria nadando em dinheiro público.
Esse enredo tem um truque. Os estudos que falam em “supersalários” miram uma minoria da máquina pública: cúpulas do Judiciário, Ministério Público, alta burocracia federal, Legislativo. É a elite da elite. Quando o assunto vira manchete, o rótulo cola em todo mundo que trabalha no serviço público.
Na vida real, o servidor que o leitor encontra é outro: a professora da escola do bairro, o técnico de enfermagem, o policial que faz ronda, o atendente do INSS. Gente que ganha longe de qualquer “super” e que muitas vezes trabalha com falta de pessoal, estrutura ruim e pressão por resultado.
Isso não significa que não existam distorções no topo. Existem, e devem ser enfrentadas com transparência: revisão de penduricalhos, critérios claros sobre o teto, fim de benefícios injustificáveis. O problema é usar casos extremos como desculpa para atacar todo servidor, inclusive o da base, que mantém a porta do Estado aberta para o cidadão comum.
Na prática, esse discurso tem efeito concreto: congela salários, atrasa concursos, estimula terceirizações baratas e ajuda a sucatear escolas, hospitais e postos de atendimento. Quem paga a conta não é o “marajá imaginário”, é o usuário do serviço público, que encontra fila, demora e falta de estrutura.
Em vez de repetir que “tem servidor demais”, a pergunta mais honesta é outra: há servidor suficiente onde ele faz falta? Em muitas áreas, especialmente saúde, educação e segurança, a resposta é um sonoro não. Sem quadro mínimo, não há direito que saia do papel, por mais bonita que seja a Constituição.
Defender o servidor público – sobretudo quem está na ponta – não é defender privilégio. É lembrar que políticas de saúde, educação, segurança e assistência não se executam sozinhas. Precisam de gente qualificada, minimamente valorizada e protegida de pressões políticas. Sem isso, o Estado que sobra é forte com os fracos e fraco com os fortes – filme que o Brasil já assistiu vezes demais.
Ítalo Bezerra é advogado