Mais mulheres, jovens e generalistas: como o perfil dos profissionais de Medicina vem mudando no CE
A quantidade de candidatos a especialidades médicas aumentou, mas não o número de vagas de residência. Déficit chega a adiar planos por alguns anos, explicam representantes da categoria
A quantidade de médicos em atuação no Ceará praticamente dobrou em 10 anos, de cerca de 9 mil, em 2011, para os atuais 17 mil. Mas não foi só o número que mudou: o perfil dos profissionais de saúde acompanhou mudanças estruturais e, hoje, há mais mulheres médicas e mais pessoas jovens em atividade.
A série de estudos “Demografia médica no Brasil” mostra que, em 2011, havia o registro de 3.589 médicas no Ceará. Em outubro de 2021, são 7.638, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), um aumento de quase 113%.
A médica infectologista Mônica Façanha, coordenadora da Graduação em Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) em Fortaleza, explica que a proporção de mulheres nessa formação foi crescendo e hoje está em torno de 50%.
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Além disso, também diz que as mulheres estão buscando mais áreas tradicionalmente ocupadas por homens, como cirurgia, proctologia, ortopedia e urologia. A pediatria, que geralmente é atrelada a elas, hoje é uma especialidade menos procurada porque, “com a melhoria da cobertura vacinal, as crianças adoecem bem menos”.
“A categoria está mais jovem, é um fato, e com um perfil mais feminino. Dos que têm menos de 35 anos, a maioria é mulher. Na minha geração, de 2007, eram mais homens”, lembra o presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, Leonardo Alcântara.
O levantamento demográfico da profissão reforça que a idade média dos médicos no Ceará passou de 45,6 anos, em 2011, para 43 anos, em 2020. Para os especialistas, isso é reflexo da entrada de candidatos cada vez mais jovens nos cursos de Medicina.
“Alguns entram e se formam bem mais novos, mas muitos migram de outras áreas da saúde e se formam mais velhos, mas com mais maturidade. Isso nem sempre é ruim. Todo tempo não podemos parar de aprender”, garante Aurillo Rocha, presidente da Associação Médica Cearense (AMC).
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O estudo do CFM também informa um pequeno acréscimo no número de médicos generalistas no Ceará. São eles que têm uma visão geral dos pacientes, normalmente ficando a cargo do atendimento primário e encaminhando-os para um especialista.
Principais especialidades
Conforme o último estudo do CFM/USP, as principais especialidades médicas no Ceará são:
- Clínica médica - 1.575
- Pediatria - 1.245
- Cirurgia geral - 1.088
- Ginecologia e obstetrícia - 904
- Anestesiologia - 859
Por outro lado, as áreas com menos especialistas são:
- Radioterapia/Medicina esportiva - 17 (cada)
- Cirurgia da mão - 14
- Medicina física e reabilitação - 9
- Medicina de emergência - 8
- Genética médica - 7
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Vagas insuficientes
Os três especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes no motivo para o acréscimo de generalistas: as vagas abertas para residência médica, ou seja, a formação especializada, não suprem a demanda.
“Nos últimos semestres, parte dos estudantes decide ficar alguns anos atendendo como generalista para adquirir experiência, e só depois buscam outra área para se especializar”, percebe Mônica Façanha.
Leonardo Alcântara também lamenta a desproporção nas oportunidades, reconhecendo que muitos candidatos buscam a especialização porque, além de aprofundarem os conhecimentos, podem obter remuneração maior e melhor estabilidade no mercado de trabalho.
“A sociedade tem procura muito grande pelo especialista, que por sua vez procura a residência para estudar e ser reconhecido, mas também é preciso valorizar o generalista”, defende Aurillo Rocha.
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Formação humanizada
Além das questões técnicas, também há um consenso de que os novos profissionais precisam desenvolver e praticar habilidades de escuta e troca com os pacientes.
“A missão do médico é cuidar, de preferência com o paciente sabendo seu diagnóstico e as possibilidades de tratamento. Antigamente, não se dizia o prognóstico de uma doença mais grave. Hoje, a conduta mais importante é o diálogo, até porque facilita a adesão ao tratamento”, pensa Mônica Façanha.
Leonardo Alcântara, do Sindicato, defende que a categoria é “extremamente dedicada” ao bem estar dos pacientes, mas pede que a sociedade também os enxergue como trabalhadores, pais, mães e companheiros. “As contrapartidas precisam ser casadas com essa prestação de serviço”.
“Ser médico não é só ter as rotinas e as condutas na cabeça. O novo mundo pede que o médico seja mais humano e tenha compreensão maior do espaço social onde ele vive. Não é só o conteúdo científico: ele precisa crescer como pessoa”, conclui Aurillo Rocha.