Qual o efeito do "Custo Aluno Qualidade" em 5,9 mil escolas no Ceará

Hoje, as redes de ensino do País não têm o financiamento atrelado a um padrão de qualidade. Adoção de novos critérios deve ajudar gestores públicos sobre o quê e o quanto é necessário para atingir parâmetros desejados

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Sala de aluna da rede municipal de Fortaleza
Legenda: A perspectiva é que o CAQ seja adotado como um indicador do financiamento necessário para ter um padrão de qualidade nas escolas brasileiras.
Foto: Camila Lima

Imagine uma escola de boa qualidade. O que ela tem em estrutura física e recursos pedagógicos? Quanto é necessário para mantê-la? No Brasil, embora a ideia conste em algumas normas legais da educação, não há ainda na prática um parâmetro de financiamento que considere um padrão de qualidade a ser seguido nas escolas públicas.

O Plano Nacional de Educação, que vigora de 2014 a 2024, prevê o uso do Custo Aluno Qualidade (CAQ). Ele é um indicador aos gestores públicos do que cada escola precisa ter - como saneamento básico, laboratórios e bibliotecas - e de quanto é necessário para garantir modelos de qualidade. Porém, não saiu do papel. Agora, na discussão no Senado sobre a permanência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos profissionais da educação (Fundeb), o CAQ voltou ao debate. Mas, qual o seu impacto para as 5.916 escolas públicas no Ceará? Qual o efeito para profissionais e alunos?

Na prática, no atual modelo de financiamento da educação no Brasil, as redes de ensino trabalham com dinheiro que se tem disponível (orçamento pré-estabelecido) e não com aquilo que se necessita especificamente em cada escola para, de fato, ter qualidade.

A maior fonte de recursos para o ensino infantil, fundamental e médio no País é o Fundeb. Dele provém cerca de R$ 6,00 a cada R$ 10,00 investidos na educação básica.

No Ceará, a dependência do Fundeb é tão alta que em 173 dos 184 municípios cearenses o dinheiro do Fundo é mais de 80% dos recursos para a educação. No Fundeb, a distribuição de recursos para as prefeituras e governos considera o valor-aluno/ano (VAA): é a equação entre o dinheiro gerado pela vinculação de 20% de um conjunto de impostos e das transferências constitucionais a estados e municípios, dividido pelo número total de matrículas no ano.

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Debate

Nos últimos meses, o Fundeb voltou a ser discutido, pois, legalmente perderia a validade no fim de 2020. Em julho, um texto aprovado na Câmara Federal, além de estabelecer o Fundeb na Constituição e ampliar gradativamente de 10% para 23%, até 2026, a complementação do Governo Federal ao Fundo, ou seja, aumentar o quanto a União deve disponibilizar para completar o dinheiro usado nas redes municipais e estaduais, também estabeleceu que o CAQ seja adotado como um indicador do financiamento necessário para ter um padrão de qualidade nas escolas brasileiras.

O Fundeb ainda precisa ser votado no Senado. A previsão é isto ocorra nesta terça-feira (25). A perspectiva é que a adoção do CAQ ajude a superar as desigualdades educacionais.

Tendo o CAQ como referência, prefeitos e governadores devem assegurar, dentre outros, que as escolas tenham: energia, água potável, número adequado de alunos por sala, alimentação, biblioteca, laboratório e quadras. Além disso, os professores devem receber o piso salarial, assim como os demais profissionais serem remunerados de forma apropriada. Esses são alguns dos elementos que compõem o conjunto de parâmetros do CAQ. Eles irão orientar o financiamento.

No Ceará, dados da Pnad Contínua Educação do IBGE de 2019 indicam que 65,56% das escolas públicas estaduais e municipais não possuíam todos os itens de saneamento básico; 20,6% não tinham coleta de lixo regular e 4,8% tinham carência de água potável.

Para se ter noção do efeito que o estabelecimento do CAQ pode ter no dia a dia das escolas, conforme um cálculo do professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), integrante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e do Laboratório de Dados Educacionais (LDE), Thiago Alves, a variação entre o que é investido com o valor-aluno/ano (padrão adotado hoje) e o que pode ser com o CAQ (padrão proposto), chega a ser de R$ 183,00 por mês e por aluno nas séries iniciais do ensino fundamental, em horário parcial nas escolas urbanas.

Se for um aluno desta mesma etapa, mas com aula no período integral, a diferença entre custo do Fundeb e o com base CAQ, segundo o simulador feito por Thiago, é de R$ 272,00 ao mês. Esta comparação usa médias que consideram o menor valor-aluno do Fundeb, o que geralmente, é a realidade dos estados nordestinos.

Funcionamento

"Hoje, não existe a implementação do CAQ. Na ausência disso, a única referência que temos é o valor de aluno do Fundeb", ressalta. O cálculo dessas diferenças pode ser feito no Simulador Custo Aluno Qualidade (SimCAQ), um projeto de pesquisa do LDE, segundo o professor, financiado pelo Ministério da Educação. Os dados, ressalta ele, não evidenciam que o valor do atual modelo de financiamento por aluno deveria ser dobrado, mas revelam que "eles têm uma distância e que deveriam ser significativamente maior".

A integrante da coordenação colegiada do Cedeca Ceará e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Marina Araujo, reforça que "o CAQ é um poderoso instrumento de controle sobre como estão sendo aplicados os recursos públicos na educação, ao estabelecer um padrão de investimento de qualidade para as escolas públicas".

Ela acrescenta "além disso, o CAQ possibilita a tirar do papel outras leis já vigentes como a Lei 12.224 de 2010, que prevê que todas as escolas públicas e privadas devem contar com bibliotecas". Ela destaca ainda que o CAQ será detalhado em uma lei de regulamentação, após aprovação do novo Fundeb.

 

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