Após quase 10 meses, profissionais de saúde relatam medo e impotência com novo aumento da Covid-19

Apesar dos receios, se preparam para atender à nova demanda após as festas de fim de ano e flagrantes de aglomerações com desrespeito ao decreto

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: A gerente de enfermagem Nancy Costa compartilha que os impactos emocionais do pico da pandemia seguem reverberando entre a equipe
Foto: Arquivo

Quando os primeiros casos da Covid-19 chegaram ao Ceará, ainda em 15 de março do ano passado, a luta dos profissionais de saúde para salvar vidas exigiu mudanças profundas na rotina destes trabalhadores e trabalhadoras.

Além da compreensão de respeitar as novas normas sanitárias, da categoria que atua na linha de frente foi exigido também o aumento da carga horária e dedicação no cotidiano, causando impactos como o cansaço físico e emocional.

Somados quase dez meses desde o início da pandemia, médicos e enfermeiros relatam preocupação com o cenário de aglomerações e novo aumento de casos da doença.

"Todo profissional da saúde está esgotado, tanto física quanto emocionalmente, principalmente quem trabalha em um ambiente de terapia intensiva. Acho que ninguém aguenta por muito mais tempo", compartilha o médico intensivista da unidade de cuidados respiratórios do Hospital da Unimed, Dr. Emmanuel Siedra Dantas.

Até as 17h35 de sábado, foram registrados 40 óbitos em profissionais de saúde no Estado. São 18.736 casos confirmados da Covid-19 no Ceará, segundo a plataforma Integra SUS, da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). A maioria das ocorrências positivas se concentra em Fortaleza, com 6.962 ocorrências.

No caso de Emanuel, os desafios foram muitos. Somou-se o distanciamento de familiares e a luta pessoal contra a doença, após se contaminar em junho de 2020. Ver os casos de aglomeração traz o duplo sentimento de indignação e frustração. "As pessoas têm que compreender que estamos diante de um vírus que causa perda. Enquanto não houver distribuição de um plano nacional, tem que se proteger ao máximo até chegar o momento da vacina", diz.

Dentre os principais impactos desta mudança repentina, compartilha que percebeu um aumento no nível do estresse.

"Modifica tudo, eu não conseguia dormir direito, ficava com a cabeça elétrica, pensando em pacientes que talvez pudessem precisar de mim", comenta.

Cansaço

Assim como Emanuel, o Dr. Lino Alexandre, infectologista do Hospital Estadual Leonardo Da Vinci, uma das unidades criadas pela Sesa com o objetivo de atender à demanda de pacientes com a Covid-19, também vê com preocupação os casos de aglomeração registrados nos últimos dias. O alerta se deve pelo receio quanto ao desenvolvimento da doença em cada paciente. "É um trabalho exaustivo. Era bom que não tivesse mais a pandemia, ela nos deixa estressado", assevera.

Legenda: O infectologista Dr. Lino Alexandre acompanha com imensa preocupação os casos de aglomeração testemunhados durante o fim de ano
Foto: Joanne Ximenes

Por ainda não existir um tratamento eficaz e definitivo para a Covid-19, fica a esperança de não acompanhar um novo aumento de casos como ocorreu no auge da pandemia. "Estou cansado. Exausto, não, mas sempre procurando não ser agressivo, compreender, me concentrar, pois tem hora que cansa. Vários profissionais não aguentavam, choravam. Você via seu colega de trabalho se afastar por conta da doença e isso gerava muita ansiedade", declara.

Preparação

Frente ao aumento de casos, a enfermeira e gerente de enfermagem do Hospital São José (HSJ), Nancy Costa, detalha já ter se reunido com a equipe. O intuito é se preparar para o atendimento da demanda após as festas de fim de ano.

"Nós já viemos de uma jornada bem exaustiva e (esse cenário) causa impacto forte no emocional, porque nós não nos recuperamos ainda, o que houve foi uma redução daquele pico", afirma.

Nancy percebe que os recorrentes óbitos causados pelo coronavírus tiveram grande repercussão na equipe de enfermagem. Mesmo considerando o desgaste físico e emocional, ela reforça que seguirá realizando o seu trabalho, com toda dedicação e compromisso que guarda pela profissão e pelos pacientes que tanto necessitam. "Apesar do medo, do cansaço mesmo, é o fato de você ver que tem que cuidar do outro, e cuidar com excelência, que te faz ter forças para continuar", compartilha Nancy Costa.

Interior

O médico intensivista e cardiologista do Hospital Regional Norte (HRN), em Sobral, Vicente Lopes Monte Neto, compreende que a fadiga é um fator que predomina em todos os profissionais da área de saúde, sendo "um grande desafio" atuar no combate da pandemia.

Para o médico, o aumento de casos no interior carrega uma sensação de insegurança quanto ao que está por vir. "Ao mesmo tempo, acredito que vamos enfrentar com mais maturidade. Estamos mais calejados. Não que não tenha medo, mas cabe a cada um de nós continuar mantendo nosso padrão", declara.

No entanto, mesmo com os cuidados dos profissionais, ele alerta à responsabilidade da comunidade em continuar seguindo as recomendações sanitárias, evitando aglomeração e cumprindo o distanciamento social. "Ainda não temos a vacina, então, não devemos baixar a guarda, essa é a premissa do combate à pandemia", finaliza.

Cuidados

Em meio ao esgotamento diário de lutar contra um inimigo invisível e, em grande parte, desconhecido, a psicóloga Simone Maria Santos Lima percebe ser necessário destinar um cuidado focado nos profissionais de saúde.

"Há uma necessidade muito grande desse apoio. O 'super-herói' é um símbolo muito pesado. É uma coisa sobre humana. Nós, profissionais de saúde, somos humanos, seres humanos que têm emoções, sentimentos, estresse e medo", explica a profissional que atua há 12 anos no Hospital São José (HSJ).

Assim, os atendimentos psicológicos buscam abrir um espaço de escuta e acolhimento para que essas pessoas possam compartilhar suas vivências, inseguranças, ansiedades e preocupações. Durante a semana, o HSJ realizava o atendimento de pelo menos seis profissionais de saúde de modo fixo, além de outros que poderiam aparecer ao longo da semana.

Assuntos Relacionados