Pesquisa detalha o impacto da pandemia de Covid-19 na saúde mental

Os índices são piores entre quem já teve a doença do novo coronavírus, ou mora com pessoas em grupo de risco. A observação foi feita após um estudo do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza

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(Atualizado às 08:52, em 26 de Julho de 2020)
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Foto: Márcio Dornelles

A pandemia da Covid-19 vem deixando um rastro visível de danos - somente no Ceará, já se acumulam mais de 7 mil mortes pela doença. Em paralelo, outro rastro menos perceptível se estabelece. Fatores intrínsecos à nova realidade podem afetar progressivamente a saúde mental e, segundo uma pesquisa recente, os piores índices ocorrem entre pessoas que já tiveram a doença, aquelas que não são do grupo de risco, ou que moram com pessoas do grupo de risco, e também as que concordam com o isolamento social.

Esses perfis foram observados em um levantamento feito por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPG) da Universidade de Fortaleza (Unifor). Nele, 2.705 brasileiros - entre eles, 1.135 cearenses - responderam a um questionário durante o atual período de pandemia. Com as respostas, foram verificadas as possíveis correlações entre sintomas psiquiátricos e variáveis relacionadas ao contexto da Covid-19.

"Na versão final do estudo identificamos quais são os fatores que estão relacionados com o adoecimento em saúde mental do brasileiro", diz a professora da Universidade de Fortaleza, doutora Cynthia Melo, coordenadora da pesquisa. "São índices de depressão, ansiedade e estresse", complementa. O trabalho contou com a participação de outros seis professores, além de alunos de Mestrado e Doutorado da Instituição.

Preocupação

A psicóloga Renata Castro, 42, tinha uma rotina voltada aos cuidados em prol do bem-estar psíquico, atuando como voluntária no Movimento de Saúde Mental Bom Jardim. Entre abril e maio, porém, esse mesmo apoio foi necessário para ela, dessa vez como paciente, após receber o diagnóstico positivo para Covid-19.

"Quando saiu o resultado, fiquei em pânico, comecei a chorar. Achei que fosse ser internada", lembra. Renata já convivia com tosse incessante, fraqueza e ausência do paladar e do olfato desde 25 de abril, mas o resultado do teste só foi liberado no dia 1º de maio. A preocupação se estendia à sua mãe de 70 anos de idade, com quem mora, e que faz parte do grupo de risco da doença. O contato entre as duas ficou restrito ao espaço da janela na varanda de casa. "Minha mãe fazia tudo que podia por mim, me dava as coisas pela janela. Felizmente, ela não teve nenhum sintoma", relata a psicóloga.

Renata diz que passava o dia envolvida com atividades do Movimento e também atendia pacientes em domicílio, até precisar parar. "Eu tive momentos de ansiedade horríveis, extremos. Não estava sendo produtiva, estava dando trabalho, não conseguia ser eu mesma, era totalmente dependente, limitada. Minha cabeça ficava a mil, e a saúde mental foi a zero", lamenta.

Hoje, Renata está curada, mas ainda precisa se manter em isolamento. As sessões online de reiki e yoga têm sido suas principais aliadas, entre as atividades integrativas do Movimento de Saúde Mental Bom Jardim. "Eu me sentia mais tranquila com a meditação. Tive que reeducar minha alimentação, passar a me movimentar mais. Mas a respiração continua debilitada".

Ainda de acordo com Cynthia Melo, pessoas que consomem menos informações ou têm menor capacidade de ajustamento e adaptação à realidade, à resolução de problemas e à interação com os desafios também apresentam piores índices de saúde mental. "Quem mora com quem é do grupo de risco, talvez a demanda ali de ajuda, apoio e suporte, e também o medo de contaminar essa pessoa pode facilitar esse adoecimento de saúde mental. As pessoas que estão em maior nível de isolamento, mais privadas da liberdade, estão mais adoecidas mentalmente", pondera.

Por outro lado, a pesquisa também serviu para identificar quais aspectos favorecem a adesão às medidas de contenção do coronavírus, como o isolamento social e o uso de máscara. "A gente avaliou algumas variáveis, e tivemos dados muito interessantes. O primeiro: as pessoas que concordam com a Organização Mundial da Saúde (OMS) são as que têm alto nível de adesão (ao isolamento); pessoas que discordam do atual presidente da República também apresentam maior nível de adesão", diz a coordenadora.

Empatia

A aceitação das medidas de prevenção também está relacionada ao altruísmo e à empatia, segundo a pesquisadora. Ao se preocuparem não apenas consigo, mas com os demais, e colocando-se no lugar do próximo, é mais provável que adotem atitudes para evitar disseminação do vírus.

As dificuldades voltadas ao contexto do isolamento social são um tema recorrente nos atendimentos feitos por Ana Cláudia Veneziani, psiquiatra da clínica Mundo Akar - seja pelo medo do próprio paciente adoecer, ou de ver seus entes queridos adoecerem.

"Por ficarem muito preocupados (com o isolamento) e observarem as pessoas que não estão fazendo corretamente, acabam ficando mais nervosos. Quem tem medo de adoecer fica nervoso com essa falta de preocupação das outras pessoas. Tenho atendido muitos casos de síndrome do pânico", diz a médica. Na clínica Mundo Akar, os atendimentos presenciais já foram retomados, com hora marcada e horário reduzido.

Ela recomenda aos pacientes que passem por sessões de terapia com psicólogos, para que possam conhecer melhor a si mesmos e, assim, controlar seus sintomas, identificando as crises de ansiedade. "Oriento que pratiquem meditação e atividade física, alimentação melhor. No período de quarentena, muita gente diminuiu a qualidade da alimentação. Acaba consumindo mais fast-food, alimento industrializado", avalia.

Controle emocional

Uma das pacientes da clínica, que terá sua identidade preservada, relata que percebeu uma melhora após passar por sessões de terapia integrativa a distância - reiki - enquanto se recuperava da Covid-19, em abril. "Os sintomas mais fortes que eu senti foram dor no corpo, uma dor inexplicável, e taquicardia, ansiedade. Se você não tiver um controle emocional muito grande, você agrava o seu caso", revela.

A paciente de 51 anos diz que passou a se sentir melhor três semanas após o diagnóstico, mas a preocupação com os pais idosos, de 84 anos, permanece. "Tenho medo de eles saírem enquanto ainda não houver vacina. Eu sou uma pessoa muito ativa, mas não tinha crises de ansiedade. Com a Covid, eu acabei desenvolvendo isso", lamenta.

A manutenção da rotina, com seus respectivos hábitos e horários, mesmo durante a quarentena, é considera extremamente importante para a saúde mental, conforme destaca a pesquisadora e psicóloga Cynthia Melo. Ela também reforça a disponibilidade dos atendimentos online de psicoterapia, para todos que sentem que precisam de ajuda.

 

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