Niède Guidon
Foi somente em 1963 que, trabalhando no Museu Paulista, administrado pela USP, que ela teve as primeiras informações sobre a região de São Raimundo Nonato e da Serra da Capivara
A arqueologia brasileira deve muito, com certeza, a Niède Guidon (1933-2025). Essa cidadã, nascida em Jaú (SP) e desaparecida no dia 4 de junho próximo passado, é responsável por importantes trabalhos de pesquisa nessa área. Niède faleceu aos 92 anos, no município de São Raimundo Nonato (PI), onde dedicou sua vida, por quase cinquenta anos, à preservação das pinturas rupestres que descobriu e estudou na região. Seu pai, Ernesto Guidon, era italiano, natural de Turim, e sua genitora, Cândida Viana de Oliveira, tinha ascendência colonial luso-brasileira.
Em 1959, Niède graduou-se em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP), especializando-se em Arqueologia Pré-histórica, com ênfase na arte rupestre, na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, entre 1961 e 1962. Obteria o doutorado, por essa mesma universidade francesa, em 1975, com a tese que teve por título “Les peintures rupestres de Varzea Grande, Piauí, Brésil”, sob a orientação do arqueólogo, paleontólogo e antropólogo francês André Leroi-Gourhan (1911-1986).
Foi somente em 1963 que, trabalhando no Museu Paulista, administrado pela USP, que ela teve as primeiras informações sobre a região de São Raimundo Nonato e da Serra da Capivara. Durante uma exposição sobre as pinturas rupestres da região de Lagoa Santa (MG), acontecida naquele museu, soube, através do prefeito de Petrolina (PE), da existência de tais pinturas. Por conta de perseguições após a eclosão do golpe militar de 1964, Niède teve que deixar o Brasil. Durante oito anos, viveu na França, lecionando numa instituição de ensino superior daquele país, somente retornando ao Brasil em 1973, quando visitou o Piauí pela primeira vez.
Atraída pela riqueza dos sítios arqueológicos ali existentes, Niède convenceu o governo francês, em 1978, a estabelecer uma missão científica para estudar a pré-história no Piauí. Dessa missão franco-brasileira, composta por ela e outros pesquisadores, decorreria a criação, pelo governo federal, do Parque Nacional da Serra da Capivara, em 1979. O parque seria declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 1991. Como arqueóloga chefe, Niède foi responsável pela preservação, desenvolvimento e gerenciamento dos projetos do parque. Ela e sua equipe descobriram mais de 800 sítios pré-históricos, que contribuíram para a elucidação do processo de povoamento das Américas. Mais de 600 desses sítios contêm pinturas rupestres.
Na formação geológica denominada Pedra Furada, por exemplo, foram descobertas evidências de uma cultura paleoamericana que os pesquisadores acreditam ser de cerca de 30.000 anos A.P. (Antes do Presente, medida de tempo adotada pela Arqueologia, que tem como base de referência o ano de 1950). Niède registrou mais de 35 mil imagens arqueológicas e publicou inúmeros artigos e livros. Em 1986 suas descobertas vieram à tona pela primeira vez, com a publicação de artigo na conceituada revista científica britânica Nature, no qual afirmou ter descoberto lareiras e artefatos humanos datados aproximadamente de 32.000 A.P. Por quase 50 anos, ela liderou as pesquisas arqueológicas na região e teve seu trabalho reconhecido.
Até o fim de sua existência, porém, manifestou constante preocupação pela preservação daquele importante patrimônio, o que se espera que continue, dada a importância do legado do seu trabalho.