Será mesmo que o trabalho é um vilão?
Nos últimos tempos, tenho escutado com frequência um discurso que me incomoda: o de que o trabalho é, por natureza, opressor. Que é fonte inevitável de sofrimento. Que precisamos escapar dele para sermos felizes. Com todo o respeito, eu discordo.
Eu sou uma mulher que ama trabalhar. Sempre amei. Desde o meu primeiro estágio até hoje, como CEO, o trabalho sempre foi, para mim, fonte de orgulho, propósito e realização. Nunca vivi um ambiente tóxico. Nunca adoeci por causa do trabalho. Pelo contrário: sempre encontrei no trabalho um espaço para crescer, contribuir, construir. Trabalhei muito, sim e com paixão. Com entrega. Com desejo sincero de fazer a diferença.
Talvez por isso a cena que vivi recentemente em um bar tenha me tocado tanto: um barman produzindo drinks sem parar, com uma habilidade quase coreografada. Sabia todas as receitas de cor. Movia-se com fluidez, como num espetáculo.
Sorria o tempo todo. Interagia com leveza. Estava claramente em flow, aquele estado de máxima concentração e prazer descrito por Mihaly Csikszentmihalyi. E eu pensei: ele ama o que faz. E por isso entrega tanto.
E é exatamente assim que sempre me senti. Claro que ambientes e culturas variam. Claro que existem empresas que precisam mudar. Mas não podemos cair na armadilha de demonizar o trabalho em si.
O trabalho é um espaço de desenvolvimento cognitivo, emocional e social. É onde nos desafiamos, crescemos, criamos vínculos. É onde aprendemos a lidar com metas, com feedbacks, com frustrações e vitórias. Onde conhecemos pessoas que carregamos pela vida. É onde, muitas vezes, descobrimos quem somos.
E quando ele falta, o impacto é real. O suicídio é hoje a terceira causa de morte entre jovens de 10 a 24 anos no Brasil. Entre os idosos, 27% dos suicídios globais ocorrem após os 60 anos. Em ambos os casos, a ausência de trabalho, de rotina e de pertencimento é um fator agravante.
A ergonomia nos ensina que tanto a sobrecarga quanto a infra carga são riscos psicossociais. A falta de desafio, a ausência de propósito, o excesso de ociosidade também adoecem.
Não é o trabalho que adoece. É o despreparo de algumas lideranças. É a ausência de escuta. É o desrespeito aos limites. Mas o trabalho, em si, é um dos instrumentos mais potentes de saúde e dignidade que temos.
Acredito que as empresas têm, sim, um papel social fundamental. Elas podem e devem ser lugares de cuidado. Mas isso só será possível quando reconhecermos que o trabalho não é o vilão da história. Ele pode, inclusive, ser o herói.
A pergunta que fica é: o problema está no trabalho ou na forma como o conduzimos?
Tatiana Pimenta é engenheira civil