Fiscalização excessiva de adolescentes na internet causa medo e gera curiosidade sobre o proibido

Crianças devem estar preparadas para lidar com situações de risco em ambiente de diálogo aberto com responsáveis

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Menina encontrada no Ceará
Legenda: Redes sociais abrem espaço para situações de risco, como a vivenciada pela menina do Distrito Federal encontrada no Ceará nesta semana após sair de casa para encontrar um contato feito por celular
Foto: Reprodução

Quem nasce imerso na internet, em pouco tempo no processo de crescimento substitui os vídeos e jogos infantis por plataformas de interação entre amigos e desconhecidos. Essas redes abrem espaço para situações de risco, como a vivenciada pela menina do Distrito Federal encontrada no Ceará nesta semana depois de sair de casa para encontrar um contato feito por celular. Impedir o uso da tecnologia, no entanto, não é a melhor estratégia.

Isso porque o contato com outras pessoas por meio da tecnologia se torna mais comum, inclusive, durante a pandemia por causa das restrições de encontros presenciais.

“O caminho do diálogo permanente tende a ser mais potente, nesse caso, do que a simples proibição ou a postura permissiva de não acompanhar a criança”, analisa Inês Vitorino, vice-coordenadora do Laboratório de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia (LabGrim) na Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Os responsáveis pela criação dos pequenos e dos adolescentes devem demonstrar interesse sobre a comunicação praticada por eles. “O desenvolvimento da criança também vai estar associado ao tipo de mediação que ela recebe em casa, na escola, nos grupos que a cercam”.

É importante a gente perceber que, como não deixamos uma criança ir para a rua sozinha, é o mesmo princípio para quem vai entrar nas redes sociais
Inês Vitorino
Vice-coordenadora do LabGrim

Os adultos devem criar um sistema de proteção conforme o nível de maturidade, particular de cada um. “Os pais vão percebendo quando a criança vai criando autonomia de saber que certos comportamentos não pode aceitar, abordagens que pode evitar e compartilhar com os pais e professores situações estranhas”, detalha.

“Para a criança aprender, encontrar e explorar oportunidades, tem mecanismos de acertos e erros. Os riscos fazem parte do processo, mas o que não pode acontecer é a criança vivenciar isso solitariamente”

Como oferecer liberdade para jovens?

Dar liberdade às crianças e adolescentes exige acompanhamento e orientação sem impor uma barreira. “Quando a gente fala de redes sociais, principalmente na adolescência, tem um viés muito de fiscalizar, ler mensagens, ter senhas e isso não faz com que o adolescente se sinta seguro”, pontua Ayra Moraes, psicóloga infantojuvenil.

O monitoramento excessivo faz com que crianças e adolescentes escondam as buscas na internet ou qualquer eventual problema. “Essa percepção vai depender muito da sensibilidade dos pais e dessa leitura do ambiente, se é proporcional aos eventos que estão acontecendo”, completa a especialista.

Criança
Legenda: Limitar o uso da internet sem explicar os riscos - e orientar postura adequada para não se expor - causa descrédito das crianças e adolescentes sobre a decisão dos responsáveis
Foto: Shutterstok

Ainda pequenos, o uso da tecnologia acontece, em geral, para o consumo de conteúdo infantil e de jogos na internet. “Quanto mais velha essa criança vai ficando, criam-se necessidades diferentes em relação à individualidade e à sociabilização”, observa Ayra Moraes.

A partir de então, o monitoramento se torna mais complexo e as proibições sem argumentos despertam curiosidades. “O adolescente vai criando uma habilidade maior de diálogo e de comunicação e vai começar a questionar o que os pais estão propondo. O mais interessante é perceber a necessidade, o que pode ser feito à nível do diálogo e redirecionar”.

Orientação aos pais

Sem o convívio com a turma da escola, da rua ou do esporte - por causa das restrições da pandemia - há privação do lazer e de interações sociais. “Quando se reduz as possibilidades de interação, as que sobram se amplificam e aumenta o tempo nas redes sociais”

[destacar aspas] “Se há mais exposição, há mais risco, por isso é importante orientar os pais à conversa franca para os filhos entenderem os riscos e comunicar que, se acontecer alguma coisa, pode ser acolhido” [destacar aspas] 

Como forma de evitar à exposição aos riscos e adoecimento da saúde mental com o uso das redes sociais, Ayra Moraes propõe 4 dicas:

1. Definir limites

Por parte dos jovens, ficar conversando pelas redes sociais é um jeito de participar e ser aceito pelo seu grupo. Então, proibir ou impedir determinados acessos, dependendo da idade, pode ser prejudicial para ele e para a relação com os pais, mas é possível estabelecer combinados sobre o uso e acesso de forma que não atrapalhe nas atividades cotidianas. 

2. Proporcionar outros momentos de lazer

A recomendação é que a família crie momentos para que o uso da tecnologia seja evitado. Refeições, horários de descanso e atividades com amigos e familiares devem ser momentos de “desconectar” para adolescente. Para muitos adolescentes, o tempo de descanso é estar nas redes sociais, então é importante ajudá-los a criar outros momentos de bem-estar longe das telas.

3. Estar sensível aos sinais de que as coisas não estão bem

Esteja atento ao comportamento do seu adolescente e conversem sobre os comportamentos que lhe preocupam. Perceba também quais sentimentos que estão nas redes sociais geram nele. Fica ansioso, triste, inseguro? Se sim, tente identificar o que gera isso e dê abertura para um diálogo. 

4. Orientar

Sabemos que proibir não é o melhor caminho. Então, oriente o seu filho sobre os riscos e maneiras de se proteger e prevenir. Coloque-se também sempre à disposição para que peçam ajuda quando se sentirem ameaçados ou receberem conteúdos impróprios. Assim, eles poderão incorporar as dicas de segurança, entendendo que é para o bem deles.

Comunicação fora das telas

Os irmãos Miguel e Gabriel, de 8 e 6 anos, são guiados para atividades relacionadas à criatividade e comunicação fora da tela do celular, mas o uso da tecnologia é inevitável e estão disponíveis também notebook e tablet.

"Esse uso não é por tempo indeterminado, a gente dá mais ou menos meia hora para cada um. Não deixamos usar até à noite por causa luz azul e coisas que atrapalham o sono", explica a mãe Estela Chagas, de 40 anos.

A forma de administrar o uso da internet acontece também com base no conhecimento da profissão na área da psicopedagogia e educação. "A gente conversa com eles enquanto estão assistindo às coisas, vamos discutindo, escutamos o que eles dizem. A preocupação é que, se a gente deixasse, eles iriam continuar um bom tempo", compartilha.

Estela dá importância ao exemplo repassado aos filhos com o uso do próprio celular - evitando deixar o contato com os meninos para ficar na tela. "A gente se vale muito mais da precaução do que de reparar danos. Se eles virem algo que não seja bacana, por tudo que já aprenderam, eles falam para a gente", frisa.

 

 

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