“Tenho colegas que tiveram surtos e não puderam continuar”, diz médico na linha de frente da Covid

O cearense Diego Vieira fez um desabafo nas redes sociais sobre a exaustão dos profissionais da saúde, e lamenta a falta de cooperação da população para frear a pandemia

Escrito por Barbara Câmara , barbara.camara@svm.com.br
Legenda: Diego Vieira trabalha no posto de saúde Ivana de Souza Paes, no bairro Presidente Kennedy, e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município de Baturité.
Foto: Arquivo pessoal

Em meio ao cansaço, medo e frustração, os profissionais da saúde que atuam diretamente no enfrentamento à Covid-19 ficam um passo mais próximos do esgotamento a cada dia. Essa é a sensação narrada por Diego Vieira, de 33 anos, que se juntou à linha de frente em março do ano passado. Desde então, ele viu colegas de trabalho se afastarem dos plantões mais intensos, acometidos, em alguns casos, por ansiedade, depressão e exaustão. 

De segunda a sexta-feira, a rotina do médico abrange oito horas por dia no posto de saúde Ivana de Souza Paes, no bairro Presidente Kennedy. Aos fins de semana, ele dedica 12 horas de plantão em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no município de Baturité. Segundo ele, o impacto sobre os profissionais é sentido tanto no eixo da Atenção Primária quanto na emergência. 

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“A maioria dos meus colegas da área de saúde, como um todo, está com sintomas de problemas de saúde mental. Tenho colegas que pararam de dar plantão, que trabalhavam em posto de saúde e não aguentavam mais, tiveram surtos por não suportar mais verem pessoas morrendo por causa evitável, e pararam”, lamenta. 

Alertas

Em uma publicação feita em rede social, Vieira descreve a frustração ao atender pacientes que revelam ter frequentado festas – em especial durante o Ano Novo – e, além de contrair a doença, transmitiram-na para parentes que integram grupos de risco. Ele avalia que a situação reflete uma série de alertas que vêm sendo ignorados. 

“É tão claro o que precisa ser feito, e as pessoas não fazem. E estamos vendo as consequências disso. Se você for em uma festa porque diz que ‘precisa desopilar’, e no dia seguinte abraça sua mãe e ela morre de Covid, a culpa é sua. Você sabia o que devia ser feito e você não fez. Não ouve os médicos, os cientistas, os alertas na imprensa. Vocês não querem ouvir ninguém. Isso é o desabafo de alguém que está exausto”, admite.

“Mas eu não desisti, continuo falando e trabalhando todo dia. Já atendi pacientes com Covid hoje, pacientes graves, jovens com Covid. A gente atende casos assim todo santo dia”, relata o médico.

Mais jovens

Diego Vieira relembra a preocupação constante para com os colegas de profissão que adoeceram, além dos que entraram para a conta crescente de mortos pela infecção. Ele questiona até quando outros médicos e enfermeiros poderão sustentar o cansaço, e acredita que o prejuízo na saúde mental foi ainda mais drástico entre profissionais mais jovens.

“Muitos que tiveram esses problemas são recém-formados. Essas pessoas que tiveram sua formatura adiantada pra trabalhar logo na linha de frente não tinham ainda maturidade pra lidar com isso. Não conheciam muito da vida e já caíram no meio da pandemia, no meio de uma guerra”, diz. 

Para cuidar de si, Vieira se voltou ao lazer nas horas vagas, jogando videogames e se distraindo em casa. Ele conta que, para outros colegas, a busca por tratamento psicológico foi essencial, e acredita que a saúde mental representa hoje “uma pandemia à parte”. “É a pandemia da ansiedade, do medo. A saúde mental foi muito prejudicada nessa época do confinamento, as pessoas sofreram muito, tanto os pacientes quanto os profissionais da saúde. Sofreram e estão sofrendo”, afirma.

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