Educação em modo contemplativo
Escrito por
Davi Marreiro
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Legenda:
Consultor pedagógico e professor
O novo Plano Nacional de Educação chega ao Senado com quase dois anos de atraso, um registro prático da distância entre intenção e método. Antes mesmo de vigorar, o PNE já se oferece como estudo de caso do atraso crônico do Estado brasileiro: o velho cultivador de intenções. Parafraseando Lima Barreto, nossa política educacional sofre de um dos grandes “males da cajucultura”: um plano de manejo contemplativo, conduzido no ritmo da estação errada, em que a espera prolongada é tratada como técnica. Segundo o portal do Senado, o intervalo serviu para aprofundar o diálogo, avaliar alternativas e “construir um texto plenamente voltado para a melhoria da educação brasileira nos próximos 10 anos.”
Se o argumento do atraso foi a busca por um texto “pleno”, os efeitos revelam podas preocupantes. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação identificou uma supressão inadequada de “vegetação estruturante”: redução do foco em inclusão e diversidade; estreitamento das diretrizes da educação especial; homogeneização conceitual ao trocar “diversidades” por termos genéricos; além do arranquio de propostas de movimento na educação infantil e do desmonte de medidas específicas de prevenção ao abuso sexual. Outros “impactos ecossistêmicos” decorrem do nivelamento do planejamento educacional, ao substituir referências objetivas a raça, território e condições socioeconômicas por um rótulo amplo como “desigualdades educacionais”. Soma-se a isso o empobrecimento da educação digital, reduzida a um alinhamento superficial, sem incorporar uma abordagem consistente de direitos digitais.
Por fim, a questão central não é retórica, é operacional: como garantir um plano exequível, financiável, monitorável e mensurável? No manejo, não basta desenhar o talhão: é preciso prever insumos, cronograma, responsáveis, indicadores e correções de rota. O que se observa, porém, é uma democracia procedimental que somente cumpre ritos; agregativa, que soma interesses sem definir prioridades; e reativa, que só ajusta o plano depois da perda da safra. Se o tempo é insumo estratégico, por que vira desculpa depois do atraso, e não regra básica do planejamento?
Davi Marreiro é consultor pedagógico