Mudança de cidade, moto e patinete: cearenses refazem rotinas devido ao preço da gasolina

Ajustes na rotina e busca por transportes alternativos são medidas adotadas por quem acompanha alta no combustível, associada ao valor do petróleo e do dólar, que chega ao valor de R$ 7,10

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Patinete
Legenda: Tiago guia o patinete para ir ao trabalho, buscar o filho na escola e realizar atividades próximas de casa
Foto: Arquivo Pessoal

Os trajetos entre pontos da Região Metropolitana são necessários para o trabalho da psicóloga e empresária Priscila Diniz, de 33 anos, mas com as recorrentes altas na gasolina, a rotina começa a se tornar financeiramente inviável. Assim como ela, inúmeras pessoas têm refeito planos e tentado rever as contas, para não tornar o dia a dia ainda mais difícil.  

Com mais de 10 altas no preço do combustível em 2021, alternativas e estratégias para economizar crescem no mesmo ritmo em que o preço da gasolina aumenta nos letreiros dos postos no Ceará. O consumidor percebe aumento de R$ 0,21 a mais para a gasolina e R$ 0,28 para o diesel nos postos de gasolina do Estado, conforme estimativa de consultor ouvido pelo Diário do Nordeste.

“A gente tem um carro automático, que consome mais, o calor de Fortaleza não permite andar sem ar-condicionado e precisamos escolher o horário para não pegar muito trânsito”, resume. Há um mês os percursos de carro começaram a ser anotados diariamente e mudar de casa se tornou opção para reduzir os gastos.

As altas seguidas no valor do combustível acontecem pela Política de Paridade Internacional (PPI) da Petrobras baseada no valor do barril e do dólar - ambos mais valorizados. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) estima que a gasolina deve alcançar R$ 7,10.

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Priscila atravessa as avenidas Mister Hull, Bezerra de Menezes, Jovita Feitosa e parte da Pontes Vieira até chegar ao trabalho, na Aldeota, gerando a necessidade de abastecer quase três tanques de gasolina por semana. A estratégia adotada no último mês se baseia em planejar todos os trajetos do trabalho e os compromissos do escritório de advocacia, que administra com a esposa, em um bloco de papel.

“Eu preciso fazer várias coisas perto daquele lugar para compensar a gasolina”, destaca.

Bloco
Legenda: Depois da entrevista, Priscila se preparava para organizar os trajetos do dia seguinte no bloco de anotações
Foto: Arquivo Pessoal

O aumento dos gastos vem, contraditoriamente, com o objetivo inicial de Priscila. A mudança para a Região Metropolitana aconteceu para se resguardar da infecção pelo coronavírus e como forma de economizar, já que não precisa pagar aluguel. “Mas hoje a gente está gastando mais do que há um ano”, como conclui. O gasto mensal com gasolina se aproxima de R$ 2 mil.

Peso do carro no orçamento

Há cerca de oito meses, o coordenador administrativo Tiago Pereira, de 37 anos, já tentava fugir dos gastos excessivos e encontrou uma forma mais econômica para resolver os compromissos do dia a dia. “Eu vendi o meu carro e passei um tempo andando de bicicleta pelo Bicicletar e, nisso, tive a ideia de comprar um patinete”.

Tiago saiu do Montese e agora mora na Messejana, de onde percorre 13,2 km até a Aldeota, para o trabalho, por meio do equipamento elétrico. “Eu tiro em torno de 35 minutos. De ônibus, era 1h ou 1h10min e de carro esse trajeto era cerca de 50 minutos”, mensura. O patinete também é recarregado em casa e não apresenta aumento considerável na conta de energia.

Parte do orçamento destinada ao uso das bicicletas alugadas foi revertido para o pagamento do patinete. Os custos com IPVA, licenciamento, estacionamento e seguro, por exemplo, foram eliminados. “Eu vou para todo canto com meu patinete e, às vezes, quando o lugar é muito mais distante, porque a autonomia é de 20 km, eu utilizo Uber e supre bem a minha necessidade”, completa.

Tiago estima a redução em cerca de 80% dos gastos com transporte e observa adesão do modal por parte de outro colega do trabalho. A alternativa, porém, não atende quem precisa fazer deslocamentos mais extensos para o trabalho ou estudo, como aponta Mário Azevedo, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“O problema é que a gente está em uma situação complicada, porque certamente o ônibus resolve os deslocamentos para a maioria das pessoas, mas a oferta não está muito boa por conta da queda da demanda de passageiros”, pondera sobre as mudanças no transporte público durante a pandemia.

O especialista aponta que o reflexo do aumento da gasolina nos hábitos da população fica mais intenso, de modo geral, durante algumas semanas. “São altas grandes e a percepção das pessoas é que o que gastam com combustível, realmente começa a complicar o orçamento e tem de reduzir o uso do automóvel. As pessoas levam um susto”.

Substituições no cotidiano

Sair de casa na Aldeota com destino ao trabalho na Caucaia deixou de ser feito por carro desde maio para o engenheiro civil Iury Hansenn, de 30 anos. “Eu tive que comprar uma moto, tirar uma carteira e fazer esse investimento para vir ao trabalho. Como eu ainda não sou expert na moto, em alguns período eu venho de carro, mas eu já cheguei a gastar quase R$ 800 só de combustível”, destaca sobre o período em que usava apenas o automóvel.

São 40 km definidos de segunda a sexta-feira, mas os valores nos postos de gasolina não param de subir de patamar. “Em setembro de 2020, a gasolina estava R$ 4 e pouco e R$ 50 durava dois dias e meio. Com o aumento absurdo, hoje dá só para ir e voltar”, destaca.

Posto de gasolina
Legenda: Os valores dos combustíveis sobem a medida em que o barril de petróleo e o dólar se tornam mais caros
Foto: Kid Júnior

Ainda assim o automóvel traz o conforto de poder administrar o tempo e permanece como opção para o lazer. “Eu uso bastante o carro para sair com minha noiva, não gosto de usar Uber porque também aumentou drasticamente, sem falar na escassez, que demora muito”, avalia.

A alta na gasolina, no entanto, faz o casal “segurar as rédeas” nos trajetos do fim de semana. “O maior prejuízo foi ter, além do custo com a gasolina, o tempo para comprar moto e tirar a carteira para compensar a longo prazo o valor do combustível. Isso é um valor que eu vou reconquistar a longo prazo”, conclui.

 

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