No Dia Mundial da Saúde, especialistas citam potências e fragilidades do SUS expostas pela pandemia

Hoje sufocado, sistema público tem de ser fortalecido no Ceará para suportar demandas do pós-Covid

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Enfermeira ora em hospital
Legenda: A transformação do sistema de saúde e o fortalecimento do caráter global da assistência partem de um ponto em comum: a formação mais humana de novos profissionais
Foto: Tarso Sarraf/AFP

Um dos sistemas de saúde mais avançados do mundo, o SUS se tornou símbolo do acesso a esse direito fundamental, principalmente às classes de menor renda. A pandemia de Covid, porém, escancarou no Ceará não só as potências, mas as fragilidades de uma rede que precisa suportar demandas de um estado extenso e desigual.

A falta de profissionais de saúde qualificados para lidar com quadros complexos é uma das principais falhas expostas pela crise sanitária, como avalia Caroline Gurgel, virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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“A pandemia mostrou a escassez de profissionais intensivistas, infectologistas, enfermeiras com essas aptidões. Muitos recém-formados foram chamados para a linha de frente, o que deixou tudo muito sufocado”, pontua.

Além da óbvia sobrecarga, a insuficiência de pessoal acarreta outro problema crônico na rede de saúde brasileira: a longa espera para acessar serviços especializados. “Pacientes esperam anos na fila por tomografias, ressonâncias, cirurgias eletivas. A pandemia alargou ainda mais esses prazos”, alerta Caroline.

A especialista projeta que SUS devemos ter no Ceará após o fim da pandemia. Ouça.

Para ela, o sistema deve ser fortalecido, diante da evidente importância que tem mostrado. “A tendência é manter ou trazer mais investimentos. O SUS se mostrou muito fértil na área científica também, como no desenvolvimento do capacete Elmo e a própria vacinação. Acredito que não haverá cortes tão cedo, pelo contrário: a tendência é fortificar”, estima.

“Melhor tecnologia não adianta sem o fator humano”

A visão sobre a urgência de fortalecimento do SUS e do quadro de profissionais é compartilhada pela fisioterapeuta intensivista Andréa Braide, PhD em Saúde Pública, coordenadora do serviço de fisioterapia das UPAs e colaboradora da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE).

Profissionais da saúde atendendo em hospital
Legenda: A falta de profissionais de saúde qualificados para lidar com quadros complexos é uma das principais falhas expostas pela crise sanitária
Foto: Tarso Sarraf/AFP

“A rede de assistência estava despreparada, porque não tinha profissionais qualificados, em todas as categorias – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas – para atender doentes tão críticos, com perfil intensivo. De que adianta a melhor tecnologia se não tem o humano?”, questiona.

Outras áreas que precisam ser redimensionadas, sobretudo no pós-pandemia, como destaca Andréa, são a atenção primária e o cuidado em saúde mental. Nos dois âmbitos, prevenção é a palavra-chave.

Precisamos promover educação em saúde, principalmente sobre doenças crônicas não transmissíveis, que fragilizaram muitos pacientes com a chegada da Covid. A essa altura, precisamos ensinar as pessoas a lavar as mãos! São coisas básicas”
Andréa Braide
PhD em Saúde Pública

A transformação do sistema de saúde e o fortalecimento do caráter global da assistência partem de um ponto em comum: a formação mais humana de novos profissionais, sejam médicos, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas ou nutricionistas.

“Não importa se vou ser médico de consultório, fisioterapia de hospital privado, enfermeira de clínica top. A preocupação com a dor do outro é o que faz a gente aprender. Um olhar que envolva a saúde física e mental, se o nível espiritual pode fazer diferença numa recuperação”, exemplifica Andréa.

Saúde mental dos profissionais

O cuidado com a mente, aliás, deve se estender aos próprios profissionais. “Muitos problemas hoje resultam da fragilidade em saúde mental. A pandemia adoeceu todo mundo: são empregos perdidos, escolas fechadas, filhos em casa, pais, mudança de rotina, tudo isso é novo”, lista a integrante da ESP.

A médica Caroline Gurgel reforça que uma onda de estresse pós-traumático deve atingir não só os profissionais do SUS, mas de toda a rede de saúde do Ceará e do Brasil, no pós-pandemia.

Mudanças no acesso ao direito à saúde

Quando o sistema não é suficiente para suportar a demanda, surge um termo difícil, mas de fácil compreensão: a judicialização da saúde. Para a defensora Karine Matos, do Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa) da Defensoria Pública do Ceará, a relação da sociedade com a busca por esse direito fundamental também deve mudar.

As pessoas estão tomando cada vez mais consciência de que podem exercer esse direito constitucional, cobrar dos governantes o fortalecimento do direito desde a porta de entrada até demandas de maior complexidade"
Karine Matos
Defensora Pública

As ondas da pandemia de Covid no Ceará também foram sentidas no órgão do judiciário: segundo Karine, desde 2020, houve um revezamento entre a busca por assistência jurídica sobre demandas comuns e as solicitações de leitos para tratamento da doença.

“Pedidos por consultas, alimentação enteral, fraldas e medicamentos eram os mais comuns, e com a chegada da pandemia e do isolamento social houve uma nova configuração. Aumentou a judicialização de leitos específicos pra Covid e de transferências”, calcula a defensora.

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Para o período pós-pandemia, Karine projeta que o fortalecimento do SUS se tornará ainda mais indispensável, diante das sequelas físicas, emocionais e sociais que a Covid-19 deixará.

“Talvez chegarão demandas de terapias e medicamentos que não vinham antes, por exemplo. E é muito necessário o fortalecimento de toda a rede pública para atendê-los. Que o aparato construído durante a pandemia permaneça como algo benéfico”, finaliza.

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